Unaí – Uma caminhada silenciosa encerrou, às 15h deste domingo, 28 de janeiro, os eventos de lembrança do terceiro ano de luto pela morte dos auditores fiscais do trabalho Eratóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares Lage, Nelson José da Silva e do motorista Ailton Pereira de Oliveira, na cidade mineira de Unaí.
A passeata partiu da Igreja Matriz e terminou em frente ao Fórum da cidade. Os manifestantes caminharam em silêncio durante todo o trajeto, muitos deles com uma faixa preta com a inscrição “Julgamento já” cobrindo a boca.
Protesto marca os três anos do assassinato de três auditores fiscais e um motorista. Até hoje, não houve julgamento dos acusados. (Foto: Fábio Pozzebom/ABr) |
O silêncio só foi rompido no fim do percurso, quando se formou uma grande roda e os nomes das quatro vítimas foram invocados, ao que o grupo respondeu “Presente, presente, presente!”.
Essa foi a parte política do evento, que havia sido iniciado ainda de manhã, por volta das 11h30, com um culto ecumênico na encruzilhada em que os fiscais sofreram a emboscada, em 2004. Lá, numa pequena estrada vicinal na zona rural de Unaí, quatro cruzes demarcam o local exato dos assassinatos.
Cerca de 150 pessoas de diversos estados brasileiros – e inclusive de outros países – compareceram ao ato, que foi coordenado pela Delegacia Regional do Trabalho em Minas Gerais (DRT/MG), pela Associação dos Auditores Fiscais do Trabalho de Minas Gerais (AAFIT/MG) e pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait). Havia forte representação de outros sindicatos e movimentos sociais.
Local da chacina, em estrada rural de Unaí, foi visitado por cerca de 150 pessoas (Foto: Fábio Pozzebom/ABr) |
Segundo Carlos Calazans, delegado regional do trabalho na época da chacina, a manifestação faz parte de um compromisso assumido logo após a tragédia. Ele conta que saiu em busca da cena do crime alguns dias depois do acontecido para descobrir sua localização exata. Assim, um mês depois, voltou com um grupo de cerca de dez pessoas, incluindo Elba Soares, viúva de Nelson, um dos mortos, e fincou as quatro cruzes.
“Tomamos a decisão enérgica de cobrar as autoridades e, desde aquele dia, nos comprometemos a voltar todo mês, até que o crime fosse esclarecido”, relata Calazans. Sua peregrinação durou cinco meses, pois, em julho de 2004, a Polícia Federal (PF) concluiu o inquérito e apontou os oito primeiros acusados – aos quais foi acrescentado o nome de Antério Mânica, atual prefeito de Unaí, dois meses mais tarde. Mas a descoberta da PF redundou em mais uma responsabilidade para Calazans: retornar todo dia 28 de janeiro até que os culpados fossem devidamente julgados. “Tomara que isso acabe logo, mas, se não terminar, nós transformaremos Unaí em um exemplo de luta por justiça para todo o Brasil”, garante ele.
Após uma série de cânticos religiosos e de discursos emocionados, esse momento do ato terminou com a distribuição de rosas brancas aos manifestantes, que as depositaram ao redor das cruzes, ao som do Hino Nacional. De lá, os participantes retornaram à cidade para a caminhada.
Crime organizado e agronegócio
Para Dom Tomás Balduíno, da CPT, há forte ligação entre o agronegócio local e a emboscada aos auditores (Foto: Fábio Pozzebom/ABr) |
Um dos pontos altos do culto ecumênico foi a presença de Dom Tomás Balduíno, missionário símbolo dos movimentos sociais e ex-presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Falando do barranco em que estão as quatro cruzes, sua vista não pôde deixar de perceber a vastidão de plantações de soja margeando a estrada onde ocorreram os assassinatos. E, para ele, há uma forte ligação entre essa força local do agronegócio e a morte dos auditores. “Diante do crime organizado, a sociedade tem que se organizar na luta pela vida, contra a destruição do cerrado e também pelos direitos dos trabalhadores”, afirma. E em Unaí, de onde a família Mânica comanda o comércio internacional de feijão, essa organização se faz ainda mais necessária.
Dom Tomás também engrossa o coro de críticas, que pautaram muitas das falas dos presentes, dirigidas à lentidão na marcação do julgamento. “Nosso judiciário tem que superar essa pecha de submissão ao capital”, ataca ele.
Auditores unidos
Três anos depois da chacina, é consenso entre a maior parte dos auditores fiscais que o crime criou um marco divisório que alterou sensivelmente o modo de funcionamento das fiscalizações.
Antônio Lambertucci, atual delegado regional do trabalho, avalia que “a atual situação está mais complicada, na medida em que se exige da DRT muito mais esforço de planejamento e muito mais atenção para não expor fiscais”. Segundo ele, ameaças que antes não eram levadas em conta, por serem consideradas atos intempestivos de empregadores, atualmente são encaminhadas à PF.
O delegado alerta também para uma redução do impacto da fiscalização, porque agora é necessário mandar grandes equipes para o campo. “Tivemos que praticamente dobrar o número de auditores por equipe, mais os oficiais da PF, o que gera maior custo de combustível e diárias. Com isso, o gasto do Estado com certeza aumentou”, atesta Lambertucci.
Em um dos discursos mais inflamados do culto, a presidente do Sinait, Rosa Maria Jorge, denunciou o sucateamento em que atualmente se encontram as DRTs pelo Brasil e a falta de condições para exercer as fiscalizações devidamente. “Nunca vi alguém pedir para trabalhar, mas é o que nós, auditores, estamos fazendo. Queremos meios adequados para desempenhar nossa função”, reivindica ela.
Também foram os problemas comuns no exercício da fiscalização do trabalho que reuniram os auditores de diversos países da América do Sul, através da Confederação Ibero-Americana dos Inspetores do Trabalho (CIIT). Hoje, a entidade serve como fórum de intercâmbio de experiências e formas de atuação, bem como de críticas às carências da área em todas as nações representadas.
Eduardo Fernandes, uruguaio e tesoureiro da organização, veio ao Brasil para assistir ao ato em nome de seus quatro colegas mineiros. Ele lembra que a notícia do crime foi terrivelmente recebida pelos fiscais do trabalho em seu país, e conta que a situação é também de insegurança no Uruguai, apesar de nunca ter culminado em uma tragédia como a de Unaí. “Fui ameaçado com pistolas contra a cabeça durante uma fiscalização na colheita de laranja na província de Salto. Fomos expulsos da propriedade, impedidos de realizar nosso trabalho”. E analisa: “num mundo globalizado, as formas de se produzir capital geram os mesmos problemas trabalhistas em todos os países, e também os mesmos meios de opressão contra quem fiscaliza essas violações”.
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