Impunidade III

Lei que inibe fiscalização do trabalho é inconstitucional, dizem especialistas

Com a aprovação da emenda, atuação dos auditores fiscais será esvaziada no combate a empregadores escravagistas. "É um incentivo legal à fraude", define presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho
Por Carlos Juliano Barros
 13/02/2007

Renomados juristas e procuradores, a pedido da Repórter Brasil, analisaram a emenda ao projeto de lei da "Super Receita" que impede auditores fiscais do trabalho de apontar a existência de vínculo entre patrões e funcionários, caso constatem algum tipo de irregularidade durante suas ações. De acordo com o texto aprovado hoje em votação na Câmara, apenas a Justiça do Trabalho terá competência para determinar se uma pessoa é ou não empregada de outra.

Os especialistas responderam a duas perguntas básicas. A primeira trata da legalidade da emenda. A segunda, por sua vez, aborda as conseqüências que a medida pode acarretar para o combate ao trabalho escravo e para a defesa dos direitos dos trabalhadores em geral. Na opinião de Marcus Orione, juiz federal e chefe do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, a emenda viola as normas que regem as relações de trabalho. "Se há legislação prevendo as conseqüências decorrentes da não formalização da relação de emprego, será possível ao fiscal a tomada das providências legais cabíveis. A análise do ato ilegal e a sua punição não é prerrogativa exclusiva do Judiciário", explica.

Para o presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Sebastião Caixeta, a emenda fere um dos preceitos sagrados da República – a separação dos Três Poderes – "na medida em que vincula, previamente, a atividade de fiscalização do Poder Executivo ao Poder Judiciário". Já o juiz do Trabalho e também professor da USP, Jorge Souto Maior, lembra que "a atuação do Estado, efetiva e concreta, para fazer valer a ordem jurídica trabalhista é preceito fincado na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948".

De acordo com Souto Maior, a emenda também confere uma "presunção de legalidade" aos empregadores que não cumprem o que mandam as regras, já que a emenda transfere ao funcionário, parte mais "fraca" na relação de emprego, a responsabilidade de contestar as condições de trabalho quando elas não forem as ideais. Para o professor, cabe aos agentes administrativos do Executivo o papel de defender – acionando a justiça se necessário – aqueles que não podem abrir mão do seu posto e que, por essa razão, acabam se submetendo a condições degradantes de serviço.

Os juristas também apontaram outros problemas decorrentes da aprovação da emenda. Marcus Orione, por exemplo, avalia que a medida representa uma "quebra do pilar da atual política do combate ao trabalho escravo, já que o fiscal do trabalho não poderá tomar qualquer medida imediata contra a ausência de relação de emprego patente nestas hipóteses". Caixeta é ainda mais duro na sua análise, ao considerar a emenda uma espécie de "incentivo legal à fraude". Ele também prevê que a Justiça do Trabalho ficará sobrecarregada por processos que atualmente são solucionados durante as próprias fiscalizações realizadas pelos agentes do Ministério do Trabalho e Emprego.

"Haverá reflexos negativos em várias áreas onde a fiscalização se mostra vital, como, por exemplo, no combate ao trabalho escravo", afirma Nicolao Dino, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). "As atividades de auditoria têm que ser estimuladas, e não restringidas. A emenda aprovada é, pois, um flagrante retrocesso."   

Para Souto Maior, o mais importante é destacar que a emenda aditiva pretende, de forma assumida, deixar impunes os descumpridores dos direitos dos trabalhadores. "A quem isso interessa? À sociedade brasileira, como um todo, certamente não é. Diria, sem exagero, que, só pelo fato de existir, a emenda representa um crime contra a humanidade", sentencia o juiz.

Para ler as respostas completas dos especialistas, clique nos links abaixo:

Comentário de Jorge Souto Maior, juiz do trabalho e professor do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

Comentário de Marcus Orione, juiz federal e chefe do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

Comentário de Nicolao Dino, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR)

Comentário de Sebastião Caixeta, presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT)

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