O massacre de Eldorado dos Carajás, que vitimou fatalmente 19 sem-terra e deixou mais de 60 feridos após uma ação violenta da Polícia Militar para desbloquear a rodovia PA-150, completa dez anos sem que nenhum dos culpados esteja preso. A rodovia estava ocupada por uma marcha do MST que se dirigia à Marabá para exigir a desapropriação da fazenda Macaxeira, área improdutiva que hoje abriga o assentamento 17 de Abril.
Dos 144 militares indiciados, os dois únicos condenados – o coronel Mário Collares Pantoja, condenado a 228 anos, e o major José Maria Pereira de Oliveira, condenado a 154 anos de prisão – foram postos em liberdade por decisão do Superior Tribunal Federal (STF) no final de 2005, depois de pouco menos de um ano de reclusão. Ambos estão aguardando em liberdade o resultado do recurso especial apresentado ao Superior Tribunal da Justiça e do recurso extraordinário apresentado ao STF. Os responsáveis políticos pelo massacre, o governador Almir Gabriel e o secretário de Segurança Pública, Paulo Sette Câmara, não foram indiciados.
Mesmo tendo sido assentados posteriormente na área pleiteada, grande parte dos cerca de 70 sem-terra que foram vítimas da PM no dia 17 de abril de 1996 ainda sofre com graves problemas de saúde. Muitos continuam com balas alojadas no corpo, vários não conseguem trabalhar em função das mutilações, e, segundo os trabalhadores rurais e os advogados do MST, o Estado não tem prestado o atendimento médico acordado legalmente com o movimento.
Para relembrar o massacre, desde 1º de abril o MST organizou no local, a “Curva do S” na PA-150, um acampamento com cerca de 2 mil jovens de vários Estados que, além de atividades culturais e de formação, estão promovendo manifestações diárias contra a impunidade.
Nesta segunda-feira (17), o MST e várias organizações de direitos humanos promoveram na Curva do S um ato ecumênico pela manhã (parte do calendário da Igreja desde o massacre). Pela tarde, lideranças do MST, como o coordenador nacional João Pedro Stédile, Dom Thomas Balduino, conselheiro da CPT, e o advogado da entidade no Pará, Frei Henri (que está ameaçado de morte), além do ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, entre outros, participam de uma coletiva de imprensa.
Às 17 horas, horário do massacre em 2006, haverá um grande ato com o bloqueio da PA-150. Neste mesmo horário, em outros 23 Estados, também ocorrerão manifestações. Entre as atividades relacionadas à data, de acordo com o MST, em Santa Catarina ocorrerá uma marcha para Florianópolis, de 17 a 20 de abril; na Bahia, a marcha saiu de Feira de Santana para chegar em Salvador nesta segunda; no Mato Grosso do Sul, acontece uma vigília em frente ao Fórum de Campo Grande; Goiás terá quatro marchas para a capital, Goiânia, que saem dia 17 e chegam dia 1º de maio, dia do Trabalho, quando acontecerá um ato massivo em conjunto com os movimentos urbanos; no Rio Grande do Sul, acontecerão debates da Universidade Federal, uma exposição de fotos de Sebastião Salgado e uma vigília em frente ao Tribunal da Justiça.
Em São Paulo, onde também começa o encontro estadual do MST, o ato nesta segunda acontece na Praça da Sé. Em Brasília, as atividades começaram pela manhã com uma sessão solene no Plenário Ulysses Guimarães da Câmara dos Deputados. À tarde, outra sessão solene, marcada para as 16 horas, acontece na Câmara Distrital. Ao final das atividades, os integrantes do MST plantarão 19 árvores frutíferas na área externa da Câmara, em memória aos trabalhadores mortos.
Tensão no Pará
A situação dos conflitos agrários no Pará, Estado campeão de mortes de lideranças agricultoras, vem se acirrando nos últimos meses. Em função do mês de Luta do MST, os movimentos (também a Fetagri, ligada à CUT) realizaram várias ocupações, que levaram à prisão de seis trabalhadores rurais e uma morte, segundo denúncias.
No mês de março, a Polícia Militar retomou uma onda de despejos, iniciada no ano passado por decisão da Justiça. Segundo a assessoria do MST, “um efetivo de 280 PMs cumpre a operação de reintegração de posse de áreas ocupadas”. “O Estado declarou que vai manter a operação, custe o que custar. O discurso do Estado tem sido empurrar a responsabilidade para o governo federal”, diz uma nota do movimento, emitida no final de março.
No início de abril, o MST declarou, em nova nota, que “as ações realizadas pelos trabalhadores/as do sul e sudeste do Pará são o resultado da ação isolada do governo do Estado e do Poder Judiciário, que descumpriram todos os acordos estabelecidos em audiências anteriores, como a que estabeleceu que qualquer ação que envolva áreas de interesse de reforma agrária passaria por uma discussão ampla na perspectiva de estabelecer um acordo que beneficiasse a segurança e o bem estar dos trabalhadores e trabalhadoras”.
Segundo o MST, no Sul do Pará a situação é a mais crítica. “Há sete anos, famílias acampadas no Acampamento 26 de março aguardam do STF o decreto de desapropriação da Fazenda Cabaceiras, que consta na lista da prática de trabalho escravo, crimes ambientais e grilagem de terras da União. Temos o caso das famílias do Acampamento Lourival Santana que há dois anos estão em parte da Fazenda Peruano, terra esta comprovadamente grilada. A impunidade reinante nos casos de assassinatos de trabalhadores/as, lideranças, religiosos/as e advogados”.
E conclui: “entendemos que ameaças, prisões não irão resolver o problema agrário brasileiro. Portanto, as famílias da região Sul e Sudeste do Estado reivindicam a suspensão imediata de todos os mandatos de despejo expedidos pela Vara Agrária para esta região, a retirada imediata da Tropa de Choque da Polícia Militar da região e a desapropriação e o assentamento de todas as famílias que se encontram acampadas”.
Da Agência Carta Maior