Entre desmatadores e ambientalistas: o palanque verde de Helder Barbalho

Governador do Pará se equilibra entre a defesa de projetos criticados por ambientalistas e um discurso para uma nova economia verde, de olho na COP 30 (cúpula do clima da ONU), que será realizada em 2025 em Belém
Por André Borges
 29/11/2023

No dia 12 de maio, tarde de uma sexta-feira, as dependências do Palácio dos Despachos, sede do governo do Pará, em Belém, foram tomadas por uma turba de prefeitos indignados. A reunião na casa oficial, convocada pelo governador Helder Barbalho (MDB), contava com os chefes dos 20 municípios com as mais altas taxas de desmatamento do Pará. Ali estavam ícones da devastação amazônica, uma lista que inclui Altamira, São Félix do Xingu, Pacajá e Novo Progresso. Entre os convidados circulavam, ainda, fazendeiros da região encrencados com a fiscalização ambiental.

Helder chegou atrasado. Desceu de um jatinho e seguiu direto para a sede do governo, onde o grupo o aguardava para uma conversa com os protagonistas do encontro: a cúpula do Ibama. Antes de fecharem as portas, cada convidado foi orientado a entregar o celular, uma garantia de que nada dali seria registrado. Deu-se, então, a lavação de roupa suja.

Este encontro sem registros oficiais descreve o fio da navalha que Helder Zahluth Barbalho tem percorrido, nos últimos anos, para tentar fazer de sua gestão um exemplo de sustentabilidade ambiental – e passaporte de seu futuro político.

Nas últimas semanas, a Repórter Brasil conversou com políticos e autoridades que mantêm contato direto com o governador paraense, entre membros do Congresso Nacional e do governo federal, para compreender o que está por trás desta “inflexão ambiental”, como definiu um dos entrevistados.

Helder vai estar em Dubai nesta semana para a COP 28, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, onde vai tratar de temas como financiamento e transição para uma economia de baixo carbono. A ambição do governador é se converter em uma liderança política do tema. Nessa “guinada verde”, porém, ele tenta se equilibrar entre a defesa da floresta em pé e os interesses econômicos que devastam a Amazônia.

Foi esse o esforço que se viu na reunião de maio, quando representantes do Ibama foram pressionados a afrouxar fiscalizações ambientais no Pará. Fazia apenas um mês que a “Operação Retomada” havia começado e o Ibama já tinha apreendido 3.000 bois em Pacajá, além de ter embargado mais de 25 mil hectares de terras. 

Com falas incisivas e de tom ofensivo, os prefeitos e fazendeiros presentes pediram que fossem revistas as autuações. Só em rebanho bloqueado, a conta chegava a R$ 10 milhões.

Sob pressão, os servidores do Ibama argumentavam que os fiscais estavam, apenas, cumprindo a lei. No fogo cruzado, Helder Barbalho mediava a conversa. Se a temperatura subia demais, fazia alguma ponderação para recalibrar os ânimos. 

O governador deu sinais de que dividia as mesmas preocupações dos prefeitos. Porém, nos bastidores, ele já tinha feito chegar aos membros do Ibama a orientação de que eles estavam ali para apanhar mesmo, mas que absorvessem o impacto e, depois, tocassem seu trabalho.

Ao fim da discussão, prefeitos e fazendeiros regressaram para seus municípios certos de que o recado fora dado, com o apoio e a chancela do governador. Do lado do órgão ambiental, os servidores voltaram para casa com as orelhas quentes, mas cientes de que as fiscalizações continuariam – o que se confirmou nos meses seguintes.

As terras indígenas Kayapó e Munduruku (foto), no Pará, são as mais devastadas por garimpo ilegal no Brasil (Foto: Marizilda Cruppe/Amazônia Real/Amazon Watch)

Boi e voto

Helder nunca foi um “ambientalista”. O filho do senador e ex-governador Jader Barbalho (MDB-PA) é, antes de mais nada, um criador de boi – atividade apontada como a maior responsável pelo desmatamento na Amazônia. Com um patrimônio declarado de R$18,7 milhões, Helder é dono de um rebanho de mais de 6.000 cabeças. 

Assim como o pai, tem também os pés na comunicação. Por trás da eloquência em cada frase – dando sempre a impressão de que revela algo importante – está sua atuação com mídia e telecomunicações.

Helder detém participação na rádio Carajás FM, na RBA TV (Rede Brasil Amazônia), na Rádio Club do Pará e no Diário do Pará. À Justiça Eleitoral, ele informou no ano passado possuir ainda fatias em companhias como Itelcom Informações e Telecomunicação, Telecomp Telecomunicações, Sistema Club do Pará de Comunicação e Dol Intermediação de Negócios e Portal de Internet.

A entrada na política se deu aos 21 anos, quando se elegeu vereador de Ananindeua (PA), em 2000. Quatro anos depois, tornou-se prefeito do município, o mais jovem da história do Pará. Saltou para Brasília em 2015, onde foi ministro de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), antes de se eleger governador, em 2018. No ano passado, aos 44 anos, foi reeleito no primeiro turno, com mais de 70% dos votos, o mais bem votado do país.

Entre todos os ouvidos pela reportagem, dos críticos aos favoráveis, um ponto de consenso é o de que o governador paraense “se comunica bem” e cuida de sua imagem. Helder é do tipo que envia mensagens para conhecidos com uma foto sua e de sua família em datas festivas, como Natal e Ano Novo.

“No governo Temer, lembro de fazermos reuniões com a presença de ministros que tinham mais relevância e poder do que o Helder, mas quando ele se colocava, acabava dominando a conversa e os argumentos”, conta o ex-diretor de uma autarquia.

A passagem por Brasília, avalizada pelo pai, também revela sua capacidade de articulação. Acolhido por Dilma como ministro da Pesca e Aquicultura e, depois, ministro da Secretaria Nacional dos Portos, Helder não titubeou em assumir, logo após o afastamento de Dilma, a pasta da Integração Nacional na gestão de Temer – acusado por petistas de ser o artífice de um golpe parlamentar contra a ex-presidente.

Hoje, o irmão de Helder, Jader Filho (MDB), é ministro das Cidades no governo Lula. As relações da família com o poder incluem a esposa do governador, a advogada Daniela Lima Barbalho, que em março foi eleita para o cargo de conselheira do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PA). A corte tem a missão de fiscalizar, justamente, o governo do Pará.


Dnit pretende iniciar as obras de derrocamento do Pedral de São Lourenço em março de 2024 Foto: Divulgação)

Aposta no meio ambiente

Helder cresceu em uma época em que reinava o discurso de que o futuro da Amazônia passaria pela abertura de estradas, exploração de minérios, criação de gado, ampliação de plantações e construção de hidrelétricas. Nesse sentido, ele apoia vários projetos criticados por ambientalistas.

É o caso da Ferrogrão, ferrovia que pretende ligar Sinop (MT) a Itaituba (PA), numa malha de 933 quilômetros de extensão em prol do agronegócio. O governador tem apoio do presidente Lula (PT) para a empreitada, mas resistência do Ministério do Meio Ambiente.

Outra ferrovia defendida pelo governador para cortar a Amazônia paraense é a extensão da Ferrovia Norte-Sul, para ligar a Estrada de Ferro Carajás, da mineradora Vale, em Marabá (PA), até o porto de Vila do Conde, no município de Barcarena (PA). 

Ambientalistas são contra o projeto, por se tratar de um importante corredor ecológico. Apesar disso, Helder esteve em abril com representantes da Vale e da cúpula da maior construtora da China, a estatal Communications Construction Company (CCCC), para assinar um “memorando de entendimento” sobre a construção da ferrovia, estimada em R$ 10 bilhões.

O governador é também avalista de uma refinaria de ouro em Belém que se planeja para ser a maior do país, a North Star, embora alguns de seus sócios sejam pessoas investigadas por compra irregular de ouro no Pará e na África, como mostrou a Repórter Brasil.

Barbalho ainda costurou um acordo entre a North Star e seis mineradoras para fornecimento de matéria-prima. Uma delas é a Belo Sun, que tem origem no Canadá e está envolvida em uma série de acusações de atuação irregular na Volta Grande do Xingu, em Altamira (PA). A empresa teria comprado irregularmente lotes de assentados da reforma agrária para converter as terras em área de extração de ouro, logo abaixo da barragem da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu.

A polêmica sobre a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas foi mais um dos pontos de divergência entre o governador e a ala ambientalista do governo federal. Helder chegou a defender a exploração de petróleo na região. Este mês, porém, recalibrou a análise e disse que o petróleo “não é o negócio” do Pará e que a vocação do Estado são a pecuária, a agricultura e a mineração.

Um projeto do qual o governador não abre mão é o aprofundamento do rio Tocantins, abaixo das eclusas de Tucuruí, para viabilizar uma nova hidrovia.

Desde a época em que ocupava a cadeira de ministro da Integração Nacional, há oito anos, Helder defende a retirada de 43 quilômetros de pedras que formam uma corredeira conhecida como “Pedral do Lourenço”. A obra envolveria o uso de explosivos para quebrar as pedras gigantescas e removê-las do local. Até hoje a obra não foi executada, devido a questionamentos socioambientais e falta de licenciamento.

Cerca de 22 comunidades ribeirinhas vivem ao longo do curso do rio e dependem da pesca para sobreviver. O receio é que a mudança radical do trecho acabe com os peixes da região, já que mudaria completamente o regime do rio e as condições de habitat no trecho. 

O derrocamento do pedral voltou a compor os projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) já afirmou que pretende iniciar as obras de derrocamento em março de 2024. No Congresso, o pai de Helder, o senador Jader Barbalho, apresentou uma emenda neste mês ao texto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para reservar R$ 100 milhões do orçamento da União para a obra.

Helder Barbalho em três momentos: 1) Como ministro da Integração Nacional durante o governo Temer (Foto: Alan Santos/PR)
2) Como governador do Pará, ao lado do então presidente Jair Bolsonaro, de quem procurou se distanciar na agenda ambiental (Foto: Alan Santos/PR)
3) Ao lado do presidente Lula e do chanceler Mauro Vieira, durante o anúncio de Belém como a cidade escolhida para sede da COP 30 (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

Críticas a Bolsonaro

As posições distintas sobre o futuro da Amazônia não têm atrapalhado o relacionamento de Helder Barbalho com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. A reportagem apurou que Marina tem o governador em boa conta e que, apesar de diferenças, vê no chefe do Executivo paraense um aliado efetivo no combate aos crimes ambientais.

Sua influência em prol da área ambiental se nota mais há dois anos. Na época, em meio ao belicismo de Jair Bolsonaro (PL) contra o meio ambiente, Helder passou a lidar com riscos reais de o Pará ser alvo de um embargo europeu na importação de carne e commodities agrícolas. Já pesava contra o estado o fato de Bolsonaro ter paralisado o Fundo Amazônia, maior fonte de recursos na região para ações de fiscalização.

Helder subiu o tom das críticas a Bolsonaro e passou a realizar conversas diretas com financiadores estrangeiros, driblando o governo federal. 

O governador rejeita a leitura de que mudou de postura entre a gestão Bolsonaro e o governo de Lula. Ele defende a tese de que tem trabalhado desde o início do primeiro governo, em 2019, pela proteção ambiental, lutando contra o desmatamento, as queimadas e as invasões de terras.

Em entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura, em 13 de novembro, Helder afirmou que, ao se eleger governador, viu uma oportunidade para “construir uma nova história” para o Pará, estado considerado vilão ambiental. Ele disse ainda que fez uma “escolha política” ao ir na contramão da agenda antiambiental de Bolsonaro. “Fiz uma aposta”, declarou.

Os números, porém, não sustentam a tese. O monitoramento anual do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostra que, entre agosto de 2018 e julho de 2019, já no primeiro governo de Helder, o sistema Prodes registrou 4.172 km² de área desmatada no Pará, um aumento de mais de 50% em comparação ao período anterior. O Inpe sempre leva em conta o período iniciado em agosto do ano anterior, com fechamento em julho do ano seguinte. 

A situação ficaria ainda pior em 2020 e 2021, quando atingiu o pico de 5.238 km² de devastação. Essa área equivale a praticamente metade das supressões realizadas nos nove Estados da Amazônia Legal no período.

A mudança efetiva dessa tendência só viria no ano passado, já em ano eleitoral, quando as atrocidades ambientais no Brasil estampavam as manchetes internacionais e o país já era carimbado como um pária mundo afora.

Helder surfou a onda de reação e combate aos crimes ambientais, elegendo o tema como uma de suas bandeiras na campanha eleitoral, ao colocar a proteção da floresta e sua “exploração sustentável” ao lado de temas estruturais, como educação.

Esse caminho foi pavimentado em novembro do ano passado, ainda na transição do governo federal, quando Helder convidou Lula para participar da COP 27, em Sharm El Sheik, no Egito. Durante o encontro, o governador sugeriu ao presidente eleito que trabalhasse para Belém sediar a COP 30, em 2025.

A escolha da capital paraense como a casa do mais importante evento ambiental do planeta, confirmada em maio deste ano, turbinou os interesses políticos de Helder. Suas atenções estão voltadas, neste momento, para a COP 30, que prevê a recepção de 70 mil pessoas em Belém, além de 180 chefes de Estado. A Fundação Getúlio Vargas foi contratada pelo governo estadual para montar um plano de infraestrutura que permita à cidade receber esse volume de visitantes. Hoje, Belém dispõe de cerca de 12 mil leitos.

Enquanto tenta estruturar a cidade para receber o evento, Helder tem cavado espaço na agenda internacional. Defendeu, em evento na França, a adoção do “modelo norueguês” pela Petrobras, pelo qual iniciativas sustentáveis são financiadas por atividades petrolíferas. 

Helder apoia hoje a candidatura de Lula para reeleição em 2026, ao mesmo tempo em que se apresenta como a voz do MDB para trilhar esse caminho juntos, quiçá numa mesma chapa presidencial. Há quem diga até que existe a pretensão de testar seu nome como futuro concorrente ao comando do Palácio do Planalto. Pesquisas eleitorais, inclusive, já passaram a incluir a menção de seu nome.

A reportagem enviou uma série de questionamentos ao governador Helder Barbalho na semana passada, mas não houve retorno.

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