Brasil avança na fiscalização, mas não pune nem 10% dos casos de trabalho escravo

 28/01/2012

Embora tenha intensificado a fiscalização nos últimos anos, o Brasil chega a este sábado (28), data em que é celebrado o Dia Nacional do Combate ao Trabalho Escravo, ainda com dificuldades para criminalizar quem submete seus funcionários a condições desumanas de vida.

De todos os casos de trabalho escravo já flagrados no país, não mais que 10% resultaram em punições na área penal, segundo Xavier Plassat, coordenador da Campanha contra o Trabalho Escravo da CPT (Comissão Pastoral da Terra).

– O que nos tem deixado frustrados até agora é a insuficiência gritante do processamento de crime de trabalho escravo na esfera penal. Podemos dizer que quase todos os casos têm sido processados na esfera trabalhista. Não há nem 60 condenações penais. Se compararmos com o número de fazendeiros flagrados [explorando trabalhadores em condições análogas à escravidão], isso não representa nem 5%. No máximo foram 10% de todos os casos.

O avanço do país na fiscalização do trabalho escravo é demonstrado pelo crescimento da "lista suja" de empregadores que são flagrados pelo Ministério do Trabalho explorando mão de obra. No ano passado, essa relação ganhou 52 nomes, atingindo o número recorde de 294 infratores.

Entre janeiro e dezembro de 2011, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, órgão do Ministério do Trabalho que checa as denúncias, realizou 158 operações e resgatou 2.271 pessoas encontradas em situação degradante de trabalho. Além disso, foram pagos mais de R$ 5,4 milhões em indenizações trabalhistas e inspecionados 320 estabelecimentos. Os dados são da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo.

Entre 1995 e 2011, já foram resgatados 41.451 trabalhadores em todo o país, em 1.240 operações realizadas. Para Plassat, estes números fazem com que o Brasil passe uma boa impressão para o resto do mundo, pois existem nações que sequer reconhecem a existência da prática de trabalho escravo. No entanto, diz ele, ainda é ruim para o país o baixo número de condenações.

– Que impressão isso passa? Que o trabalho escravo não seria um crime, mas um conjunto de irregularidades trabalhistas. Isso é um crime, sim, previsto no artigo 149, e que lesa a humanidade. É importante que isso seja manifestado de forma muito mais ativa pela Justiça. Embora tenha crescido de forma significativa de quatro anos para cá, quando ainda era quase nulo, o número de condenações à pena de prisão ainda é pequeno. Isso porque havia até uma indefinição se isso deveria ser competência da Justiça Federal ou comum. Desde 2009 que as coisas melhoraram um pouco, porque o STF [Supremo Tribunal Federal] entendeu que a [Justiça] Federal é competente. Mas até hoje isso é questionado.

MP investiga Zara por trabalho escravo
O coordenador da Conatrae (Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo), José Guerra, diz que a criminalização do trabalho escravo deve ser uma das prioridades do governo para este ano. Criada em 2003, a Conatrae é um órgão vinculado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

– Nossa meta é tentar articular o movimento social e o governo para aprovar sanções mais avançadas tanto na questão econômica quanto penal.

A secretária de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho, Vera Lúcia Rodrigues, diz que o trabalho desempenhado pelo Brasil nesta área tem sido alvo de interesse de outras nações.

– Em fevereiro, uma missão embarca para o Afeganistão para falar sobre o trabalho do Grupo Móvel.

Segundo ela, o número de trabalhadores resgatados vem caindo nos últimos anos, o que pode significar que o empregador está ficando mais consciente. Em 2007, foram resgatados 5.999 trabalhadores, número que caiu para 5.016 em 2008, 3.769 em 2009, 2.617 em 2010 e 2.271 no ano passado.

– Eu acho que não só o número de ações foi maior esse ano [2011], como também o número de trabalhadores resgatados diminui. A fiscalização não vai parar. Faremos sempre força para atender todas as denúncias. Mas o brasileiro está cada vez mais por dentro dos seus direitos. E a percepção que a gente tem é que o empregador brasileiro também está mais consciente.

PEC do Trabalho Escravo
Há alguns projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional e procuram acabar com a impunidade e inibir a exploração dos trabalhadores. A mais conhecida é a PEC (proposta de emenda constitucional) 438, de 2001, conhecida como PEC do Trabalho Escravo, que sugere a expropriação, sem indenização ou ressarcimento, das terras onde for flagrado este tipo de prática. O texto diz, além disso, que os terrenos confiscados devem ser destinados à reforma agrária e a programas de habitação popular.

A proposta, que precisa ser votada em dois turnos em cada uma das casas do Congresso, já foi aprovada pelo Senado e votada uma vez na Câmara. No entanto, aguarda a segunda votação desde 2004.

Para Guerra, o debate não avança porque a bancada ruralista, que defende os interesses dos fazendeiros, não entendeu o objetivo da PEC.

– Eu acho que há uma dificuldade dos parlamentares ligados ao setor agrícola em compreender que o trabalho escravo é praticado por uma minoria. A intenção da PEC é separar essa minoria dos produtores rurais, dos que respeitam os direitos trabalhistas. Esta PEC deveria ser defendida por eles como algo que vai separar o joio do trigo.

Xavier Plassat diz que, além disso, a proposta também tem um significado simbólico para os movimentos sociais e os trabalhadores brasileiros.

– A PEC é um instrumento que seria decisivo, porque confiscaria e distribuiria a terra com base na reforma agrária. É ideal, pois tem uma função repreensiva e preventiva. Para mim, a questão da PEC é mais ou menos um trunfo simbólico sobre um posicionamento do Brasil em relação ao debate fundamental do que vale mais, dignidade ou propriedade.

Denúncias fiscalizadas
Ainda que o número de operações do Grupo Móvel do Ministério do Trabalho tenha mais que dobrado em oito anos, passando de 67 em 2003 para 158 no ano passado, apenas 47% das denúncias que chegam ao órgão por meio da CPT são fiscalizadas, de acordo com Plassat. Para ele, este é outro desafio a ser superado.

– Das [denúncias] que saem da nossa parte, temos um déficit sério de fiscalização. Eu sei que não é possível checar todas, porque há algumas que chegam ao final da temporada de serviço. E, como o tempo que a fiscalização leva para se organizar é de no mínimo três ou quatro semanas, muitos ciclos de trabalho escravo acabam antes disso.

APOIE

A REPÓRTER BRASIL

Sua contribuição permite que a gente continue revelando o que muita gente faz de tudo para esconder

LEIA TAMBÉM