Luta pela terra

Aracruz tenta negar existência de comunidades indígenas no ES

Organizações da sociedade civil que atuam junto às comunidades Tupiniquim e Guarani, no Espírito Santo, acusam Aracruz de difamação e racismo, após reação da empresa aos protestos por demarcação das áreas indígenas
Fernanda Sucupira
 18/09/2006

No dia 6 de setembro, comunidades indígenas Tupiniquim e Guarani do município de Aracruz, no Espírito Santo, começaram a cortar e queimar árvores de eucaliptos da Aracruz Celulose para pressionar o governo federal pela aceleração do processo de demarcação das terras indígenas na área. Com essa ação, que durou seis dias, conseguiram que a Fundação Nacional do Índio (Funai) encaminhasse ao Ministério da Justiça, no dia 11 de setembro, parecer contrário à contestação da empresa, dando andamento ao caso. Por outro lado, a manifestação gerou uma forte reação da Aracruz, que iniciou uma campanha na opinião pública para desqualificar os indígenas locais, negando a existência desses povos. Organizações da sociedade civil que atuam junto às comunidades acusam a empresa de difamação e racismo.

A partir da data de envio do parecer da Funai, que reconhece os 11.009 hectares ocupados com monocultura de eucalipto como área indígena, o ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça) tem trinta dias para assinar a portaria, o que ampliaria a reserva de 7 mil para 18 mil hectares, ou devolvê-la, solicitando mais informações. O parecer foi enviado com três semanas de atraso, demora esta que motivou a ação dos indígenas.

Segundo integrantes da Rede Alerta contra o Deserto Verde, nos últimos dias a Aracruz começou um trabalho nas escolas, faculdades, e junto a agentes comunitários para convencer a população local de que existem registros históricos que comprovam que os índios Tupinikim e Guarani não viviam nessas terras e que, na época do início da compra das terras, os índios já não moravam mais em aldeias, estavam completamente integrados.

A Aracruz acusa ainda os indígenas de causar um prejuízo de R$ 1 milhão à multinacional, com a destruição dos eucaliptos, e de intimidar e agredir seus trabalhadores. Por conta disso, o sindicato dos funcionários da empresa convocou toda a população do município a participar de uma manifestação contra as comunidades indígenas locais.

Além disso, prestadores de serviço e entidades empresariais do Espírito Santo publicaram informes publicitários nos maiores jornais do Estado condenando a ação dos indígenas “contra o patrimônio da empresa e a ordem pública”, considerada “bárbara”. Os informes também acusam entidades e movimentos da sociedade civil – como a Rede Alerta contra o Deserto Verde, MST e Conselho Indigenista Missionário – de incitarem e participarem desses “atos criminosos”, que “comprometem e atentam contra o desenvolvimento” do Espírito Santo. “Ataca-se a geração de emprego, renda e tributos, que são os elementos básicos para a construção de uma sociedade justa e cidadã”, afirmam empresários, prestadores de serviço e sindicatos na nota publicitária em jornais como a Gazeta do Espírito Santo. Eles se dizem “ultrajados e desprotegidos” e pedem ação imediata do Estado.

“A empresa não tem prerrogativa de apontar o dedo e dizer se somos índios ou não ou se os quilombolas são quilombolas ou não. Ela nos acusa de cometer atos violentos, mas o que é violento? É a Polícia Federal tirar nosso sangue como fez em 20 de janeiro quando nos expulsou da aldeia que reconstruímos e que a empresa destruiu para plantar eucalipto ou é nossa ação de cortar os eucaliptos?”, questionou o cacique Jaguareté, de Caieiras Velha, em coletiva de imprensa, nesta sexta-feira (15), em Vitória (ES).

Segundo Winnie Overbeek, da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), entidade que integra a Rede Alerta contra o Deserto Verde, a Funai identificou em quatro estudos desde 1994 a existência de quase quarenta aldeias, cuja área hoje está debaixo dos eucaliptos. “Essas terras são tradicionalmente ocupadas pelos Tupinikim. Estamos apreensivos com o efeito dessa campanha para formar a opinião pública no sentido de que os indígenas não têm direito à terra deles”, afirma.

Em reunião com representantes das comunidades Tupinikim e Guarani, o ministro Márcio Thomaz Bastos garantiu que o governo federal está determinado a demarcar a área toda e que assinaria a portaria o mais rápido possível, assim que a Funai assegurasse que aquelas eram terras indígenas. “Há muitos anos estamos lutando pela demarcação das terras do município, desde que a Aracruz invadiu nosso território na década de sessenta e destruiu nossas aldeias. Resolvemos cortar os eucaliptos para resolver isso logo porque essa demora provoca conflitos. Esperamos que esse ministro cumpra seu papel”, afirma Werá Kwaray, conhecido como Toninho Guarani, que integra a Comissão de Caciques e Lideranças Tupinikim e Guarani.

A Rede Alerta contra o Deserto Verde, formada por organizações não governamentais e movimentos sociais que combatem a monocultura do eucalipto, em carta de repúdio, afirma que a estratégia de defesa adotada pela multinacional nos últimos meses tem sido de “negar a existência desses povos tradicionais em território capixaba e de desqualificar e ridicularizar sua identidade indígena”, o que, segundo eles, constitui racismo. “A posição da Aracruz Celulose demonstra não só desrespeito com a história, com a memória e a cultura do povo capixaba, mas também que essa empresa não tem escrúpulos quando se trata de garantir seus interesses, às custas da miséria e da destruição dos povos tradicionais e do meio ambiente”, completa a carta. A Comissão de Caciques pretende estudar medidas legais contra as afirmações da empresa de negação da identidade dos Tupinikins.

Fernanda Sucupira é membro da ONG Repórter Brasil.

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