Um documento divulgado nesta sexta-feira (24) e assinado por 51 organizações sociais contesta e repudia o tratamento dado pelo presidente Lula à questão socioambiental como entrave do desenvolvimento. Nesta última terça (21), em discurso durante a inauguração de uma usina de biodiesel no Mato Grosso, ao comentar a necessidade de crescimento e desenvolvimento do país, Lula afirmou que quer levantar todos os “entraves que eu tenho com o meio ambiente, todos os entraves com o Ministério Público, todos os entraves com a questão dos quilombolas, com a questão dos índios brasileiros, todos os entraves que a gente tem no Tribunal de Contas, para tentar preparar um pacote, chamar o Congresso Nacional e falar: ‘Olha, gente, isso aqui não é um problema do presidente da República, não. Isso aqui é um problema do País’”.
A nota, intitulada “Desenvolvimento, sim. De qualquer jeito, não”, foi assinada pela Associação Brasileira de ONGs (ABONG), a Fundação Centro Brasileiro de Referência Cultural (Cebrac), o Grupo de Trabalho Amazonico (GTA), o Instituto Ethos de Responsabilidade Social, o Instituto Socioambiental (ISA) e a Cordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), entre outros. Para as entidades, a afirmação de que "as questões dos índios, quilombolas, ambientalistas e Ministério Público travam o desenvolvimento do País causa-nos profunda indignação”.
Segundo os signatários do protesto, órgãos do próprio governo atestam que a lentidão do processo de licenciamento de várias obras de infra-estrutura é decorrente do descumprimento legal dos procedimentos por parte dos empreendedores e da falta de estrutura e de recursos do governo para encaminhar os processos.
“Ao atacar minorias, o Presidente recorre a um pretexto obviamente inconsistente e comete inominável injustiça. (…) A todos interessa o desenvolvimento do País, que não é apenas crescimento econômico, lição aprendida desde os tempos da ditadura. Estamos à disposição do Presidente para um diálogo franco e direto sobre o interesse comum pelo desenvolvimento em sentido amplo”, concluem as organizações.
Já o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), também signatário do documento, divulgou separadamente uma nota mais dura, em que afirma “profunda indignação” com as “declarações do presidente da República feitas em discursos para empresários, fazendeiros e governadores”, quando também "chamou de 'penduricalhos' a legislação ambiental brasileira".
“É inaceitável que a maior autoridade do país, com este tipo de afirmação, reforce o alto grau de preconceito existente contra negros e índios e também desrespeite o trabalho do Ministério Público, que tem por função fiscalizar o cumprimento das leis do país”, afirma o Cimi, que ainda cobra: “o presidente Lula foi eleito com votos de indígenas e negros, inclusive quilombolas. O que se espera é que seus direitos sejam plenamente respeitados e que o país seja colocado na rota de um desenvolvimento sustentável, que respeite a diversidade étnica e cultural existente no Brasil, nosso maior patrimônio. Um desenvolvimento que beneficie toda a sociedade e não somente o grande capital”.
Explicações
Lula não disse, mas, de acordo com o secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Cláudio Langone, os entraves aos quais se referiu o presidente foram algumas questões pontuais discutidas numa reunião sobre infra-estrutura com o MMA na sexta-feira anterior (17).
Segundo Langone, a referência aos quilombolas se deu em função de um problema ocorrido no processo de licenciamento da rodovia BR 101, entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul. No caso, o programa de mitigação de impactos sobre comunidades quilombolas da região, exigido pelo Ibama, não foi apresentado pelo empreendedor, o que levou o Ministério Público Federal (MPF) a paralisar as obras.
Já a questão indígena interferiu no processo de licenciamento da hidrelétrica de Estreito, no Tocantins, em função de uma diferença de entendimento entre Ibama e Funai, afirma Langone. A Funai entende que haverá impactos sobre populações indígenas da região, e que é necessário realizarem-se estudos etno-ecológicos antes da concessão do licenciamento prévio da obra. Já o Ibama avalia que estes estudos poderiam ser feitos no estágio de implantação.
Outra obra paralisada, o projeto hidrelétrico de Belo Monte, no Pará, está sob uma pendência jurídica em função de uma ação do Ministério Público Federal, que entende que as comunidades indígenas da região devem ser ouvidas antes do inicio do processo de licenciamento ambiental. Para Langone, esta seria uma questão de diferentes leituras da legislação.
Por fim, resta a obra de transposição do rio São Francisco, paralisada também pelo MPF por questões ambientais. “Quando o presidente Lula fez a sua fala, quis dizer que reuniria estes problemas para buscar soluções”, afirma Langone.