O fazendeiro Olindo Chaves dos Santos, que teve sua prisão preventiva decretada recentemente devido à acusação de utilizar trabalho escravo, obteve hoje (11) um habeas corpus. A decisão veio do desembargador Cândido Ribeiro, do Tribunal Regional Federal da 1a Região.
O réu e seus advogados afirmaram que não havia trabalhadores escravizados na fazenda, ao contrário do que apontam os indícios coletados pelo grupo móvel de fiscalização do governo federal. Também sustentaram que a Justiça Federal não era competente para julgar esse crime, e sim a Justiça estadual. Que trabalho escravo não é um crime contra a organização do trabalho e sim um crime contra as liberdades individuais.
Eles afirmam que a Justiça Federal tem sido rejeitada para o julgamento desse crime – o que não é verdade. Porém, o subterfúgio jurídico usado por Olindo e seus advogados revela um nó que tem que ser desatado para que os que utilizam mão-de-obra forçada sejam efetivamente presos.
Apesar de mais de 18 mil trabalhadores terem sido libertados em mais de 1500 fazendas fiscalizadas, houve poucos casos de condenação pelo artigo 149 do Código Penal, que prevê de dois a oito anos de prisão. Nenhum dos condenados, porém, cumpriu pena na cadeia. O caso mais publicamente conhecido foi o de Antônio Barbosa de Melo, proprietário das fazendas Araguari e Alvorada, em Água Azul do Norte, Sul do Pará. Sua condenação foi revertida em doação de cestas básicas. Vale salientar que este fazendeiro, já falecido, foi reincidente no crime de trabalho escravo.
É verdade que houve um número maior de julgamentos desfavoráveis ao réu do que apenas nesses casos. Contudo, devido ao longo tempo de tramitação do processo na Justiça, ele acaba prescrevendo, a condenação é anulada e o proprietário rural permanece impune.
A lei número 109 do Código Penal especifica o prazo para a prescrição de um crime. O cálculo considera o tempo entre o momento da denúncia do Ministério Público e a sentença do juiz. Isso não seria um problema caso fosse dada a pena máxima prevista (oito anos), o que implicaria um prazo de prescrição de 12 anos. Nesse espaço, dificilmente não haveria tempo para o julgamento e os recursos. Porém, normalmente a Justiça opta pela pena mínima, de dois anos. De acordo com a legislação, se o processo durou quatro anos e o juiz deu dois, o crime prescreve.
Duas esferas judiciais, a estadual e a federal, discutem com quem deve ficar o julgamento dos crimes sobre o trabalho escravo. O debate é antigo e tem sido um dos principais fatores que dificultam o combate à impunidade, a ponto de haver juristas que pedem uma definição urgente, para qualquer um dos lados. Pois esse vácuo gera uma situação confortável aos que utilizam trabalho escravo, como Olindo. Se todos reivindicam a competência para o crime, na prática, ninguém a tem.
O Ministério Público do Trabalho e a Justiça do Trabalho, cuja competência para julgamento dos crimes contra a organização do trabalho está reconhecida, têm obtido bons resultados. Mas as condenações trabalhistas resultam em indenizações em dinheiro e não em prisão. O Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não chegou a um consenso se a competência deve ficar com a Justiça Federal ou com as Justiças Estaduais.
Justiça curta
Os movimentos sociais que atuam no combate à escravidão contemporânea no Brasil festejaram o decreto da prisão de Olindo no dia 22 de março deste ano. Em fevereiro de 2001, após denúncia encaminhada pelo Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia (CDVDH), 54 trabalhadores foram encontrados em situação irregular pelo Ministério do Trabalho e Emprego na fazenda de Olindo – a Campo Grande.
A liminar concedida hoje revoga o decreto de março, dado pelo juiz Lucas Maximo de Araújo, da Vara Federal de Imperatriz (MA). Segundo o magistrado, a decisão foi tomada porque o fazendeiro tinha sido chamado diversas vezes pela justiça para prestar esclarecimentos e não compareceu. Além disso, Maximo afirmou que há indícios de que o fazendeiro continue desrespeitando direitos trabalhistas em suas propriedades rurais.
Segundo José Augusto Dias, advogado do CDVDH, a decisão definitiva sobre a situação do fazendeiro virá em algumas semanas. Enquanto isso, o fazendeiro vai continuar aguardando o julgamento em liberdade.
Nessas três semanas entre uma decisão e outra, Olindo Chaves dos Santos não foi preso. Em 29 de março, seus advogados haviam ingressado com o pedido de revogação da prisão preventiva na Vara Federal de Imperatriz, assumindo o compromisso de comparecer a todos os atos da instrução processual O pedido foi indeferido pelo juiz Lucas Máximo e encaminhado à segunda instância do TRF.
Paralelamente à ação penal, o fazendeiro foi julgado e condenado pela Vara do Trabalho de Açailândia. Ele deverá pagar R$ 10 mil, em reparação por danos morais, para cada trabalhador que foi mantido cativo. Os advogados de Olindo Chaves recorreram da decisão e aguardam uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho, em São Luís.
A fazenda Campo Grande consta na “lista suja” do trabalho escravo, que relaciona os empregadores que comprovadamente utilizaram trabalho escravo. Através dela, agências públicas (como o Banco do Brasil e o BNDES) e bancos privados (como o Santander e o ABN Amro Real) restringem empréstimos e financiamentos. As fazendas da “lista suja” também têm sua situação fundiária investigada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Por fim, a listagem serve como base para o rastreamento da cadeia produtiva do trabalho escravo. De acordo com investigação da ONG Repórter Brasil, a fazenda Campo Grande vendia sua produção ao frigorífico Frisama, que negocia com cadeias de supermercados da região Nordeste. Com base nessa pesquisa, foi assinado o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo por grandes empresas brasileiras e multinacionais. Elas estão suspendendo as fazendas da “lista suja” de suas redes de fornecedores diretos e indiretos.
* Colaborou Leonardo Sakamoto