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Lula veta parágrafo do Super Simples que prejudicaria fiscalização do trabalho

Criada para simplificar a cobrança de impostos, Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas trazia cláusula que poderia facilitar a impunidade de quem desrespeita a legislação trabalhista
Por Iberê Thenório
 15/12/2006

O presidente Luís Inácio Lula da Silva vetou, nesta quinta-feira (14), um parágrafo da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, também conhecida como Super Simples, que poderia gerar transtornos à fiscalização do trabalho. A lei, criada para simplificar a cobrança de impostos, também traz mudanças na atuação dos auditores do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), e foi aprovada com ressalvas pelo presidente.

Um dos vetos de Lula foi dado ao segundo parágrafo do artigo 55, que trata da fiscalização do trabalho para as micro e pequenas empresas (empreendimentos que faturam até R$ 2,4 milhões por ano). O texto previa que auditores fiscais do MTE não poderiam mais multar micro e pequenas empresas quando encontrassem, pela primeira vez, irregularidades trabalhistas. Em vez disso, eles deveriam negociar com os empregadores uma plano de regularização. As únicas exceções à nova regra seriam os casos em que houvesse reincidência, risco ao empregado ou quando o patrão não tivesse assinado a carteira de trabalho.

No lugar de uma autuação, o trecho suprimido pelo presidente previa que o fiscal do trabalho elaboraria uma Notificação de Orientação: "(…) caso seja constatada alguma irregularidade na primeira visita do agente público, este formalizará Notificação de Orientação para Cumprimento de Dispositivo Legal, conforme regulamentação, devendo sempre conter a respectiva orientação e plano negociado com o responsável pela microempresa ou empresa de pequeno porte". Esse contrato entre o MTE e o empregador seria similar aos Termos de Ajuste de Conduta (TACs), aplicadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), em que empresas se comprometem a se enquadrar dentro da lei.

Se fosse aprovada, a nova lei deslocaria o poder de negociação que hoje cabe ao MPT para os auditores fiscais e impediria que grande parte das multas trabalhistas fosse aplicada. "Negociar a aplicação não é papel da fiscalização, pois ela existe para exigir o cumprimento da lei", explica Rosa Maria Jorge, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait).

A suspensão do parágrafo foi recomendada pelo MTE e em sua justificativa de veto o presidente concorda que aquele trecho poderia prejudicar a fiscalização do trabalho: "Ao atribuir caráter negocial a esse plano, o Projeto de Lei cria a possibilidade de um conflito entre a fiscalização e o empregador – microempresário ou empresário de pequeno porte – que tende a dificultar, senão inviabilizar, a atividade fiscalizadora do Estado".

Mais um veto
Um outro projeto de lei que tramita na Congresso pode prejudicar o trabalho dos auditores fiscais do MTE. É o documento que trata da criação da "Super-Receita". O projeto prevê que nenhum auditor fiscal do trabalho poderá mais reconhecer vínculos empregatícios entre empregados e patrões. O projeto já passou pelo Senado e aguarda votação no plenário da Câmara.

O combate ao trabalho escravo pode ser uma das áreas prejudicadas caso a "Super-Receita" entre em vigor. Uma emenda do projeto de lei diz que o único órgão autorizado a reconhecer vínculos empregatícios será a Justiça do Trabalho, restrição que, na prática, poderia tornar ineficaz a fiscalização realizada pelo MTE. Seria anulado um grande instrumento de repressão do ministério em relação à escravidão, que são as multas trabalhistas aplicadas durante as ações do grupo móvel de fiscalização. Em qualquer caso em que não houvesse um contrato formal, como a assinatura da carteira de trabalho, os auditores ficariam impedidos de autuar o empregador.

Sem poder afirmar que há relação de trabalho entre o empregador e o empregado, os auditores não podem emitir carteiras de trabalho provisórias – comum nessas operações – e exigir pagamento das rescisões contratuais. Esse pagamento só seria realizado se algum empregado entrasse com uma ação na Justiça do Trabalho e o processo fosse julgado até a última instância, o que poderia levar anos. Considerando o temor que muitos desses trabalhadores sentem de seus patrões na região de fronteira agrícola amazônica – devido à violência com que comumente são tratados – dificilmente um deles entraria com um processo contra o empregador.

A presidente do Sinait, que já esteve no Congresso tentando convencer deputados e senadores a barrar a emenda, prevê que a lei seja aprovada na íntegra na Câmara. Nesse caso, a única hipótese da fiscalização do trabalho não sair prejudicada seria, novamente, um veto de Lula. "O presidente precisará de muito apoio para reconhecer que, se aprovada essa emenda, haverá um forte incentivo à flexibilização da lei trabalhista", avalia Rosa.

Veja na íntegra o texto do veto dado pelo Presidente Lula

Leia o texto integral da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas

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