DE ALTAMIRA (PA) – O Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais) recebeu em abril a documentação para análise sobre a concessão de licenciamento ambiental à mineradora canadense Belo Sun, que pretende extrair ouro no Pará em uma área que foi destinada à reforma agrária. Os afetados pela operação pressionam para que o licenciamento seja rejeitado.
A documentação chega ao Ibama seis meses após a Justiça Federal determinar que a responsabilidade sobre o licenciamento seria do Ibama e não mais do órgão ambiental do estado, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Pará.
A mineradora pretende construir a maior mina de ouro a céu aberto da América Latina na região de Altamira (PA). O local é próximo à Volta Grande do Rio Xingu, região já afetada pela usina hidrelétrica de Belo Monte. Comunidades ribeirinhas e indígenas reclamam que serão afetadas pela futura mina, mas que não foram consultadas sobre o empreendimento. Já agricultores e assentados rurais afirmam que foram obrigados a deixar suas terras após sofrerem ameaças da empresa. A Belo Sun sempre negou as acusações.
A Comissão Nacional de Enfrentamento à Violência no Campo, ligada ao Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), esteve na semana passada na região para ouvir os moradores do Projeto de Assentamento (PA) Ressaca, próximo à Altamira (PA), sobre as supostas práticas de assédio e violência cometidas pela empresa canadense Belo Sun na aquisição das terras onde pretende instalar a mina.
A coordenadora da comissão, Cláudia Dadico, afirmou acreditar que a tendência é que o Ibama rejeite a licença. Ela é diretora do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).
“Nós fizemos uma reunião com a presidência do Ibama que nos deixou otimistas. Ainda não é uma posição oficial, mas tudo está se encaminhando para que essa licença não seja concedida. A gente buscou essa informação antes de vir falar com vocês”, declarou Cláudia durante a missão do grupo, conforme vídeo gravado pelos moradores e obtido pela reportagem.
O Ibama admitiu que existiu a reunião, mas não confirma que a decisão sobre o licenciamento foi tomada. O processo de análise ainda está em andamento e o órgão costuma só divulgar a decisão final, sem comentários de tendência.
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Comitiva vigiada
Enquanto a comitiva se dirigia para visitação da região conhecida como Vila Ressaca, um grupo armado de vigilantes da empresa de segurança Invictus, a serviço de Belo Sun, acompanhou o trabalho da comissão que caminhava pela vila e interagia com as pessoas.
A comissão era acompanhada por agentes da Polícia Federal, que chegaram a abordar os vigilantes.
A Belo Sun afirmou, por meio de nota, que os funcionários da Invictus se deslocam da base para a região da Vila da Ressaca como rotina de trabalho e que é “inevitável a passagem da equipe de segurança pela frente da área do referido acampamento”. Afirma também que “isso não quer dizer que houve uma orientação da empresa para que a Invictus acompanhasse a visita; a Invictus apenas cumpre sua rotina de trabalho.” E que não houve qualquer mal-estar entre a empresa e a Polícia Federal. A íntegra da nota pode ser lida aqui.
A companhia disse ainda que, como detentora dos direitos minerários na região, é responsável pelas áreas e atividades, inclusive a degradação ambiental que as atividades de garimpo causam. Disse também que a companhia precisaria “se respaldar e documentar todo e qualquer crime ambiental cometido ali para apresentar aos órgãos responsáveis”. Segundo a empresa, o “papel da Invictus é tão somente o de monitorar a área, tendo convivência pacífica com as comunidades locais. Estranhamos também que a Comissão não tenha visitado e conhecido as atividades de garimpo ilegais na região, que constituem uma forma explícita de violência no campo.”
A área é contestada pela ouvidoria do MDA, que defende a anulação do contrato que entregou 2.428 hectares de terras da União para Belo Sun extrair ouro em uma área reservada para um assentamento de reforma agrária. A comissão obteve relatos de denúncias “coerções, violências e desintrusões ilícitas”.
O que dizem os moradores
Um dos relatos é do pescador Orlando Rodrigues Lima, de 36 anos. Ele mora em Belo Monte I, na região de Anapu. “A calamidade dessa Volta Grande não é pequena não. O nosso sustento é o rio e como vocês viram, ele está morrendo. Hoje os peixes não se alimentam se a gente não jogar fruta na água para eles. A gente precisa da ajuda de vocês”.
“Aqui somos ameaçados. Já queimaram nossas coisas, escondemos os barcos para não sermos agredidos. Mas desse território a gente não sai. Esse peixe que vocês comeram hoje a gente demorou dois dias para pescar. Essa é a nossa realidade”, conta Sebastião de Aú, liderança indígena da região.
Outro caso relatado é o de Francisco Pereira da Silva, conhecido pela comunidade por “Piauí”, que morreu em 24 de maio. Sua filha, Daliane Morais da Silva, relatou que o pai era vigiado por pessoas favoráveis à operação da mineradora.
“Meu pai morava lá desde 1985 e vivia bem até aparecer esse negócio da Belo Sun, que queria tirar o povo da área. [Ele ] era presidente da Associação de Moradores e presidente da Associação dos Garimpeiros. O pessoal da Belo Sun começou a ir atrás dele. Vigiavam ele até no trabalho, aí ele fez boletim de ocorrência pedindo medidas protetivas porque tinha medo de ir trabalhar e não voltar para casa”.
Em 2020, Silva sofreu uma agressão violenta por pessoas favoráveis ao empreendimento da Belo Sun, segundo a filha. Sua casa foi saqueada e seus pertences roubados, e ele ficou depressivo. “A casa dele foi roubada e levaram tudo. Aí ele ficou muito triste. Ele só vivia tendo dor de cabeça, aí sofreu um AVC [acidente vascular cerebral] e nunca mais ficou bom”, comentou Daliane.
Antes de seu estado de saúde piorar, Silva gravou um vídeo denunciando o assédio que vinha sofrendo como líder comunitário. “Como cidadão brasileiro, eu tenho o direito de existir. Eu quero proteção. Quero que eles [Belo Sun] assinem um termo de que se algo acontecer comigo eles serão responsabilizados. Pessoas já morreram na região e eu não quero ser a próxima vítima”, dizia Silva no vídeo.
A Belo Sun afirmou que esperava a visita da comitiva, mas que “estranhou” o grupo não “ter dialogado com as lideranças das Associações Comunitárias, tais como a AMARVGX e Juruara – legítimos representantes da comunidade da Ressaca”. A manifestação completa da empresa pode ser lida aqui.
Em relação às acusações dos assentados sobre sofrer intimidações, assédio moral e físico, a empresa afirmou que “jamais praticou ou mandou praticar qualquer ato do tipo, repudiando qualquer tipo de violência contra quem quer que seja”. Afirmou também que o advogado da empresa já esteve no acampamento e se colocou à disposição para dialogar com os acampados.
A Belo Sun disse ainda que está na região há mais de 12 anos e durante esse período foram “realizadas audiências públicas, oficinas participativas, cursos profissionalizantes e diversas ações sociais que visam levar o mínimo de dignidade a uma região que é esquecida até pelo poder público”. E afirmou também que a empresa “não considera que a sua presença na região piorou a vida de qualquer pessoa na área”.
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