Nos últimos cinco anos, os dendezais tomaram conta da paisagem do nordeste paraense, apontado pelo Zoneamento Agroecológico da cultura como a região mais propícia ao seu desenvolvimento. Apoiada financeira e politicamente pelos governos estadual e federal, o dendê (ou palma), uma espécie exótica à Amazônia, ocupa, de acordo com o governo paraense, cerca de 166 mil hectares no Estado – um aumento de quase 100% em relação à área ocupada em 2008. Junto com a proliferação de grandes monocultivos de dendê , o solo da região nordeste do Estado passou a receber quantidades cada vez maiores de agrotóxicos e outros venenos, indispensáveis, segundo as normas agronômicas adotadas pelo setor, ao bom desenvolvimento e à produtividade da palmeira. O problema é um dos temas do relatório “Expansão do dendê na Amazônia brasileira: uma análise dos impactos sobre a agricultura familiar no nordeste do Pará”, produzido pelo Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis da Repórter Brasile divulgado na última quarta-feira, 12 de junho.
Não faltam relatos de indícios de contaminação entre os ribeirinhos. Na comunidade Murutinga, localizada à margem da rodovia PA-252 no município de Abaetetuba, moradores afirmam que mulheres que lavam roupa no igarapé de mesmo nome e que tangencia as plantações de dendê, têm se queixado frequentemente de coceiras e erupções na pele. “Já não da mais pra usar a água do Murutinga, tá tudo envenenado”, afirma seu Sebastião, dono de um restaurante na beira da estrada.
O problema se estende também aos moradores de comunidades vizinhas aos plantios, muitos dos quais estão vendendo suas áreas. Em Concórdia do Pará, o agricultor Antônio Ribeiro possui um pequeno lote na comunidade Castanhalzinho (próxima à comunidade quilombola Curuperé), localizado diretamente na fronteira de um grande plantio de dendê da empresa Biopalma Vale. Segundo Antônio Ribeiro, nos dias de aplicação de veneno no dendê a família tem sofrido com fortes dores de cabeça (“ontem mesmo passei 24 horas no hospital por conta da dor”), e não é possível manter nenhuma criação de aves, como galinhas e patos. “Eu até tentei, mas aí elas ficam doentes, começa a melar o bico, e elas morrem. Não sei dizer se é por causa do veneno, mas acredito que sim”, diz o agricultor. O principal problema da família, no entanto, é que a única fonte de água para consumo, um poço artesiano, está localizado a menos de 50 metros do dendezal.
O igarapé Curuperé, que passa no interior da área de dendê em questão, é um dos principais cursos d’água que alimentam a comunidade quilombola de Curuperé. Segundo José Francisco Maciel, dirigente da Associação de Remanescentes de Quilombos de Nova Esperança de Concórdia (Arquinec), a população local está apreensiva sobre a possibilidade de contaminação com agrotóxicos, principalmente sobre as crianças. “O igarapé é um dos principais locais de lazer da comunidade, há muito medo do que possa acontecer se suas águas estiverem sendo envenenadas”, explica Maciel.
Volume
De acordo com o técnico da Secretaria de Agricultura do Pará (Sagri), Arnaldo Martins, a média de aplicação de herbicida em um hectare de dendê é de 2 litros por ano, sendo feitas duas aplicações anuais. Tomando como base a estimativa da própria Sagri (166 mil hectares de dendezais), pode-se projetar que são ou serão aplicados todos os anos cerca de 332 mil litros/ano de herbicida na cultura, a depender de sua fase de desenvolvimento.
A isto, pode-se adicionar, na mesma lógica, outros venenos listados na tabela-referência de insumos para a dendeicultura na agricultura familiar, elaborada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). De acordo com o órgão, o dendê exige a aplicação de raticida em volume de 20kg em 10 ha, o que significa 33,2 toneladas/ano nos 166 mil ha de dendezais do nordeste paraense. A aplicação de inseticida (10 litros em 10 ha) totaliza 166 mil litros/ano; formicida isca (10 kg/10 ha), 166 toneladas/ano; e inseticida armadilha (12 cápsulas/10 ha), 19.920 cápsulas/ano.
Estes cálculos obviamente são imprecisos em função da peculiaridade de cada área produtiva e da idade dos dendezais. Além disso, as indicações da Embrapa se baseiam em unidades familiares, e estima-se que o uso de venenos nos grandes plantios seja bem maior. Fato é que a aplicação de agrotóxicos em áreas anteriormente pouco atingidas por estes produtos, com alta ocorrência de cursos d’água e altos índices de pluviosidade, pode estar se tornando um risco para comunidades na região, apontam agricultores, ribeirinhos e quilombolas.
Baixe o relatório: “Expansão do dendê na Amazônia brasileira: uma análise dos impactos sobre a agricultura familiar no nordeste do Pará”