RESENHA

‘Água é vida’ retrata luta de ambientalistas contra corporações na América Latina

Documentário narra a história de três ativistas ambientais em uma batalha desigual pela preservação da água contra os interesses econômicos de poderosas corporações; Filme será exibido na sexta-feira (23) em festival no Rio de Janeiro
Por Rafael Argemon*
 20/08/2024

“PRIMEIRO, NOSSO TERRITÓRIO foi invadido pelos espanhóis. Agora são as empresas. Antes vieram roubar nossa terra, agora nossa água”. Séculos de exploração dos povos indígenas e do meio-ambiente são resumidos logo na primeira frase do documentário “Água é Vida”. O filme passou pela Mostra Ecofalante, em São Paulo, e nesta sexta-feira (23) será exibido em outro importante festival de cinema ambiental, o FilmAmbiente, realizado no Rio de Janeiro entre 22 e 28 de agosto.

A frase é de Alberto Curamil, cacique mapuche e um dos três protagonistas do filme de Will Parrinello, premiado documentarista norte-americano que há 30 anos aponta sua câmera para refletir sobre questões ambientais e sobre como elas nos afetam. Principalmente os povos originários, os maiores guardiões na luta pela preservação da natureza.

Além dele, o documentário – vencedor de festivais de cinema como Mill Valley, FINCA e Isla Verde – retrata a luta de outros dois ambientalistas notáveis: Francisco Pineda e Berta Cáceres. Em diferentes partes da América Latina, eles enfrentam desafios em defesa da água contra grandes corporações e governos que ameaçam os recursos naturais de suas comunidades. A água, elemento central da narrativa, é apresentada não apenas como um recurso essencial, mas como um direito fundamental.

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“Água é Vida” utiliza imagens poderosas das paisagens naturais que esses ativistas – Alberto Curamil no Chile, Francisco Pineda em El Salvador, e Berta Cáceres em Honduras – lutam para proteger, contrastando-as com cenas das ameaças industriais e dos impactos devastadores da exploração desenfreada.

A direção de Parrinello enfatiza a relação íntima que as comunidades indígenas e rurais têm com a água e a terra. Isso se reflete em depoimentos emocionantes de seus protagonistas e companheiros dessa eterna luta entre Davi e Golias que, ao contrário do que acontece na famosa passagem bíblica, muitas vezes termina com Golias vencendo na base da pura força bruta do poder econômico.

Destacando o isolamento e a vulnerabilidade dessas comunidades diante das forças econômicas globais, o documentário de Parrinello mostra que a luta por justiça ambiental está intrinsecamente ligada às questões de direitos humanos e soberania. Curamil, Pineda e Cáceres representam movimentos que desafiam o status quo e expõem políticas de exploração voltadas única e exclusivamente ao lucro de conglomerados estrangeiros, com a anuência de governos locais.

Mas há espaço para vitórias nessas batalhas contra os Golias corporativos. É o que nos conta Pineda em um momento crucial na luta que ele e seus companheiros travam contra a Pacific Rim, gigante norte-americana que tenta a qualquer custo extrair ouro em El Salvador. Mesmo vencendo algumas delas no âmbito legal, muito sangue é derramado. Pineda, por exemplo, vê diversos de seus companheiros serem mortos.

Curamil, após conseguir brecar o ímpeto do governo de direita chileno que privatizou a água no país, acaba injustamente preso por um crime que não cometeu. Já Cáceres, uma famosa ativista na luta do povo lenca, acaba se tornando uma mártir na desigual queda de braço com a Desa. Hidrelétrica hondurenha apoiada pela chinesa SinoHydro, a empresa é uma das diversas concessões de exploração energética dadas por um governo que se estabeleceu com um golpe militar.

“Água é Vida” se insere em uma longa tradição de resistência indígena e campesina na América Latina. A luta contra a expropriação de terras e recursos naturais remonta a séculos de colonialismo e neocolonialismo. O documentário contextualiza as lutas dos três ativistas dentro desse marco mais amplo. As histórias narradas no filme refletem a continuidade dessa resistência, agora intensificada pelas ameaças da globalização e das mudanças climáticas.

O impacto do documentário vai além da tela, atuando como um chamado à ação. Ao documentar as lutas de Curamil, Pineda e Cáceres, o filme não apenas nos informa, mas também nos inspira a se envolverem na defesa do meio ambiente.

Um filme poderoso e necessário que articula a interseção entre meio ambiente, direitos humanos e política através de histórias humanas de pessoas que, mesmo contra tudo e contra todos, conseguem mobilizar suas comunidades rumo a uma realidade em que o meio-ambiente e o ser humano são um só organismo. Mesmo que ainda o tratemos como uma mera ferramenta em busca de um tal progresso que nos prova diariamente que é, na verdade, nossa ruína.

* Rafael Argemon é jornalista e administrador do perfil no Instagram ‘O Cara da Locadora’ (@caradalocadora)

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