Os instrumentos jurídicos que dão sustentação à luta contra o trabalho escravo no Brasil foram reunidos em um livro destinado aos representantes do Poder Judiciário. Elaborado pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), "Trabalho escravo contemporâneo: o desafio de superar a negação" foi lançado, nesta terça-feira (26), em Brasília. A obra, coordenada por Gabriel Velloso e Marcos Neves Fava, traz uma coleção de artigos de pensadores do direito social sobre a tentativa de erradicar o trabalho escravo no Brasil. A publicação do livro faz parte das comemorações dos 30 anos da Anamatra.
Em um dos artigos, dois procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT), José Cláudio Monteiro de Brito Filho e Vera Lúcia Carlos, defendem uma interpretação mais abrangente do termo "trabalho análogo ao de escravo" nos processos judiciais. Eles afirmam que a escravidão atual não pode mais ser caracterizada apenas quando houver violação à liberdade, devendo ser utilizada toda vez que houver desrespeito à dignidade humana. Assim, condições degradantes de trabalho também devem ser caracterizados como redução de trabalhadores a condições análogas à escravidão.
A obra também alerta para a necessidade de aplicar a lei e sempre responsabilizar as companhias que contratam serviços tercerizados de empresas que violam os direitos humanos. Um exemplo explorado no livro é de siderúrgicas que compram carvão para a produção de ferro-gusa muitas vezes sem verificar se as carvoarias estão utilizando formas degradantes de trabalho ou até mesmo mão-de-obra escrava. Neste caso, essas siderúrgicas podem ser responsabilidadas judicialmente pela omissão de direitos trabalhistas.
Lista suja
Há também a defesa da legalidade do Cadastro Nacional de Empregadores, conhecido como "lista suja", considerado um instumento fundamental para o combate ao trabalho escravo contemporâneo. A relação reúne os empregadores que comprovadamente utilizaram esse tipo de mão-de-obra. A existência do cadastro é questionada por alguns juízes, que expedem liminares garantindo a suspensão provisória do empregador.
João Humberto Cesário, juiz do trabalho em São Félix do Araguaia (MT), refuta, em artigo, um dos principais argumentos contrários à lista – o de que ela fere o princípio da presunção da inocência, pois inclui o empregador na lista sem que ele tenha sido julgado pela Justiça do Trabalho. Hoje, os empregadores são incluídos no cadastro quando são considerados culpados em processo administrativo dentro do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Segundo Cesário, é necessário reconhecer a legitimidade do MTE, que é responsável pela repressão às condições ilegais de trabalho e tem o poder de condenar os empregadores na esfera administrativa.
O livro também registra a história da luta contra o trabalho escravo no país, com informações sobre o modelo de exploração da escravidão contemporânea e as primeiras denúncias desse crime feitas por Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia, nos anos 70.
Entre os articulistas, além de representantes do combate ao trabalho escravo ligados ao Poder Judiciário, estão também membros da sociedade civil, como Patrícia Audi, coordenadora do programa de combate ao trabalho escravo no Brasil da Organização Internacional do Trabalho, e Xavier Plassat, da coordenação nacional da Comissão Pastoral da Terra para o combate ao trabalho escravo.
O livro pode ser encontrado em livrarias jurídicas e no site da editora LTr (www.ltr.com.br)
Conheça o sumário da obra "Trabalho escravo contemporâneo: o desafio de superar a negação"