O julgamento dos seis acusados pela morte do missionário do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Vicente Cañas Costa chegou ao fim depois de 19 anos de espera. O último réu, José Vicente da Silva, foi inocentado pelo júri por cinco votos a dois – uma decisão anunciada na noite de quarta-feira (8), no auditório da Justiça Federal de Cuiabá (MT). O Ministério Público Federal vai recorrer da decisão.
Os outros cinco acusados pela morte de Cañas já haviam sido absolvidos. É o caso de Ronaldo Antônio Osmar, absolvido em júri popular realizado entre 24 e 27 de outubro por seis votos a um. Osmar é ex-delegado de Juína (MT), município que abriga as terras indígenas dos Enawene-Nawê, população que conviveu com o missionário por dez anos.
O advogado do Cimi, Paulo Machado Guimarães, que admite que faltaram provas, acusa o ex-delegado Osmar de intermediar a negociação entre José Vicente, agora absolvido, e os supostos mandantes do crime, Pedro Chiquetti e Camilo Óbice, que são fazendeiros na área. Chiquetti possuía terras no limite norte da comunidade indígena, e tinha interesse em expandi-las. Já Óbice era um grileiro na região de olho no território Enawene-Nawê. Os dois faleceram durante o longo processo judicial. O outro suposto mandante, o latifundiário Antonio Mascarenhas Junqueira, não pôde ser julgado devido à idade avançada que atingiu.
Para Guimarães, o fato de Chiquetti e Óbice terem invadido as terras dos Enawene-Nawê um ano depois do assassinato demonstra a obviedade das intenções. “A Funai tem o registro das disputas entre fazendeiros e os indígenas desde antes de 1988”, relata. Tudo leva a crer que Cañas foi considerado uma “pedra no sapato” dos fazendeiros e que sua morte facilitaria a tomada das terras indígenas, na análise do advogado.
Apesar da absolvição dos acusados, o vice-presidente do Cimi, Saulo Feitosa, não ataca o Judiciário. “O trabalho do juiz Jéferson Schneider não pode ser criticado”, afirma. Para Feitosa, o próprio julgamento prova que “os inimigos dos direitos humanos não estão imunes”. No passado, o Cimi chegou a contabilizar 80 crimes por mês na região, de tão conflituosa. “Infelizmente o Estado de Mato Grosso é pródigo em criar mártires”, diz Feitosa. Ele cita a morte do ex-coordenador do Cimi, padre João Bosco Penido, e do índio Simão Bororo, em 1966, como exemplos de crimes contra indígenas e seus defensores na região.
Vicente “Kiwxi” Cañas
O coordenador do Cimi de Mato Grosso, Egon Heck, se lembra do apelido que o missionário recebeu dos Enawene-Nawê: Vicente Kiwxi. “Ele possuía um compromisso integral com a causa indígena”, lembra. Heck afirma que Cañas (ou Kiwxi) foi o primeiro branco a procurar a “imersão” na vida, linguagem e cultura dos Enawene-Nawê. “Esse testemunho foi interrompido, mas trouxe a luta dos povos indígenas novamente à cena”, reflete.
Um dos primeiros a encontrar o corpo de Cañas, 40 dias depois de sua morte, Heck lembra ainda a tensão que os indígenas sentiram ao ouvir a notícia. “Eles estavam fazendo um ritual importante e ficaram muito nervosos, me perguntavam ‘por quê?’ a toda hora e eu não sabia a que resposta dar”, lamenta.
O vice-presidente do Cimi, Saulo Feitosa, relata que a prática de Vicente Cañas inovou na atividade indigenista. “Ele confrontou uma Igreja conservadora durante a década de 1970 e 1980, e soube viver com os Enawene-Nawê sem invadir seu espaço”. Para Feitosa, a morte de Cañas significou a defesa da vida dos indígenas, que poderiam ter sido alvo dos fazendeiros.