O grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) concluiu, nesta quarta-feira (3), a operação de resgate de 27 trabalhadores que se encontravam em condições análogas à escravidão. Entre os libertados estavam três adolescentes menores de 18 anos. A ação ocorreu na fazenda Areia, localizada no município de Recursolândia – TO, a cerca de 200km a nordeste de Palmas, capital do estado.
Os trabalhadores vinham de dois municípios tocantinenses, Goiatins e Campos-Lindos, e de Parnarama, no Maranhão. Eles receberam, no total, cerca de R$ 60 mil referentes a rescisões de contrato e remunerações sonegadas, e mais R$ 40 mil a título de reparação por danos morais individuais por conta do sofrimento a que foram submetidos durante os seis meses em que estiveram retidos na propriedade.
Como o proprietário da fazenda não foi encontrado, todas as negociações foram realizadas com Epaminondas Ferreira dos Santos, procurador do arrendatário das terras, Valdir Bastos Rios, conhecido na região como "Valdir da Mabel".
Na fazenda, de 13.500 hectares, os trabalhadores realizavam o roço da juquira – limpeza de pastos para a pecuária. Sem receber a remuneração devida e sem carteira assinada, eles dormiam em acampamentos improvisados, afastados da sede da fazenda e sem acesso à água. A alimentação era cobrada, e preparada sem condições mínimas de higiene.
No início do mês, alguns trabalhadores da fazenda conseguiram fazer chegar ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de uma cidade próxima um bilhete pedindo socorro. Nele, diziam que não agüentariam muito tempo, especialmente pela falta d'água. Também reclamavam dos preços abusivos da cantina da fazenda, onde eram vendidos alimentos e ferramentas de trabalho.
No momento da chegada dos fiscais, a cozinheira da fazenda teve uma crise nervosa ao receber, através de membros da ação, a notícia da morte de sua mãe. Ela tivera um presságio sobre o falecimento no início do ano, mas era impedida de sair da fazenda para buscar informações.
Enganação tecnológica
Uma das táticas utilizadas para endividar os trabalhadores era subdimensionar o tamanho das áreas roçadas. Como a região tem relevo acentuado, a medida feita por corda, tradicionalmente utilizada, apresenta grande diferença do cálculo feito por GPS, que não considera o relevo, resultando em um número menor.
Os empregadores utilizavam o aparelho eletrônico e, por isso, o pagamento acabava sempre sendo inferior ao que os trabalhadores esperavam. Endividados na cantina da fazenda, eram obrigados a continuar trabalhando para pagar a diferença.
Além de cinco auditores do MTE, coordenados por Diana Bernardes Rocha, participaram da ação quatro policiais federais e um procurador do Ministério Público do Trabalho.
Tristes números
Em julho de 2005, em operação semelhante, 16 trabalhadores foram resgatados da mesma fazenda. Na época, o responsável pelos trabalhadores era Marcos Moura da Silva, então proprietário.
Com a nova libertação, chega a 14 o número de operações de resgate de escravos realizadas no Tocantins desde janeiro de 2006. No total, já foram libertados 495 trabalhadores escravizados no estado. O número já supera o de 2005 (318 libertados em 28 fiscalizações) e 2003 (462 libertados) e está perto do número recorde alcançado em 2004 (541 libertados em 23 fiscalizações).
Nos últimos 3 anos, o Tocantins tem disputado com o Mato Grosso o segundo lugar entre os maiores estados escravagistas do Brasil, logo atrás do Pará. Na última edição da "lista suja" do trabalho escravo, divulgada esta semana pelo Ministério do Trabalho, o Tocantins tem 28 proprietários, o segundo maior número. Entre os nomes listados aparecem figuras conhecidas na região, como o senador João Ribeiro (PL-TO), Joaquim Faria Daflon (com 3 menções), Carlos Patrocínio, Nivaldo Barbosa, e a empresa TOBASA.
Com exceção de dois plantadores de soja (Iakov Kalungi em Campos-Lindos, e Ronei Salvadori, em Presidente Kennedy), um produtor de carvão para a siderurgia (SIMASA) e outro de álcool de babaçu (TOBASA), todos pertencem ao ramo da pecuária, e a maioria se encontra na parte norte do Estado.
Prevenção e combate
É justamente no norte de Tocantins que, de 25 a 27 de agosto, a cidade de Araguaína acolherá o 2° Seminário Estadual de Combate ao Trabalho Escravo, uma iniciativa da Comissão de Direitos Humanos e da Comissão Pastoral da Terra (CPT). O seminário O Tocantins contra o Trabalho Escravo fará o primeiro balanço da execução do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo no estado e a definição das novas medidas necessárias para conter o alastramento do trabalho degradante.
O evento contará com a participação de especialistas do tema, entre eles alguns membros da Conatrae (Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo): Leonardo Sakamoto (Repórter Brasil), João Bosco e Humberto Célio (Delegacia Regional do Trabalho e Grupo Móvel), Sandro Araújo (Ministério Público do Trabalho), Patrícia Audi (Organização Internacional do Trabalho) e Carlos Kaipper (Ministério do Desenvolvimento Agrário), além de representantes de várias entidades da região comprometidas com essa luta.
Além do seminário, estão sendo organizadas no país inteiro, e até no exterior, várias mobilizações cobrando dos políticos em campanha uma postura clara em relação ao combate ao trabalho escravo: a operação Carta a Lula, organizada pela CPT (são milhares de cartas, em 6 línguas, dirigidas ao predidente da República); a proposta de assinatura do Termo de Compromisso dos Candidatos contra o Trabalho Escravo (já assinado por 17 candidatos do Tocantins) e o Placar nacional dos Prós e Contra a Escravidão, organizado pela Conatrae (lista dos parlamentares que votam contra ou a favor da proposta de confisco das terras escravagistas).
* Xavier Plassat é frei dominicano e membro da coordenação nacional da Campanha de Combate ao Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra