Paulo Vannuchi (ao centro) pediu apoio ao governo de Tocantins para a aprovação da "PEC do Trabalho escravo" |
Palmas e Araguaína – O governo do Tocantins comprometeu-se a lançar, até o final do ano, um plano para erradicar o trabalho escravo no estado. A decisão foi tomada durante uma reunião especial itinerante da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), realizada no palácio do governo, na capital Palmas, na manhã desta segunda-feira (11).
Aberto ao público, o encontro foi presidido pelo ministro-chefe da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, e contou com a participação de secretários estaduais de governo, representantes de entidades da sociedade civil, além dos membros da Conatrae. O governador Marcelo Miranda (PMDB), candidato à reeleição, foi a grande ausência da reunião (agendada desde o dia 07 de agosto) devido a um "imprevisto" ocorrido.
Vannuchi solicitou o apoio do governo do Tocantins para a aprovação da proposta de emenda constitucional que prevê o confisco das terras em que trabalho escravo for encontrado – que tramita na Câmara dos Deputados há 11 anos. O ministro afirmou que se houver união em torno do tema, em quatro ou cinco anos o trabalho escravo se tornará um problema residual e não algo que afete a vida de dezenas de milhares de pessoas no país como é hoje.
Nessa mesma linha, o secretário-executivo do Ministério do Trabalho e Emprego, Marco Antônio de Oliveira, explicou que "é difícil imaginar um esforço de combate ao trabalho escravo centrado exclusivamente em Brasília". Em sua opinião, a reunião itinerante da Conatrae contribui, apoiando iniciativas e incentivando o debate, no desenvolvimento de atividades por outros atores. "Há uma necessidade de uma ação contundente do governo local, aliado ao governo federal para erradicar o trabalho escravo."
O secretário estadual de Justiça e Cidadania do Tocantins Télio Leão Ayres reconheceu perante os membros da Conatrae que o estado tem problemas na área da efetivação dos direitos humanos. "Temos consciência de que essa crueldade [trabalho escravo] ainda persiste em nosso meio rural."
Ayres fez um discurso que não parecia o de um secretário de um estado que está em segundo lugar no ranking nacional de denúncias de trabalho escravo (desde 2004), além de ter sido o terceiro colocado no número de trabalhadores libertados no ano passado, com 848 pessoas. Na última atualização da "lista suja" do trabalho escravo (que mostra os comprovadamente flagrados utilizando esse tipo de mão-de-obra), o Tocantins aparece em segundo lugar em número de fazendas relacionadas (28). O governo do estado, segundo o secretário de Justiça, disponibilizou "toda a estrutura de governo do Tocantins" à serviço da Conatrae. Ayres gastou boa parte de sua fala lembrando de parcerias com o governo Lula e das ações sociais que teriam sido realizadas pela atual administração estadual.
O encontro com a Conatrae acontece duas semanas após a Assembléia Legislativa do Tocantins aprovar uma lei que veda a contratação de empresas que utilizem trabalho escravo ou comercializem mercadorias produzidas através dele. O governo do estado prometeu sancionar a lei ainda na segunda-feira (11).
Mudança de papel
O frei Xavier Plassat, da coordenação nacional da Comissão Pastoral da Terra para o combate ao trabalho escravo, representando a sociedade civil, fez uma extensa exposição mostrando que o governo do estado não tem conseguido garantir diginidade aos trabalhadores rurais. De acordo com estatísticas da CPT, o Tocantins deixou de ser um estado fornecedor de mão-de-obra para se tornar um dos principais locais de libertação de trabalhadores. Xavier criticou a expansão do agronegócio no estado, relacionando a produção de commodities para o mercado interno e externo ao aumento do trabalho escravo, principalmente em atividades como a pecuária e a produção de soja e de carvão vegetal para o aço.
Lembrou que defensores dos direitos humanos têm sido vítimas de ameaças de morte no estado (ele mesmo já foi jurado de morte) e que importantes expoentes da bancada do Tocantins, tanto na Câmara dos Deputados como no Senado, têm dificultado a erradicação do trabalho escravo. O senador João Ribeiro (PL) está na "lista suja" por causa de uma fazenda no Pará e a deputada federal Kátia Abreu (PFL), candidata ao Senado, foi uma das principais opositoras ao projeto que prevê o confisco de terras em que trabalho escravo for encontrado. Dentre as propostas de Plassat para a erradicação desse crime no estado está uma reforma agrária sustentável, com a geração de alternativas reais de emprego e renda para a população. O documento-base de seu discurso pode ser lido abaixo ou clicando aqui.
Além da promessa da produção do Plano, o governo do Tocantins propôs uma parceria para a ampliação do projeto "Escravo, nem Pensar!", desenvolvido por entidades da Conatrae e organizado pela ONG Repórter Brasil, para os professores que atuam em áreas rurais do estado.
Representantes da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Tocantins, presentes no evento, pediram mudanças (leia-se "flexibilização") nas leis trabalhistas para melhorar a produção e desenvolver o campo. José Nilton Pandelot, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) reclamou de que quando há um problema com a efetivação da lei queira-se alterar essa lei. "Não devemos pensar que vamos acabar com o trabalho escravo e melhorar a vida dos trabalhadores se precarizarmos as condições de trabalho."
Araguaína
Na reunião de Araguaína (TO), a Conatrae ouviu denúncias de ameaças aos trabalhadores da região |
Após a reunião em Palmas, os membros da Conatrae seguiram para Araguaína, na região Norte do estado, para um encontro no escritório da Comissão Pastoral da Terra. O objetivo foi apoiar as atividades realizadas pelas entidades da sociedade civil em prol do combate à escravidão, que vem sendo ameaçadas por setores do agronegócio. Vale lembrar que a região é um dos principais focos de aliciam
ento e libertação de trabalhadores.
A comissão, que já realizou reuniões itinerantes em Imperatriz e Açailândia (MA) e Cuiabá (MT), ouviu denúncias de trabalho escravo, violência contra trabalhadores rurais e populações indígenas, crimes contra o meio ambiente e de grilagem de terra.
O ministro Vannuchi prometeu que encaminharia as denúncias. Reafirmou o apoio do governo federal à ação dos movimentos sociais e disse que o dia 11 de setembro poderia marcar o início de uma nova fase no combate ao trabalho no estado com o comprometimento do governo estadual.
Leia na íntegra o discurso de Xavier Plassat, da CPT, na reunião da Conatrae
Colaborou Iberê Thenório