José Bezerra perdeu seis filhos por causa da seca |
Maria deu à luz sob o olhar insuspeito de uma vaca e um jegue – figurante sempre presente nessas ocasiões há quase dois mil anos. José acompanhava a cena de perto, amparado pelas paredes de barro e um cigarro de palha. A fumaça esbranquiçada fugia pela porta e fundia-se à paisagem queimada de sol. A pele do bebê à lavoura, que morreu ainda no pé por carência d`água. Mal presságio. Ao contrário da outra criança – do outro José com a outra Maria – não recebeu reis, muito menos presentes. Contudo, para ambos o destino deu-se logo a conhecer.
Os anos se passaram e ela cismou em ficar do mesmo tamanho. Talvez por causa da água e da comida. Ou da falta de ambos. Certo mesmo é que adoeceu. O pai, desesperado, correu de um lado para o outro e levou-a para se tratar. Diarréia, disenteria, olhar longo, profundo, perdido. Os doutores fizeram o que podiam e mandaram-na de volta para casa. Naquela tarde, rastejou pelo chão da sala, agonizando. Maria avisou ao marido que a criança estava indo embora. Mas sabiam que de nada adiantaria, pois há tempos a fome vinha comendo-a por dentro. Então, José, resignado, foi à cidade fazer a única coisa que estava ao seu alcance: pedir uma caixão emprestado. Quando voltou, a filha já estava morta.
Essa cena se repetiria mais cinco vezes na vida da família Bezerra. Assim como eles, muitos Josés e muitas Marias têm enterrado a fome de seus filhos pelo nordeste brasileiro, castigado com uma das piores secas das últimas décadas. Essa história tem sido uma constante nos últimos anos no município de São José da Tapera, sertão das Alagoas.
No ano passado, a Organização das Nações Unidas divulgou o ranking do Índice de Desenvolvimento Humano, o IDH, de quase cinco mil municípios do país. São José aparece em último lugar, com uma taxa de mortalidade infantil de 147,94 mortes por 1000 nascidos. Para se ter uma idéia do que é isso, Angola, país há quase 25 anos em guerra civil, coberto por nove milhões de minas terrestres e que foi recentemente considerado pela ONU o pior lugar para uma criança viver em todo o mundo, apresenta uma taxa de 170 para mil.
Quem visita o centro urbano de São José da Tapera não imagina que essa é uma das cidades mais pobres do Brasil. Banco, farmácias, mercados, feira livre. Uma bela praça, parque infantil, lanchonete. Porém, lá vivem menos de 20% dos quase 30 mil moradores. O resto está espalhado em aproximadamente 60 povoados, neste que é o segundo maior município do estado. A família Bezerra mora em um desses vilarejos, Furnas. Na verdade, um amontoado de pequenos sítios onde dezenas de casas de taipa e madeira salpicam a paisagem, habitadas por alguns barbeiros e muitas pessoas.
O único braço de água que atravessa Furnas e região chama-se Riacho Grande: largo, sinuoso, longo… e seco. Assim como em todo o sertão, um rio temporário que existe quando há chuvas, ou seja, quase nunca. A maioria das comunidades não dispõe de poços artesianos e são obrigadas a cavar cacimbas no leito seco para conseguir alguma coisa. Por azar, devido a depósitos minerais, a água, barrenta, sai salobra da terra.
Até pouco tempo atrás, essa água era utilizada para beber, lavar roupa, fazer comida e alimentar o gado. Problemas de saúde era o que não faltava, principalmente entre as crianças, com o organismo já fraco devido à fome. Em esquema de emergência, o Exército junto às autoridades locais têm levado caminhões-pipa aos locais mais atingidos pela seca. No Estado de Pernambuco, trens partem carregados de água em direção ao interior para tentar suavizar a situação.
A Visão Mundial, entidade internacional de assistência, construiu 35 cisternas na região, reservatórios de alvenaria com capacidade para 10 mil litros. Várias famílias têm então que se virar com essa quantidade por meses a fio até que o próximo carregamento chegue. Teodoro Félix da Costa e sua mulher Maria Rita foram os primeiros a receber a cisterna em sua comunidade. "Eu buscava água salgada até três meses atrás. Criança já chegou a morrer por causa dela". E ele sabe de perto o que é isso, uma vez que perdeu quatro filhos – todos com menos de um ano de idade.
Porém, essa água não é suficiente para a agricultura, quase que de forma exclusiva dedicada à subsistência. O céu ainda é a única fonte de irrigação para essa gente. Em junho, chamado por lá de "mês de São João", choveu um pouco, esverdeando a paisagem. Plantações foram feitas, esperando que a água continuasse. Infelizmente, não continuou e boa parte da colheita ficou comprometida. Os produtos mais cultivados são o feijão e o milho. Cena comum são os milharais que permaneceram baixinhos, espigas nanicas ainda em fase de crescimento. Quem conseguiu tirar algo do roçado, por pouco que seja, está satisfeito. Há famílias que perderam tudo e agora esperam a divina providência ou a ajuda do governo.
Maria Aparecida com os filhos desnutridos |
Maria Aparecida Corrêa e seu marido Adeído são um exemplo. Os dois e mais sete filhos dividem uma casa de um só cômodo com uma só cama, feita de pau-a-pique. A cozinha se resume a uns tijolos no lado de fora da casa. E nem precisaria de muito mais, pois o feijão, dieta única, é pouco. Quase todas as famílias comem feijão no almoço, feijão no jantar e caldo de feijão no café da manhã. Quando conseguem, colocam uma carne e uma farinha. Mas, em alguns lares como o de Maria Aparecida, mesmo o feijão três vezes por dia é raridade. Um bom indicador são os filhos. O menor, de um ano, está com cinco quilos de peso. A desnutrição também ataca a outra filha do casal, com dois anos, olhos fundos, cabeça grande, bracinhos finos.
Com o roçado perdido, Adeído está atrás de serviço. Emprego não há, tanto no comércio do centro urbano quanto na prefeitura, que já emprega muito mais gente do que poderia. De vez em quando, abre uma vaga para trabalhar em alguma fazenda, como a Jequiá, cortando palma (uma espécie de cacto que serve de ração para o gado), fazendo cerca, processando palha de milho. "Só que eles pagam três contos secos (R$ 3,00) por um dia inteiro de serviço e os patrões não dão nem a água para beber. E no final do dia,
você fica tossindo pó", reclama José Bezerra. Adeído estava disposto e bem que tentou, mas ainda não havia conseguido vaga para ganhar os três contos secos.
Como em "Morte e Vida Severina", de João Cabral de Mello Neto, há muitas Marias. Boa parte, afilhadas também de Maria, também mulher de José, porém com um filho famoso que não morreu de desnutrição. O marido da irmã de Maria Aparecida, Maria de Lurdes, está trabalhando em um desses bicos. Enquanto Antônio passa o dia fora, ela fica em casa cuidando dos oito filhos. Bem, eram nove até meados de agosto quando o caçula morreu. Magro, com as costelas tentando sair para fora da pele. Talvez se o pseudo-emprego tivesse chegado antes a história teria sido diferente.
A história também poderia ter sido diferente se as cestas básicas distribuídas pelo governo federal não tivessem sofrido um atraso em todo o país. Da mesma forma, a verba destinada às frentes de trabalho não aparecem em São José da Tapera há muito tempo. De acordo com Antônio Benedito Júlio, dono de um sítio e um dos beneficiados, o valor do auxílio caiu de R$ 80,00/mês para R$ 65,00/mês- metade um salário mínimo. Famílias com 10, 12 pessoas que conseguiram ter apenas um membro inscrito têm que fazer mágica e se virar com isso. De acordo com a prefeitura, em 1983 havia 11 mil nas frentes de trabalho. Hoje, esse número foi reduzido para 2 mil. Os moradores da zona rural arranjaram um apelido para essa ajuda econômica, "magnu, pois com ele e você fica magro ou você fica nu".
Maria de Lurdes: a hipertensão é comum na região |
Outro problema que Maria de Lurdes enfrenta é o coração. "O médico do posto de saúde me disse que, se eu tiver outro filho, eu posso morrer." Problemas cardíacos ocasionados por má alimentação, além de estresse e hipertensão são freqüentes. E de quebra, a doença de Chagas que muitos possuem e nem sabem. Barbeiros costumam sair meio dia das tocas, principalmente em dias quentes, e transmitir o Trypanosoma Cruzi. Lurdes espera na fila para ir a Maceió e fazer a cirurgia em um hospital do Sistema Único de Saúde.
Contudo, a situação da saúde nessa região do sertão nordestino conheceu uma melhora considerável nos últimos cinco anos, desde a implantação do Agente Comunitário de Saúde. O programa, com verba de Brasília e sem nenhum vínculo político, recruta moradores locais, que recebem treinamento, e visitam regularmente todas as famílias. As crianças são atendidas desde o pré-natal até a adolescência, com vacinação completa e algum controle de alimentação. A multimistura, um complemento alimentar com proteínas, vitaminas, cálcio e sais minerais tem sido distribuído à população para tratar de casos de desnutrição.
Os resultados são animadores. De acordo com Ivete de Barros, professora aposentada e, hoje, agente de saúde, a mortalidade infantil diminuiu desde o começo das visitas. Ainda de acordo com ela, vários vilarejos já não possuem mais casos de desnutrição crônica – aquela que leva à morte. Crianças são pesadas regularmente, tratadas com complemento alimentar e encaminhadas para o posto de saúde quando necessário. O agente trabalha em conjunto com os médicos do Plano de Saúde Federal e com a Pastoral da Criança da Igreja Católica. Trabalham em cooperação às esferas federal, estadual e municipal – fato raro em se tratando da República Federativa do Brasil.
A agente de saúde Ivete de Barros acompanha regularmente o peso das crianças |
Nos últimos quatro anos, a mortalidade infantil caiu 30% nos municípios mais pobres do país. A prefeita de São José da Tapera, Edineuza Ricardo, garante que a taxa de 148 para mil, indicada pela ONU, despencou e agora fechou 1998 em 100 para mil. Mesmo assim, bem acima dos 42 da média nacional.
O agente de saúde acaba sendo também um agente de cidadania. Ele entra na vida de cada família, estabelece uma relação de amizade e confiança. Conscientiza a população de seus direitos e deveres, de que pode cobrar soluções ou ir em busca dessas soluções. Noções de saneamento básico, como filtrar ou ferver a água antes de utilizá-la, ou de planejamento familiar vêm se tornando a cada dia parte integrante do universo dessas pessoas.
O planejamento é quase inexistente. Encontra-se famílias com 11, 12 filhos. A própria Ivete teve 15. O problema é que o crescimento do número de bocas não vem acompanhado de um crescimento da renda da casa, e sim de um aumento da fome.
Boa parte das mulheres de São José da Tapera já conhecem métodos contraceptivos, orientadas médicas e enfermeiras. Mas a desinformação e o preconceito ainda são grandes, desde casos menores, como a que engravidou por achar que a pílula anticoncepcional deveria ser tomada dia sim, dia não, até a recusa dos maridos em usar preservativos.
Devido à fé do sertanejo, a dicotomia religião versus controle da natalidade transforma-se em um desafio a qualquer projeto que tente mudar o cenário. Por estarem atreladas à Pastoral da Criança, algumas agentes de saúde não estão autorizadas a ensinar outros métodos além do da tabelinha, endossada pelo Vaticano. O padre da cidade, durante o sermão na missa, condena o uso de preservativos, pílula anticoncepcional e a vasectomia ou a ligadura de trompas.
Mesmo assim, muitas mulheres passam por cima do pecado e, arriscando a salvação eterna, querem passar pela operação de esterilização.
Jeíusa Pereira dos Santos é uma delas. Tem 29 anos de idade. Mas bem que poderia ter 45, visto as marcas de um tempo que foi mais severo com ela do que com outras pessoas. Tem também oito filhos (um deles desnutrido), outro no ventre – que deve ter nascido em setembro – e um par de gêmeos que morreu. Porém, seu marido é contra e a ameaça para que ela não leve a idéia da cirurgia em frente.
Às vezes ele consegue um bico de apanhar feno em alguma fazenda do Sítio Antas, povoado em que moram. Porém, a renda da família vem basicamente da fabricação e venda de vassouras de palha de coco aricuri. Andam vários quilômetros sob o sol escaldante para buscar a matéria-prima na mata. Dedicam uma semana inteira
na produção de 100 unidades, que depois vendem por R$ 15,00.
A família de Jeíusa é uma das mais pobres de toda São José da Tapera. Durante três anos, viveram em um barraco feito com palha e madeira. Pequeno, com aproximadamente dez metros quadrados, com uma cama de palha que servia de descanso para todo mundo. Quando aparecia uma chuva, motivo de alegria para todo o sertão, era um sofrimento. "Ela entrava por toda a parte e caía cima de mim, dos meninos", lembra-se com água nos olhos.
Jeíusa e o marido: álcool como válvula de escape |
Por causa da situação de sua família e do sentimento de incapacidade diante da dor dos filhos, o marido de Jeíusa entrega-se à bebida. Sem ter o que fazer, abraça a garrafa de cachaça, sentado embaixo de uma árvore. Quando o álcool sobe à cabeça, briga com a mulher e os filhos. Já chegou a tentar derrubar a casa que a prefeitura construiu para eles em substituição da palhoça. No dia em que esta reportagem visitou a família, encontrou um de seus filhos desmaiado em meio a moscas, estirado no chão da casa. Ele havia pedido o que o pai estava tomando e entornou pinga. Com estômago vazio.
Como Jeíusa, a maioria da população tem título de eleitor e carteira de identidade – exatamente nessa ordem de importância. A região nordeste é famosa por ter seu povo oprimido e explorado por coronéis, grandes latifundiários que utilizam mão-de-obra quase escrava em seus domínios, mantendo através da violência seu poder e o status quo. Até pouco tempo atrás, São José da Tapera e cidades vizinhas eram dominadas pela família Maia. A população reluta ainda em falar abertamente no assunto, mas o curral eleitoral estava estampado em cada esquina, nos muros pichados com propaganda. Do tio ao primo, da cunhada ao genro. A situação começou a mudar de uns tempos para cá quando Ênio Ricado Gomes, marido da atual prefeita e sem vínculo com os Maia, venceu as eleições municipais. Pouco tempo depois, foi assassinado misteriosamente. Edineuza então resolveu se candidatar para dar continuidade ao trabalho do marido e venceu.
E o mais interessante é que muito poucos sabem escrever além do próprio nome, lembrado apenas nos dias de votação, e de ler o nome dos candidatos, estampado nas urnas eletrônicas. O analfabetismo é grande entre os adultos.
A casa de Jeíusa não tem um móvel sequer. "Não quero mesa, não quero cama, quero trabalho." Apesar de haver acomodados que estão a espera da comida cair do céu, a maioria das pessoas de todo o sertão quer emprego e principalmente quer poder trabalhar na sua roça, cultivar a sua terra.
Alguns pedem indústrias na região. Algo difícil, haja visto que, apesar da mão-de-obra barata e de possíveis subsídios e facilidade dos governos, a região possui baixo poder aquisitivo. A inexistência de um mercado consumidor e a distância até os grandes centros urbanos é um balde de água fria nos planos de um possível investidor. A indústria mais próxima é ligada às plantações de fumo da região de Arapiraca (AL), cidade já tradicional nesse ramo.
A solução para São José da Tapera parece ser a agricultura irrigável. As condições de clima e solo do semi-árido brasileiro são ideais principalmente para o plantio de frutas. As altas temperaturas e o sol o ano inteiro proporcionam o surgimento de frutas bem mais doces do que as produzidas no Centro-Sul.
E não está se falando apenas de frutas típicas da região, como umbu, cajá, cacau, caju. Manga, melancia, acerola, maracujá, melão, laranja, uva. Os vinhos produzidos no Nordeste já começam a rivalizar em qualidade com os das parreiras gaúchas. Também no sertão, em Juazeiro (BA), o tomate é cultivado pela empresa Cica para a produção de popa, molhos e catchup devido às boas condições de plantio. Boa parte da produção é exportada, gerando empregos e divisas.
O rio São Francisco na altura da cidade de Pão de Açúcar |
Pode-se dizer: "mas Juazeiro está às margens do São Franscisco, um dos maiores rios brasileiros". Acontece que São José da Tapera fica a apenas 20 quilômetros do Velho Chico, em um trecho em que ele tem 300 metros de largura.
A contradição, de tão grande, parece surreal. Enquanto as plantações secam, o gado padece de sede e crianças morrem desidratadas, a poucos minutos dali na cidade de Pão de Açúcar, turistas de vários lugares brincam e se divertem em uma praia natural na beira do rio. É desse trecho que a água é captada e enviada por tubos para os centros urbanos de municípios da região. E é nesse trecho que os caminhões-pipa abastecem as caçambas para distribuir água aos povoados carentes. Esse vai e vem é necessário, porém paliativo.
"O político acha bom a seca,pois enche um caminhão de água e sai ganhando voto", afirma José Vinícius Rodrigues, presidente da Associação Comunitária dos Moradores do Sítio Furnas. "Só o dinheiro que o governo gasta com caminhões dava para irrigar esse sertão", desabafa José Bezerra.
Bem, exageros a parte, José não está muito longe da verdade. O projeto para a transposição das águas do São Francisco, que beneficiaria milhões de nordestinos, custaria aproximadamente R$ 700 milhões aos cofres públicos. Uma ninharia levando em conta seu custo – benefício. Captando apenas 3% da água da Barragem de Sobradinho – a maior do país -, o projeto prevê a construção de canais artificiais para abastecer os rios temporários que correm fantasmas pelo sertão além de diques e açudes.
O projeto geraria empregos e criaria estruturas para a região se desenvolver por conta própria, sem depender do assistencialismo do Sul-Sudeste ou das esmolas dos coronéis do Nordeste. E seria uma bela facada nas costas da indústria da seca, vide como alguns políticos chiam ao se mencionar a transposição.
Não significa, porém, que a água vai acabar com a pobreza e transformar o sertão em uma França do dia para a noite. Porém, esse é um grande passo a ser dado se o Brasil quiser reduzir o enorme degrau da desigualdade social. A capacitação da população seria o próximo passo assim como o financiamento para o plantio e a produç
ão. Reduziria o êxodo rural – que, apesar de menor, ainda existe em direção aos centros urbanos, como ainda há moradores das taipas de Alagoas fugindo para as favelas São Paulo. E isso, óbvio, passaria por uma mudança na forma de pensar o país.
Cristo Redentor da cidade de Pão de Açúcar |
A solução para São José está mais próxima ainda, uma vez que 20 quilômetros de tubulação não são muita coisa. A vizinha Pão de Açúcar já planta melões irrigados. E o mesmo se aplicaria às cidades vizinhas que vivem a mesma condição surreal. A prefeitura tem um projeto de desviar água de uma adutora já existente para o vilarejo de Antas para tentar o plantio irrigado de tomate e quiabo. Custaria a gigantesca cifra de R$ 8 mil.
De acordo com José Carlos Libânio, um dos responsáveis pela divulgação do ranking do IDH brasileiro, uma nova listagem depende do censo do IBGE, que será realizado no país no ano que vem. Talvez, até lá, São José da Tapera já tenha perdido o posto do lugar mais pobre do país. Ou talvez Tapera nunca tenha sido mesmo o local mais pobre do país e sim alguma cidadezinha escondida nas areias do sertão. É quase impossível quantificar a dor e o abandono.
Contudo, a triste colocação serve para trazer à luz do sol a miséria escondida nas sombras do sertão nordestino. As histórias dos sofrimentos de Josés e Marias vivificam o problema, transformam números, gráficos e dados estatísticos em rostos, sonhos e lágrimas. Traduz a distante expressão "mortalidade infantil", na forma dos cinco filhos de Maria Bezerra, dos gêmeos de Jeíusa, dos quatro de Maria Rita, do caçula de Maria de Lurdes…
Filhos de Jeíusa no povoado de Antas |
O Índice de Desenvolvimento Humano
Criado em 1960, o IDH é uma espécie de termômetro usado pelas Nações Unidas para avaliar as condições de vida em todos os países membros da organização. Em um ranking, recebem notas de zero a 1 de acordo com o seu grau de desenvolvimento em três áreas: educação, renda per capita e expectativa de vida. É importante ressaltar que o índice não cria uma hierarquia entre modos de viver diferentes, mas classifica países e cidades de acordo com a qualidade de vida que oferecem aos seus habitantes.
O Brasil é o 79º da lista, em posição considerada de médio desenvolvimento. A primeira posição fica com o Canadá. Em comparação com as últimas quatro décadas, o índice aponta uma melhoria na qualidade de vida do brasileiro, devido principalmente à alfabetização e à redução da mortalidade infantil. O Nordeste é um dos lugares onde essa redução foi mais marcante.
Um levantamento divulgado no ano passado, aponta uma lista das cidades brasileiras utilizando-se o mesmo método do ranking internacional. São José da Tapera aparece em último lugar, com renda familiar per capita de 0,19 salário mínimo. Em contrapartida, Feliz, no Rio Grande do Sul, foi considerada a melhor cidade do país, com 99,6% de suas moradias duráveis e uma esperança de vida em 72,59 anos.
São José da Tapera, Setembro de 1999