Vitória do PT não é festejada em debate de dívida

Palestrantes evitam elogiar presidente, que prometeu honrar os compromissos internacionais
Especial para o Repórter Brasil
 24/01/2003

“Cancele a dívida agora.” A mensagem contida em uma faixa amarela de dez metros de largura estendida no palco, à frente dos palestrantes, era mais que o consenso dos palestrantes do primeiro evento sobre economia do 3º FSM. Era também um apelo para que os participantes do Fórum pressionem os políticos para romper com o sistema financeiro internacional, já que nem mesmo os governantes de esquerda acenam com o cancelamento da dívida.

Destoando do clima do Fórum, simpático a Luiz Inácio Lula da Silva, os palestrantes não comemoraram a vitória do petista, que recentemente selou acordo com o Fundo Monetário Internacional. Mesmo assim, os especialistas de quatro continentes reunidos no painel “Resgatando a soberania econômica através do cancelamento das dívidas e do controle de capitais” caracterizaram a dívida como “crime”, “ataque aos direitos humanos” e “formação de um estoque de segurança para a jogatina internacional”. Todos destacaram a importância do esclarecimento público e a mobilização popular para dar visibilidade à questão.

Luís Fernando Garzon, membro da Ação pela Tributação das Transações Financeiras em Apoio aos Cidadãos (Attac), mostrou-se o mais extremista. Discursando de maneira enérgica, disse que “se houvesse uma auditoria isenta, que lesse todos os contratos, concluiriam que o dinheiro deveria ser devolvido aos países endividados.”

Já o historiador Eric Toussaint, do Comitê para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo, fez uma proposta, que ele mesmo considerou “radical e difícil”. Além do cancelamento da dívida externa, ele defende o controle sobre movimentação de capitais, o controle cambial, o fortalecimento dos blocos regionais e a quebra do sigilo bancário para taxar o patrimônio dos 10% mais ricos da população.

A platéia só se agitou quando Beverly Keene, da organização não-governamental que coordenou um Tribunal Popular e Ético da Dívida Externa na Argentina, começou seu discurso: “A dívida tem que ser paga.” E depois de uma breve pausa: “Mas qual dívida?” Outra pausa. “A dívida secular de todos que estão sofrendo e que vão continuar sofrendo. Perto dela, a dívida financeira é seguramente ínfima.” Keene lembrou também que os governos militares na Argentina obrigaram as estatais a sacar dinheiro em bancos internacionais. E na década de 90, o endividamento foi um dos argumentos mais usados a favor da privatização dessas empresas. Este é um dos motivos para se colocar a legitimidade da dívida em discussão.

O senegalês Demba Dembele, da mesma entidade de Keene, disse que os países mais pobres da África pretendem protestar conjuntamente contra o pagamento da dívida externa, que, nestes países, consumiu quatro vezes mais dinheiro que o investido em educação e saúde ao longo da década de 80. Para lembrar “a dívida que temos com nossas crianças”, ele disse que protestos ocorrerão em 16 de junho, em memória dos jovens mortos durante o apartheid na África do Sul.

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