As indústrias do Pólo Siderúrgico de Carajás estão atuando no sentido de erradicar o trabalho escravo e degradante de suas cadeias produtivas, mas ainda falta muito a ser feito. Esse é o diagnóstico apontado pelo estudo "Responsabilidade Social das Empresas Siderúrgicas na Cadeia Produtiva do Carvão Vegetal na Região de Carajás", realizado pelos pesquisadores Felipe Saboya e Maria Lúcia Vilmar, do Instituto Observatório Social.
Ele monitorou as ações dessas indústrias para regularizar a atividade de produção do carvão – necessário para a confecção de ferro-gusa e, finalmente, o aço. As ações foram acordadas em uma Carta-Compromisso assinada em 2004, após denúncias do próprio Observatório Social sobre o envolvimento de fornecedores das siderúrgicas com trabalho escravo.
Foram entrevistados representantes das 15 empresas que assinaram a Carta-Compromisso, localizadas nos Estados do Pará e Maranhão – região de influência da jazida de ferro da Serra dos Carajás. Uma delas, a Ferro Gusa Carajás (pertencente a Vale do Rio Doce), não pôde ser auditada porque ainda está em fase de implementação. Também foi feita uma auditoria em todas as carvoarias oficialmente fornecedoras de carvão às siderúrgicas. No total foram mil empreendimentos, com uma média de 50 fornos em cada.
Um dos avanços apontados pelos pesquisadores do Observatório é a criação do Instituto Carvão Cidadão (ICC), em outubro de 2004. Hoje, o órgão é responsável por fiscalizar as próprias siderúrgicas e seus fornecedores e alertar irregularidades, fazendo um trabalho de prevenção, paralelo às fiscalizações do Ministério do Trabalho e Emprego. O ICC, inclusive, encomendou o estudo ao Observatório Social.
O estudo constatou que, apesar dos avanços, diversos parâmetros trabalhistas não estão sendo cumpridos e carvoarias apresentam falhas de estrutura. Por exemplo, 88,46% dos empreendimentos visitados não possuíam tratamento de água. Outro item são irregularidades da efetivação de direitos trabalhistas, como o salário-família (em 98,71% dos casos auditados), falta de veículos apropriados para transporte dos trabalhadores (89,10%) e o não-pagamento regular de horas-extra (98,33%).
Casos mais graves foram encontrados, mas em uma freqüência menor. A inadimplência salarial, por exemplo, atingiu 6,2% das carvoarias, e a retenção salarial ou existência de caderneta de dívidas – realidade que pode, associada a outros fatores, contribuir com a caracterização do trabalho escravo – foi constatada em 61 carvoarias, fornecedoras das siderúrgicas Viena (23,1% dos fornecedores), Gusa Nordeste (20%) e Cosima (4,9%).
O pesquisador Felipe Saboya acredita que, embora a região esteja longe de cumprir em plenitude os direitos do trabalhador, houve uma mudança de atitude para enfrentar o problema. "Apesar de não concordarem em ser responsabilizadas pelos erros de seus fornecedores, muitas empresas estão montando equipes de fiscalização ou dando bonificações aos fornecedores que cumprem a legislação trabalhista."
O maior empecilho para o avanço das condições trabalhistas do setor é a figura dos atravessadores, que compram das carvoarias ilegalmente e vendem às siderúrgicas. Muitas vezes são pessoas influentes na região que realizam esse comércio. "A compra é a garantia para o pequeno produtor de venda de toda sua produção, mesmo que seja por um preço menor", explica Saboya. Segundo ele, o ideal para regularizar todas as carvoarias é instituir a fidelidade no fornecimento do carvão, pois assim seria mais fácil para as siderúrgicas fiscalizar, e estaria eliminada a figura do atravessador.
Entretanto, essa exclusividade tem levantado polêmica entre parte dos fornecedores e das siderúrgicas. Discutem que isso acabaria com a possibilidade de negociação de preços, por parte dos primeiros, e jogaria toda a responsabilidade pela irregularidade dos carvoeiros sobre as indústrias.
Para Claudia Brito, do ICC, outro problema do setor é o vínculo direto dos trabalhadores com as siderúrgicas, feita pela fiscalização do governo federal. Ela defende que é necessário punir os produtores que insistem em atuar irregularmente, caso contrário contribui-se com a manutenção dessa exploração dos trabalhadores. "Quem assina os contratos, lida com os trabalhadores diariamente, é o produtor, ele deve ser responsabilizado", afirma.
O pesquisador Felipe Saboya aponta que o fenômeno do carvão vegetal na região é recente e existe uma migração para o setor, que já tem muito excedente de mão-de-obra. "O perfil do produtor é muito diverso. Ainda assim, é possível dizer que a maioria são pequenos produtores." Ressalta que a rentabilidade do carvão pode ser alta, mas poucos têm a habilidade para fazer disso uma atividade realmente lucrativa. Para Claudia Brito, no entanto, desde 2002 vem ocorrendo um fenômeno que está mudando o perfil do produtor. "Os grandes estão engolindo os pequenos e há fornecedores que faturam por ano R$ 1 milhão."
Diferença de mentalidade
No Maranhão, a maioria das siderúrgicas conta com mais de 80% de fornecedores fixos, passíveis de fiscalização por parte das empresas ou do Instituto Carvão Cidadão. Já no Pará a porcentagem fica bem abaixo. Para se ter uma idéia, cerca de 80% do carvão nativo é ilegal. Também é desse estado o maior número de problemas trabalhistas com os produtores de carvão. Segundo o presidente da Associação das Siderúrgicas de Carajás (Asica), André Câncio, "tudo é recente no Pará. Os últimos cinco anos de crescimento foram lá. O estado não está afetado por esse compromisso de mudança que foi construído no Maranhão, que recebeu fiscalizações, pressão governamental".
Dois marcos de destacam nessa mudança de postura das siderúrgicas do Maranhão: em 1999, o Termo de Ajustamento de Conduta assinado no estado, entre o Ministério Público do Trabalho e as siderúrgicas; e, em 2004, a assinatura da Carta-Compromisso.
Cláudia Brito considera que, com a criação do Instituto, em 2004, está havendo diálogo entre as siderúrgicas, que estão interessadas em resolver essa questão. André Câncio afirma que existe nas siderúrgicas e carvoarias uma demanda por padronização de procedimentos, que contribuiria para a melhoria nas condições de trabalho do setor. As conclusões do estudo sugerem que a questão, complexa, só será resolvida com maior articulação entre todos os atores sociais envolvidos no setor – incluindo empresas, sindicatos e órgãos públicos.