5 ações para o Brasil enfrentar a crise climática e reduzir emissões do agro

Cerca de 74% das emissões do país estão relacionadas de alguma forma ao setor agropecuário, o que coloca o Brasil como o 6º maior emissor de gases de efeito estufa do mundo. Especialistas apontam pontos chaves em que o governo precisa agir
Por Hélen Freitas | Edição Paula Bianchi
 20/01/2025

APESAR DE NO DISCURSO o Brasil se comprometer a “retomar o protagonismo na luta contra a crise climática”, como prometeu o presidente Lula na posse, o governo tem evitado enfrentar de forma mais incisiva o principal responsável por suas emissões de gases de efeito estufa: o agronegócio.

Dados do Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima) mostram que 74% das emissões do país estão relacionadas ao setor agropecuário. Este cenário coloca o Brasil como o sexto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo.

As emissões do agronegócio são atribuídas em grande parte à fermentação entérica do gado, popularmente conhecida como “arroto” do boi. Somam-se a isso as mudanças no uso da terra, como o desmatamento provocado pela agricultura e a pecuária, e o uso de fertilizantes sintéticos.

Na avaliação de diversos especialistas ouvidos pela Repórter Brasil, a distância entre o discurso e as ações do governo brasileiro para combater a crise climática fica mais evidente no caso do agronegócio. 

“A agenda climática, de uma certa maneira, avança mais lenta na agricultura do que em outros setores”, afirma o economista e coordenador de estudos e pesquisas sobre trabalho e meio ambiente do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) Nelson de Chueri Karam. 

Para Karam, isso se deve em parte ao poder econômico e político do setor, que acaba atrasando a implementação de medidas para conter as mudanças climáticas. “O agro se coloca mais como vítima do que propulsor de uma parte desse desequilíbrio [nas emissões]”, pondera.

Ex-vice presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), a cientista Thelma Krug frisa a necessidade de ações estruturais. “Quando a gente fala em combater a mudança do clima, o setor [agro] vê isso muito como uma penalidade e não como oportunidade. Ou seja, como a gente vai reduzir nossas emissões, como vai contribuir”, afirma. 

Para Krug, é preciso entender que o impacto no agronegócio será inevitável dada a velocidade com que o aumento da temperatura média global está acontecendo no mundo todo – e agir de acordo.

Listamos cinco ações prioritárias para o Brasil enfrentar a crise climática e aumentar a participação do agronegócio neste processo.

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Segurar o desmatamento do agro

Só o desmatamento responde sozinho por 46% das emissões de gases do efeito estufa no país, o que levou o governo brasileiro a colocar como meta zerar todo o desmatamento até 2030.

Em abril de 2023 a União Europeia aprovou uma norma que proibiria a entrada no mercado europeu de produtos como carne bovina, cacau, café, óleo de palma, soja, borracha e madeira provenientes de áreas desmatadas — legal ou ilegalmente — a partir de 30 de dezembro de 2024. De acordo com o Regulamento da União Europeia sobre Produtos Livres de Desmatamento (EUDR), as empresas irão precisar comprovar por meio de documentos e dados de geolocalização que seus produtos são livres de desmatamento e que não houve infrações de direitos humanos, como o uso de mão de obra análoga à escravidão na produção.

Atendendo a pedidos do governo brasileiro, porém, o parlamento europeu decidiu adiar por um ano o EUDR. As ações brasileiras vieram na esteira de fortes pressões de representantes do agronegócio, que vinham criticando a medida desde a sua aprovação.  

Em setembro, os ministros das Relações Exteriores e da Agricultura enviaram uma carta à cúpula da União Europeia pedindo a não implementação da lei. Segundo eles, a nova lei é “unilateral, punitiva e discriminatória”. Semanas depois, o presidente Lula pediu o adiamento à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. O bloco econômico negou a princípio, mas cedeu em novembro. 

A assessoria de comunicação da Presidência respondeu à Repórter Brasil que o objetivo da carta foi revisar a abordagem punitiva aos produtores que cumprem o Código Florestal, vigente desde 2012. “A complexidade das ações exigidas pelo bloco inviabiliza o processo de exportação, penalizando, sobretudo, pequenos e médios produtores em processo de desenvolvimento”. Leia a resposta na íntegra.

Segundo o Observatório do Clima, a aplicação da regulamentação não criava exigências técnicas intangíveis, mas, pelo contrário, baseia-se em estruturas de transparência já estabelecidas. Além de ir de encontro ao plano do país de acabar com o desmatamento até o final da década. 

“A quase totalidade dos proprietários rurais do Brasil não têm nada a perder com a legislação da UE [União Europeia] – ao contrário, têm mercado a ganhar em relação a concorrentes internacionais que desmatam”, afirma a organização em nota. Para o Observatório do Clima, há grandes chances desse adiamento enfraquecer o EUDR até torná-lo sem efeito.

Fortalecer o “cep das florestas”

O CAR funciona como um “CEP das florestas”, e é utilizado para a regularização ambiental de imóveis rurais. (Foto: Fer Ligabue/Repórter Brasil)

Especialistas apontam que uma forma de criar mais barreiras para o desmatamento e consequentemente reduzir as emissões de gases de efeito estufa seria a validação dos Cadastros Ambientais Rurais (CAR). Estendido para o Brasil todo com a aprovação do Código Florestal em 2012, o cadastro atua como um “CEP das florestas”, e é utilizado para a regularização ambiental do imóvel rural. 

A partir do CAR, as autoridades de controle ambiental podem identificar autores de desmatamento e queimadas irregulares, cruzando as informações declaradas com imagens de satélite. 

A inscrição é autodeclaratória e os estados devem, com o apoio do governo federal, validar os cadastros. Contudo, desde a promulgação do Código Florestal, apenas  3,3% dos mais de 7 milhões de cadastros tiveram a análise concluída, seja por equipe ou por ferramentas de automatização, segundo o Climate Policy Initiative. E durante os dois primeiros anos do governo Lula a situação não foi diferente.

A inscrição no CAR passou a ser uma informação essencial para ter acesso a determinadas políticas públicas, ao crédito rural e à obtenção de licenças e autorizações administrativas. Porém, a falta de validação do cadastro permite que desmatadores ilegais e imóveis rurais cadastrados em sobreposição a terras indígenas e unidades de conservação – o que não é permitido pela legislação – tenham acesso a políticas econômicas do Estado.

Investigações da Repórter Brasil mostraram, por exemplo, que donos de fazendas na Amazônia alteraram o perímetro de suas propriedades no CAR e “apagaram” embargos do Ibama sobrepostos com o objetivo de facilitar a venda da produção e obter financiamentos.

“Se você não sabe quem é o proprietário daquela terra, pra quem você manda multa?”, questiona Krug. Um levantamento do jornal Folha de S. Paulo mostra que apenas 1 em cada 4 inquéritos abertos por desmatamento ou queimadas na Polícia Federal aponta os responsáveis pelos respectivos crimes.

Dar transparência à rastreabilidade bovina

Além da emissão de gases de efeito estufa, em especial o metano gerado por meio do “arroto” do boi, um dos grandes gargalos do setor pecuário é o controle do desmatamento relacionado à sua cadeia produtiva. Imagens de satélite analisadas pelo MapBiomas revelaram que mais de 90% do desmatamento da Amazônia entre 1985 e 2023 foram para a abertura de pastagens.

Atualmente, a rastreabilidade bovina é feita por meio do Guia de Trânsito Animal, documento gerido pelos estados, e por iniciativas individuais de frigoríficos, dois sistemas que identificam a movimentação de lotes de animais. Especialistas de diversas áreas defendem a divulgação dos dados dos como uma forma de defesa da saúde pública, além de possibilitar o acompanhamento ambiental da atividade pecuária e gerar mecanismos que garantem o bem estar animal. Hoje essas informações não ficam disponíveis em bases públicas e os estados, no geral, se negam a disponibilizá-las. 

Cerca de 90% do desmatamento da Amazônia entre 1985 e 2023 teve relação com a abertura de pastagens. (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)

Em dezembro, o Ministério da Agricultura (Mapa) lançou o Plano Nacional de Identificação Individual de Bovinos e Búfalos (PNIB). Com o PNIB, os pecuaristas deverão colocar na orelha de cada animal “brincos” ou “bottons” com numerações únicas, com ou sem chip, para identificá-los individualmente. O prazo para desenvolvimento e adesão ao plano, porém, é 2032, dois anos após a meta do Brasil de zerar o desmatamento. Questionado pela reportagem sobre esse e outros pontos envolvendo esforços da pasta para reduzir as emissões, o Mapa não retornou até a publicação desta reportagem.

Além de considerar o prazo extenso, Marina Guyot, gerente de políticas públicas do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola), afirma que ainda não está muito claro o que será feito caso seja detectada alguma irregularidade e qual a celeridade e apoio que o governo vai dar para que os produtores possam se regularizar.

“O que acontece com quem não estiver em conformidade? O governo vai apontar quais são os caminhos de regularização? Vai dar celeridade? Porque também tem uma questão de ineficiência do Estado, muitas vezes, nos processos de regularização”, afirma Guyot.

Procurado pela reportagem, o Ministério de Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) afirmou que vem atuando em paralelo ao Ministério da Agricultura para garantir a origem da carne e sua relação com o desmatamento. “O Ibama desenvolve novos métodos de fiscalização aos frigoríficos que atuam em áreas prioritárias para controle do desmatamento. Um exemplo é a Operação Carne Fria, que busca coibir o desmatamento a partir da fiscalização da cadeia que produz ou comercializa gado procedente de áreas desmatadas ilegalmente na Amazônia”. Leia a nota completa.

Reduzir o uso de agrotóxicos

Há mais de 10 anos, o país vem tentando aprovar o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara) que sofre forte oposição do Ministério da Agricultura desde a sua criação. 

Em 2024, foi a vez da Secretaria de Defesa Agropecuária negar a inclusão do programa no Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo). Segundo fontes ouvidas pela reportagem, foi necessária a intervenção do presidente Lula para que o Mapa aprovasse o programa.

Além das contaminações ambientais, o uso de agrotóxicos na agricultura tem aumentado as emissões do Brasil. Os fertilizantes sintéticos nitrogenados estão entre as maiores fontes de emissões da agricultura, com 37,6 milhões de toneladas de dióxido de carbono emitidos em 2023, um aumento de 0,7% em relação ao ano anterior, segundo dados do Seeg

De acordo com dados da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), o Brasil é líder mundial no uso de agrotóxicos, tendo consumido mais de 800 mil toneladas dessas substâncias em 2022, o equivalente a 22% do volume mundial total.

Mas esse cenário não impediu o governo de renunciar a mais de R$ 25,7 bilhões de impostos do setor até agosto do ano passado, o que corresponde a 26% do total renunciado no período.

Estudo aponta o glifosato, agrotóxico mais vendido no Brasil, como uma das substâncias mais frequentemente associadas a abortos espontâneos (Foto: Vitor Dutra Kaosnoff/Pixabay)
O Brasil é responsável pelo consumo de 22% do volume total de agrotóxicos usados no mundo. (Foto: Vitor Dutra Kaosnoff/Pixabay)

Segundo Rogério Dias, presidente do Instituto Brasil Orgânico e integrante da comissão de agroecologia, a aprovação do Pronara está prevista para março. Contudo, ele prevê resistências do setor, mesmo após a entrada do presidente no processo de negociações. 

Ele lembra que os problemas com o Mapa, a Reforma Tributária e as eleições municipais fizeram com que as negociações atrasassem e o programa fosse adiado três vezes em 2024. “A gente precisa necessariamente que o Ministério da Agricultura assuma alguns compromissos”, afirma. “A intensificação do uso de agrotóxicos só é interessante para as fabricantes que ganham com isso. Não é vantajoso para mais ninguém”. 

Em resposta à Repórter Brasil, o Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) afirmou que “em prol de manter a competitividade internacional do agronegócio brasileiro, o Ministério da Agricultura volta-se a apoiar a produção em larga escala e exportação de commodities, e este modelo de agricultura possui características específicas, como o uso intensivo de insumos químicos, como fertilizantes e defensivos agrícolas, para atender às demandas de produtividade e competitividade no mercado global”.

Para o MDA, apesar da relevância econômica do modelo convencional, ele apresenta desafios à saúde e ao meio ambiente que se contrapõem a iniciativas voltadas para a transição agroecológica e a produção orgânica. “No contexto das mudanças climáticas, um programa como o Pronara tem o potencial de ajudar o Brasil no alcance suas metas de redução de emissões de GEE, fortalecendo nosso compromisso com o Acordo de Paris”. Leia o posicionamento completo.

Atrelar o financiamento agrícola a boas práticas

O Plano Safra é o principal programa do governo federal para financiamento rural. Anunciado em 2024 como o maior plano da história, o programa de crédito foi apresentado como mais sustentável devido ao fortalecimento dos sistemas de produção ambientalmente responsáveis. Contudo, segundo especialistas, avançou quase nada para conter as emissões de gases de efeito estufa.

Cálculos do Instituto Talanoa mostram que menos de 2% do total de R$ 400,59 bilhões vão para o Programa para Financiamento a Sistemas de Produção Agropecuária Sustentáveis (RenovAgro), que financia iniciativas de baixa emissão de carbono.

A agricultura de baixo carbono é um sistema de produção que tenta diminuir ou minimizar as emissões de gases de efeito estufa com o objetivo de aumentar a conservação do solo, o sequestro de carbono da atmosfera e diminuir o uso de combustíveis fósseis e agrotóxicos, que são produtos derivados do petróleo e de minerais. 

Em seu posicionamento, o Ministério do Meio Ambiente afirmou que vem atuando na criação e fortalecimento de diversas medidas que fortalecerão o combate ao desmatamento e o cumprimento da meta assumida pelo governo federal de zerá-lo até 2030. Uma delas é o aprimoramento das normas do Manual de Crédito Rural em relação às exigências ambientais, que permitirá maior e melhor controle sobre as concessões de crédito rural a tomadores com histórico de desmatamento (ilegal e legal), segundo o órgão.

Para a coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo faltam, porém, contrapartidas ambientais aos produtores com acesso aos recursos do Plano Safra. “Eles trabalham com linhas específicas e reduzem os juros dos empréstimos para quem já pratica uma agricultura mais sustentável, mas dá para ser mais categórico do que isso. O governo deveria impor requisitos de baixo carbono como condição para os financiamentos agrícolas”, exemplifica.

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Ilustração: Rodrigo Bento