Trabalhadores de Congonhas seguem sob risco de atropelamento, diz fiscalização

Fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego afirmam que concessionária responsável por Congonhas não cumpre medidas para evitar atropelamentos de funcionários na pista; Empresa entrou na Justiça para suspender fiscalização que já dura três meses
Por Marcio Kameoka | Edição Carlos Juliano Barros
 12/07/2024

RESPONSÁVEL desde outubro do ano passado pela administração do aeroporto de Congonhas, na capital paulista, a concessionária espanhola Aena não vem cumprindo medidas para garantir mais segurança aos funcionários que atuam nas pistas do terminal de voos, afirmam auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). 

A Aena também é acusada pelo sindicato dos aeroportuários de pressionar e até demitir empregados contrários às mudanças implementadas pela empresa no regime de trabalho dos funcionários. 

Desde março, o aeroporto passa por uma inspeção. Em abril, todas as faixas de pedestres usadas por trabalhadores no pátio de aeronaves foram interditadas pelos fiscais do MTE, por risco de atropelamento. 

Nessas faixas, também atravessadas por veículos transportando bagagens e outras cargas, uma funcionária terceirizada que atuava na limpeza de aeronaves morreu depois de ser atingida por um caminhão de combustíveis, em julho de 2023. Na época, o aeroporto ainda era administrado pela Infraero, estatal brasileira. Porém, os fiscais avaliam que, mesmo após a Aena assumir a concessão, o perigo persiste.

“Em Congonhas, se ‘normalizou’ que os trabalhadores circulem a pé ao longo do pátio de aeronaves, mas isso gera um enorme risco de atropelamento”, explica Filipe Nascimento, auditor fiscal do MTE que integra a equipe que inspeciona o aeroporto. Um vídeo obtido pela reportagem mostra um fiscal de pista orientando um avião, em meio ao trânsito dos veículos.

Questionada, a Aena respondeu em nota que “cumpre rigorosamente todas as normas e regulamentos da aviação civil e passa por inspeções periódicas da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), atestando o cumprimento de todas as exigências regulatórias de segurança para passageiros e trabalhadores que atuam no aeródromo”. Leia a íntegra aqui.

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Fiscalização já dura mais de três meses

Em abril passado, depois de interditarem as faixas de pedestres, os auditores fiscais do MTE determinaram que os funcionários que atuam nas pistas fossem transportados por veículos ou circulassem por meio das pontes de embarque, também chamadas de ‘fingers’. 

A nota da empresa diz que, “desde o primeiro momento, a concessionária acatou integralmente todas as determinações. A Aena proibiu o trânsito de pessoas entre as posições de parada das aeronaves, colocou ônibus para circulação interna e mudou a faixa de pedestres de lugar”. O texto sustenta ainda que, “sob gestão da Aena, não houve nenhum incidente com vítimas no aeroporto de Congonhas”. 

Porém, segundo a fiscalização, os funcionários continuam circulando a pé entre as aeronaves, mesmo nas faixas interditadas, como mostra outro vídeo obtido pela reportagem.

O transporte providenciado pela concessionária também é alvo de críticas: além de não passarem com frequência, os ônibus não param em todos os locais necessários para acessar as aeronaves, o que obriga os trabalhadores a caminhar pelo pátio, em desacordo com as determinações dos auditores do MTE.

“Nossa equipe tinha a expectativa de concluir a operação em pouco tempo, contando com a iniciativa da concessionária em resolver um problema tão grave”, afirma o auditor Felipe Nascimento. 

A Aena, no entanto, entrou com uma ação na Justiça do Trabalho para suspender a fiscalização em Congonhas. Questionada sobre esse assunto específico, a empresa não se manifestou.

‘Funcionários estão sofrendo pressão’

Depois de meses de negociação, um acordo coletivo com os aeroportuários, envolvendo Congonhas e os outros dez terminais que a Aena administra desde o final de 2023, foi assinado em abril. Porém, ainda há pendências a serem definidas, principalmente sobre temas como escalas e compensações das jornadas de trabalho da categoria.

A Aena apresentou uma proposta de dois regimes, escolhidos de acordo com a necessidade da própria concessionária. O primeiro tem o formato 4×2: quatro dias trabalhados e dois dias de folga, com expedientes de 9 horas diárias. Já o segundo é o de 2×2: dois dias trabalhados e dois dias de folga, com turnos de 12 horas diárias. 

Aprovada pelos trabalhadores dos dez outros aeroportos administrados pela concessionária, a oferta foi rejeitada pelos funcionários de Congonhas. Como se tratava de uma negociação única, os aeroportuários do terminal da capital paulista foram voto vencido.

“Eles fizeram uma reunião em abril para ‘apresentar’ a proposta deles de acordo coletivo e de escala. A gente votou contra. Mas eles ameaçaram mesmo para que a gente aceitasse, se não iam tirar benefícios”, relata um ex-funcionário de Congonhas, que pediu para não ser identificado. 

Segundo Antonio Macedo, diretor do Sindicato Nacional dos Aeroportuários (Sina), atualmente os fiscais de pista em Congonhas estão sujeitos a uma escala não amparada pelo acordo coletivo, no sistema 2×1: dois dias em serviço e um de folga, com 9 horas de jornada. 

“Para os trabalhadores de pista, é algo que não só é ilegal, como é imoral e humanamente impossível de cumprir”, critica Macedo. Segundo informações da própria Aena, a média de voos diários em Congonhas foi de 590, ao longo de 2023. “A pressão no pátio de aeronaves é muito grande. O fiscal de pista, que antes acompanhava um ou dois ‘fingers’, agora precisa monitorar três ou quatro”, complementa o sindicalista. 

“As pessoas que usam o aeroporto não sabem a que custo estão acontecendo as mudanças em Congonhas. Elas não sabem que os funcionários estão sofrendo pressão, ficando doentes, inclusive com transtornos psiquiátricos”, conta outro ex-funcionário do aeroporto ouvido pela reportagem que também pediu para não ser identificado. 

Em maio, alguns profissionais que questionavam as propostas da Aena foram demitidos, sem justa causa. “Basicamente, a Aena despediu as pessoas que pediam mudanças na proposta de acordo coletivo, melhores condições de trabalho, esse tipo de coisa”, conta um dos desligados.

O diretor do sindicato diz que há um clima de medo entre os funcionários em Congonhas. “Eles têm receio de se manifestar e de serem despedidos”, diz. Macedo afirma ainda que o sindicato vem orientando funcionários demitidos a entrarem na Justiça contra a Aena. As denúncias sobre assédio e perseguição também estão sendo investigadas pelos auditores do MTE. Questionada especificamente sobre esse assunto, a Aena não respondeu. 

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Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil