AO MENOS DEZ ESCOLAS municipais de Porto Alegre (RS) mantêm aparelhos de ar-condicionado em caixas há anos, em razão da precariedade da rede elétrica, denuncia Isabel Medeiros, diretora da Atempa (Associação dos Trabalhadores em Educação do Município de Porto Alegre).
Enquanto isso, alunos, docentes e funcionários sofrem com o calor extremo dentro da sala de aula. A capital gaúcha tem previsão de calorão para esta semana, quando os termômetros podem chegar a 40°C. A situação levou a Justiça a adiar o início do ano letivo na rede estadual para a próxima segunda-feira (17).
“Essa decisão é uma proteção fundamental para a segurança e o bem-estar de toda a comunidade escolar, diante de um cenário onde escolas não possuem a estrutura para enfrentar temperaturas que podem ultrapassar os 40°C”, afirma Luiz Henrique Becker, diretor do CPERS (Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul), que entrou com o pedido de adiamento das aulas.
Para piorar, quase metade das escolas públicas e privadas do município (47%) está localizada em “ilhas de calor” – quando um local registra ao menos 3,57ºC a mais de temperatura do que a média urbana da mesma cidade –, de acordo com um estudo do Instituto Alana.
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A EMEF (Escola Municipal de Ensino Fundamental) Profª Ana Íris Do Amaral, no bairro Protásio Alves, armazena 22 aparelhos de ar-condicionado sem uso desde 2022, informa a associação dos servidores municipais da educação.
O Conselho de Escola da unidade já solicitou providências à Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre, mas o problema não foi resolvido. Até o ano passado, oito salas não tinham sequer ventiladores, agora instalados, diz o sindicato.
O filho de Celina Beatriz Souza de Oliveira Braga, de oito anos, é um dos alunos da escola. “No fim do ano passado, ele chegou em casa um dia e disse: ‘mãe, passei mal no colégio de tanto calor’. Imagina uma criança de sete anos te falar uma coisa dessas?”, indigna-se.
“A Ana Íris é uma escola muito boa, o ensino é bom. O problema é o calor. Como tu vai querer que teu filho estude numa escola assim, onde ele fica passando um calorão e não tem um ventilador decente? Onde tem vários ventiladores estragados, e quando chamam para arrumar, demoram um tempão?”, protesta Braga.
Ela trabalha como monitora em outra instituição de ensino da cidade – a EMEI (Escola Municipal de Educação Infantil) Santo Expedito –, e sente a diferença. “Lá tem ar-condicionado, não tem nem comparação. A Ana Íris tem uma fiação elétrica super antiga, e por isso não comporta a instalação de ar-condicionado. Só tem na direção. Os ventiladores sempre estragam. Na verdade, até tem ar-condicionado, mas estão todos na caixa”, reclama.
Braga afirma que nunca ouviu falar de qualquer plano da prefeitura porto-alegrense de reforma da rede elétrica da escola. “O que fizeram foram umas salas novas, chamadas ‘modulares’, que são horríveis de quente. E meu filho vai estudar em uma delas em 2025”.
Adotadas em várias cidades brasileiras sob caráter emergencial, as salas modulares são montadas em pouco tempo e permitem a ampliação de vagas e o atendimento em turno integral na rede pública de ensino. Em março de 2024, foram inaugurados seis desses equipamentos na escola Ana Íris do Amaral.
No entanto, há queixas sobre o calor em seu interior. “São verdadeiros fornos. É muito desagradável”, diz Medeiros, da Atempa. Segundo ela, o calor e o frio excessivos nas escolas são pautas de reivindicação do sindicato há muitos anos.
A prefeitura foi procurada para comentar as informações, mas não respondeu. O espaço segue aberto a manifestações.
![Salas modulares construídas pela prefeitura de Porto Alegre são ainda mais quentes, segundo relatos de pais e docentes (Foto: Divulgação/Pedro Piegas/PMPA)](https://reporterbrasil.org.br/wp-content/uploads/2025/02/escola-porto-alegre-1024x681.jpg)
Novas escolas deveriam ser adaptadas às mudanças climáticas
Em 2013, o Conselho Municipal de Educação de Porto Alegre emitiu uma resolução que definia normas para a criação de novas escolas públicas. Entre as determinações, o documento estabelecia que o planejamento das edificações deveria estar “em consonância com princípios da arquitetura sustentável”, prevendo, entre outros pontos, o conforto térmico. No entanto, esse item “nunca foi levado a sério pelas administrações municipais”, segundo Medeiros.
A dirigente da Atempa conta que em 2024 visitou escolas infantis e sentiu na pele o calor excessivo. “Os tetos eram muito baixos. Nós mesmos ficamos com mal-estar. São escolas que cuidam de bebês”, afirma ela, que faz a ressalva de que algumas unidades com ar-condicionado foram construídas mais recentemente por meio do Programa Proinfância, do MEC (Ministério da Educação).
Uma das escolas da rede municipal, exemplifica, tem um prédio que é chamado de “crematório”. Durante os meses mais quentes, suas salas sequer são utilizadas, e a direção reorganiza as crianças em outros espaços. Também há instituições de ensino antigas cujas janelas basculantes estão emperradas. “Não pode abrir totalmente para ventilar, nem fechar totalmente em dias de chuva.”
Na rede estadual, há escolas em situação parecida. “A rede elétrica é insuficiente para comportar instalação de ar-condicionado e ventiladores, não há ventilação nas salas, e há estrutura precária em banheiros em grande número de escolas”, diz Becker, dirigente do sindicato estadual.
Em nota à imprensa, a Secretaria Estadual de Educação do Rio Grande do Sul afirmou que vai recorrer do adiamento das aulas, destacando que “42% dos estudantes encontram-se em situação de vulnerabilidade social, sendo a escola um espaço de acolhimento e segurança, onde os pais confiam no aprendizado de seus filhos enquanto trabalham”.
A secretaria diz ainda que prioriza a segurança de alunos e profissionais da educação e que adota medidas preventivas, como ampliação da hidratação, fornecimento de alimentação leve e suspensão de aulas de educação física. “Casos pontuais de infraestrutura nas escolas são de conhecimento da pasta e tratados um a um, com a devida importância que o tema impõe”, diz o texto.
“O governo está construindo um modelo de escola resiliente, adaptável às mudanças climáticas, com adequações na infraestrutura escolar, no currículo e reforço em ações de apoio socioemocionais”, continua a nota.
Termômetros nas salas de aula
Em outra escola de ensino fundamental de Porto Alegre, a Nossa Senhora do Carmo, no bairro Restinga, a equipe decidiu fazer um diagnóstico do desconforto térmico durante os meses mais quentes do ano, antes de reivindicar a instalação de aparelhos de ar-condicionado.
“Nós consideramos que pedir ar-condicionado para a Secretaria Municipal de Educação não adiantaria, no sentido de que todas as escolas pedem, pois é claro que todas necessitam. Então, precisaríamos levantar dados para mostrar o quão quente é. Foi quando, no fim do ano passado, a gente escreveu um projeto”, conta a diretora Lizeane Borges Fortes.
Termômetros foram colocados nas salas mais quentes, onde, relata ela, alunos chegam a se sentir mal. Os dados serão coletados até abril deste ano, e os resultados serão encaminhados para a gestão municipal da capital gaúcha.
Por volta das 14h45 de 6 de fevereiro deste ano, o termômetro de uma das salas marcava a temperatura de 33,7ºC, com umidade relativa do ar de 61%, informou Fortes à reportagem. Já o índice de calor, que é a temperatura sentida pela combinação entre a temperatura aparente do ar e a umidade relativa do ar, estava em 42º.
Ela acrescenta que a medição foi realizada com janelas abertas, ventiladores de teto ligados, sem a presença de estudantes e em um dia nublado, “quando o desconforto térmico é muito mais ameno do que em dias de sol”, diz a diretora.
“Pelos menos é uma tentativa, porque se a gente não apresentar nada, eles nem vão ficar sabendo que a situação da escola é essa. Se vamos ter um retorno, não dá para dizer, né? Porque as coisas são bem lentas”, diz ela, pontuando que é preciso fazer uma reforma elétrica na escola antes de instalar equipamentos refrigeradores.
![Termômetro mostra temperatura e umidade dentro de uma escola municipal de Porto Alegre em 6 de fevereiro (Foto: Arquivo pessoal)](https://reporterbrasil.org.br/wp-content/uploads/2025/02/termometro-escola-poa.jpg)
Desvio de verbas da educação agravou a precariedade das escolas
De acordo com a diretora da associação de servidores municipais da educação, as condições precárias da maioria dos prédios onde as escolas da capital gaúcha funcionam foram agravadas pelo escândalo de corrupção na Secretaria Municipal de Educação entre 2017 e 2021, durante as gestões de Nelson Marchezan Jr. (PSDB) e Sebastião Melo (MDB), atual prefeito.
Segundo as investigações, foi desviado R$ 1,5 milhão em verbas que deveriam ser utilizadas para reformas estruturais e elétricas em escolas, mas que nunca foram realizadas ou foram mal feitas.
Essa é uma das razões para que as cerca de dez instituições de ensino municipais mantenham aparelhos de ar-condicionado guardados, diz Isabel Medeiros. A história dos aparelhos guardados foi revelada em 2023 pelo jornal Zero Hora, mas a diretora da associação diz que há escolas com ar-condicionado encaixotado há seis anos. “Nem se sabe se esses aparelhos vão funcionar quando puderem ser instalados, porque estão parados, e muitos até obsoletos”, denuncia.
Em nota enviada à imprensa em novembro do ano passado, a Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre afirmou que os acusados pelos desvios foram identificados pela prefeitura, que afastou os servidores e promoveu mudanças nos processos de destinação de verbas extras às escolas.
As escolas municipais de Porto Alegre enfrentam ainda outros problemas. “Muitas vezes, falta água potável, ao ponto de algumas direções terem de chamar carros-pipa para encher as caixas d ‘água. A prefeitura promete grandes obras por meio de parcerias público-privadas, mas isso não se efetivou”, diz Medeiros, recordando que a rede de ensino também foi afetada pelas enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul no ano passado.
A falta d’água atinge uma escola municipal da periferia da cidade uma vez a cada três semanas, estima um de seus professores, que prefere não se identificar. Isso acontece tanto por falhas de abastecimento no bairro quanto por problemas na caixa d’água da unidade, conta.
Nessas ocasiões, o horário de funcionamento da escola é reduzido, ou as turmas são dispensadas o dia inteiro – nesses casos, as aulas são repostas aos sábados. “A gente fica sem poder beber água ou fazer almoço”, explica ele.
A escola é uma das muitas cuja rede elétrica não suporta a instalação de ar-condicionado nas salas de aula. E os ventiladores, além de não darem conta do calor, muitas vezes quebram. “É insuportável ficar lá, especialmente no turno da tarde. Não tem como concentrar, não dá para trabalhar muito. Eu bebo muita água, Em dias muito quentes, vai uma garrafinha por cada um ou dois períodos, tenho de ficar enchendo o tempo todo”, conta.
O docente afirma ainda que não há uma boa circulação de ar nos prédios da unidade, e se queixa da falta de árvores. “A maior parte do pátio é de chão batido, não tem grama, não tem árvores. Se tivesse, iria melhorar bastante o calor.”
Em resposta à reportagem, o Departamento Municipal de Água e Esgotos afirmou não haver “nenhum problema sistemático de fornecimento [de água] no bairro” onde a escola está situada.