O bife que você comprou no mercado pode ter ajudado a financiar a exploração de seres humanos na Amazônia. Que o trabalho escravo está em importantes cadeias produtivas de soja, algodão, carne bovina, madeira, pimenta-do-reino, álcool, aço, café, tomates e outras frutas, já se sabe há um bom tempo. E ações têm sido tomadas pelas empresas brasileiras para combater isso e evitar problemas para a imagem dos produtos brasileiros, uma vez que é uma minoria de criminosos que adota essas práticas. Contudo, ao que tudo indica, um grande produtor do norte do Tocantins tem conseguido burlar as restrições e continuar fornecendo carne a um frigorífico que repassa sua produção para as regiões Nordeste e Sudeste e até para fora do país.
O grupo móvel de fiscalização do governo federal libertou nesta quarta-feira (22) 201 trabalhadores em situação de escravidão da fazenda Castanhal, município de Ananás, na região do Bico do Papagaio, em Tocantins. Entre os resgatados havia três jovens menores de idade. Neste momento, a equipe está realizando o acerto de contas dos direitos trabalhistas dos libertados.
A Castanhal possui uma área equivalente a oito mil campos de futebol, seguindo além de onde a vista alcança, fazendo fronteira com o rio Araguaia. Nela são criadas 10 mil cabeças de gado. Enquanto a casa-sede da fazenda não deixa nada a dever para nenhum grande condomínio residencial em Minas Gerais – Estado em que mora o proprietário, Joaquim Faria Daflon – os trabalhadores estavam alojados em barracos de lona sem nenhuma condição de higiene. Uma reedição perfeita do cenários da Casa-grande e senzala dos engenhos do Brasil colônia. A contradição é que a fazenda utiliza tecnologia de ponta.
De acordo com o coordenador da operação, o auditor do Trabalho Humberto Pereira, os libertados, que atuavam na limpeza do pasto, estavam em situação extremamente degradante. Bebiam a mesma água barrenta que o gado, não comiam carne (apesar das milhares de rezes da fazenda), e não podiam deixar seu local de trabalho, presos a dívidas ilegais contraídas com representantes da Castanhal.
O proprietário faz pouco caso das ações do governo. Equipes de fiscalização já libertaram 23 escravos na Castanhal em novembro de 2001 e 72 em maio de 2003. Na Floresta, sua outra fazenda, foram encontrados 43 trabalhadores escravizados também em maio de 2003. Todos esses flagrantes levaram Daflon a aparecer três vezes na “lista suja” do trabalho escravo divulgada pelo governo federal. Com isso, ele está impossibilitado de receber crédito em agências públicas de financiamento como o Banco do Brasil, Banco do Nordeste e o BNDES, e em alguns bancos privados nacionais e internacionais, como o Santander e o ABN Amro Real. Com a ação de ontem, ele não sairá tão cedo da “lista suja”.
Um levantamento realizado pela ONG Repórter Brasil demonstrou que a fazenda Castanhal, de criação de gado para corte, ainda hoje vende sua produção para o Frinorte, localizado em Araguaína (TO). Esse frigorífico, por sua vez, atua em parceria com tradings, que comercializam carne com a China. O Frinorte fambém abastece o mercado interno, do Nordeste ao Sudeste, vendendo para redes de supermercados.
Maranhão
Em outra operação realizada entre 13 e 21 de março, foram libertados 121 trabalhadores em três fazendas: a Palmeira, em Santa Luzia, a Agropecuária Maranhão, em Bom Jesus das Selvas, e a Cipó Cortado e Coração de Ferro, em Senador La Roque, todos municípios maranhenses. Os danos morais coletivos chegam a R$ 100 mil.