Conferência Açailândia

Siderúrgicas e poder público discutem acordo contra escravidão em Carajás

Novo termo de ajustamento de conduta entre o Ministério Público do Trabalho e as siderúrgicas do Pólo Carajás redefine responsabilidades dessas indústrias no trabalho escravo encontrado nas carvoarias do Maranhão e Pará
Por André Campos
 17/11/2006

Açailândia – O combate ao trabalho escravo e degradante na cadeia produtiva do ferro gusa na região dos Carajás deve ganhar em breve um novo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) envolvendo o Ministério Público do Trabalho (MPT) e as siderúrgicas que atuam na sua região de influência, entre o Maranhão e o Pará. É o que afirmou Luís Antônio Camargo, subprocurador-geral do MPT e coordenador nacional para o combate ao trabalho escravo da instituição, durante o segundo dia da 2a Conferência Interparticipativa sobre Trabalho Escravo e Superexploração em Fazendas e Carvoarias. O encontro está sendo realizado em Açailândia (MA) e reúne entidades da sociedade civil, representantes de órgãos governamentais e de entidades patronais. A relação entre a atividade siderúrgica e trabalho escravo no Brasil foi um dos principais temas debatidos durante as palestras desta sexta-feira (17).

"Esperamos, com esse novo acordo, ter meios para responsabilizar as siderúrgicas de forma mais ampla", revela Camargo. Ele ressalta, no entanto, que o TAC também deve garantir meios para punir os demais atores da cadeia produtiva – como fazendeiros e carvoeiros – que obtenham favorecimento econômico com o trabalho escravo. "A culpa não pode cair toda sempre sobre as siderúrgicas. Há pessoas de outros setores beneficiados, obtendo lucros através da exploração do trabalhador." Segundo ele, a intenção do MPT é, ainda este ano, discutir com as 13 siderúrgicas da Associação dos Produtores de Ferro-Gusa Carajás (Asica) a aprovação do TAC.

Para Marcelo Campos, coordenador nacional dos grupos móveis de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, qualquer novo acordo não pode ser encarado como um instrumento de eliminação do vínculo das siderúrgicas com as carvoarias que utilizam mão-de-obra escrava. "Não há dúvida nenhuma de que a produção de carvão está associada à cadeia produtiva dessas empresas", afirma.

Campos também destaca que, a rigor, é ilegal a terceirização da produção de carvão como ocorre hoje com a siderurgia no Pólo Carajás. Segundo ele, os coordenadores dos grupos móveis de fiscalização estão analisando a versão preliminar do novo TAC para estudar a viabilidade de sua aplicação. "Houve avanços na questão do trabalho escravo, mas por conta de um processo de enfrentamento do crime", disse durante o evento. "Precisamos estar atentos para não recuar."

Quando for assinado, o novo compromisso será uma atualização do TAC acordado em 1999 entre o MPT e as siderúrgicas localizadas no Maranhão. Ele deverá também envolver as indústrias do Pólo Carajás localizadas no Pará, ampliando, dessa forma, o alcance do acordo. As siderúrgicas usam carvão vegetal (matéria-prima para a fabricação de ferro gusa e, por conseguinte, do aço) muitas vezes produzido em carvoarias que exploram de mão-de-obra escrava. Segundo os dados coletados pelas comissões regionais do Fórum de Erradicação do Trabalho Escravo do Maranhão (Forem), a participação das carvoarias no percentual de denúncias desse tipo de exploração subiu de 1% para 17% entre 2003 e 2006.

O TAC de 1999 define ser das carvoarias – uma atividade terceirizada – a responsabilidade pelo emprego de trabalho escravo na cadeia produtiva do Pólo Carajás, além de estabelecer que as siderúrgicas deveriam atuar para corrigir essa situação. "As usinas, porém, não cumpriram o TAC de 1999", atesta Campos. "Por isso mesmo, a partir de 2003, passamos a autuá-las, e isso gerou maior controle por parte delas em relação ao trabalho empregado em sua cadeia produtiva."

Como um reflexo dessa situação e após denúncias sobre a exploração de escravos na cadeia produtiva do aço trazidas a público pelo Instituto Observatório Social, sete siderúrgicas da região fundaram em 2004 o Instituto Carvão Cidadão (ICC), uma entidade voltada justamente para melhorar a situação trabalhista nas carvoarias. Segundo Ornedson Carneiro, presidente do ICC, entre os resultados alcançados estão um aumento de 3% para 96% no número de trabalhadores com carteira assinada na atividade, além de 284 carvoarias descredenciadas para o fornecimento de matéria-prima às siderúrgicas integrantes do ICC.

Ele não concorda com a responsabilização legal das siderúrgicas pelo trabalho escravo empregado nas carvoarias. "Ninguém penaliza a Nestlé por possíveis situações de crime trabalhista na produção de leites em fazendas", destaca. "Há muitos holofotes sobre às siderúrgicas em detrimento de outras atividades."

Recentemente, uma reportagem da revista Bloomberg, publicada nos Estados Unidos, mostrou outras cadeias produtivas que começavam em carvoarias com trabalho escravo na região dos Carajás e terminavam em grandes indústrias daquele país. A montadora de veículos Ford anunciou que deixaria de comprar dos que se beneficiam desse tipo de mão-de-obra.

Gargalos na lei
O fato de a responsabilização criminal de pessoas envolvidas com trabalho escravo no Brasil permanecer praticamente nula foi algo amplamente abordado pelos palestrantes durante o segundo dia da Conferência. Entre as principais lacunas destacadas nesse sentido está a indefinição sobre de quem seria a responsabilidade por julgar os crimes relativos ao tema, hoje entre a Justiça Federal e as Justiças Estaduais.

"É fundamental que o ministro do Superior Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, aprove rapidamente o recurso extraordinário com uma definição sobre esse tema", defendeu Patrícia Audí, coordenadora nacional do Projeto de Combate ao Trabalho Escravo da Organização Internacional do Trabalho (OIT). As entidades da sociedade civil que atuam no combate à escravidão contemporânea são a favor de que a responsabilidade por decidir sobre esses crime fique com a Justiça Federal.

Para Luís Antônio Camargo, uma das evoluções que devem ser destacadas é o fato de os procuradores do Trabalho estarem conseguindo definir indenizações por danos morais junto aos empregadores. "Isto, juntamente com a 'lista suja' do trabalho escravo, são as únicas coisas que estão funcionando", diz. Ele também defendeu a necessidade de aprovação da PEC 438, que estabelece o confisco de terras onde for encontrado trabalho escravo e sua posterior destinação para a reforma agrária.

Notícias relacionadas:
Trabalho Escravo e sua raiz estatal (artigo)
P
rodução ilegal de carvão vegetal gera desmatamento e escravidão na Amazônia
Conferência quer lançar "novo pacto" contra trabalho escravo

APOIE

A REPÓRTER BRASIL

Sua contribuição permite que a gente continue revelando o que muita gente faz de tudo para esconder

LEIA TAMBÉM