Escolas voltam às aulas despreparadas para o calor, em meio a descaso de autoridades

Por Igor Ojeda
12/02/2025

Prédios antigos, com pouca circulação de ar. Edifícios sem ar-condicionado e com rede elétrica precária. Ventiladores quebrados e salas superlotadas. Quadras poliesportivas sem cobertura e falta d’água. A precariedade estrutural das escolas públicas brasileiras agrava a sensação de calor extremo nas salas de aula, em meio a recordes de temperatura.

A Repórter Brasil ouviu estudantes, familiares e docentes de instituições de ensino fundamental e médio de localidades nas cinco regiões do Brasil: Porto Alegre (RS), Manaus (AM), Paulista (PE), Brazlândia (DF) e Vitória (ES). Eles se queixam dos impactos do calor excessivo na saúde e no aprendizado e da negligência do poder público. 

Na avaliação deles, as escolas públicas brasileiras não estão preparadas para enfrentar as altas temperaturas dentro das salas de aula neste reinício de ano letivo ou nos próximos anos, em um contexto de aquecimento global

O ano de 2024 foi o mais quente já registrado, segundo dados do programa de monitoramento climático da Europa, o Copernicus: 1,6ºC acima da média do início da era industrial. Isso é 0,1ºC superior ao limite a partir do qual o IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas, considera que os danos ao planeta poderão ser irreversíveis.

O ano passado também foi o mais quente já registrado no Brasil desde 1961, de acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia.

Um estudo do Instituto Alana, lançado em novembro do ano passado, revelou que, em um terço das capitais brasileiras, ao menos metade das escolas (públicas e privadas) está localizada em “ilhas de calor”, quando um local registra ao menos 3,57ºC a mais de temperatura do que a média urbana da mesma cidade. 

Entre as escolas mais quentes, 78% não têm área verde ou têm menos de 20% de cobertura vegetal, segundo o levantamento. 

Porém, a estrutura da maioria das escolas não é adequada para garantir o conforto térmico de seus estudantes, docentes e funcionários. Dos 5.571 municípios brasileiros, 764 não contavam com aparelhos de ar-condicionado em nenhuma escola, segundo o Censo Escolar de 2022, do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). 

Por outro lado, 225 municípios tinham pelo menos 95% das salas de aula com o equipamento, evidenciando a desigualdade brasileira na oferta de educação.

Segundo os relatos ouvidos pela reportagem, mesmo em instituições de ensino que são climatizadas, os aparelhos não dão conta de refrigerar satisfatoriamente os ambientes: muitos funcionam mal, quebram com frequência ou são antigos. Salas superlotadas também contribuem para a ineficácia. 

Em muitos casos, a rede elétrica da instituição de ensino sequer suportaria a climatização. Por esse motivo, algumas escolas há anos armazenam aparelhos de ar-condicionado em caixas, já que não podem ser instalados. 

É o caso de uma escola municipal de Porto Alegre que mantém guardados 22 ares-condicionados desde 2022, segundo a Atempa (Associação dos Trabalhadores/as em Educação do Município de Porto Alegre). A volta às aulas na rede estadual do Rio Grande do Sul foi adiada em uma semana, por determinação da Justiça, em razão das altas temperaturas previstas para o estado esta semana. 

Em Manaus, uma aluna do terceiro ano do ensino médio de uma escola estadual, que tem asma, teve de voltar a usar a bombinha para atenuar os sintomas, que são intensificados pelo calor na sala de aula. Uma professora da rede municipal diz se sentir “sabotada” quando se vê obrigada a deixar a sala de aula e lecionar no pequeno espaço da biblioteca, em razão das altas temperaturas.

Um professor de geografia do ensino médio do município pernambucano de Paulista diz ter se sentido “culpado” quando uma aluna passou mal de calor, após ele pedir para que os ventiladores fossem desligados durante uma atividade de leitura.

Em Brazlândia, no Distrito Federal, Ruan, de nove anos, já sentiu tontura e teve de pedir para sair da sala, mesmo com o ventilador ligado. Nos dias mais quentes, sua vontade é deitar sobre a mesa e dormir, contou à mãe.

Já em uma escola de ensino fundamental de Vitória, uma professora de artes não consegue usar a sala própria para a disciplina que leciona nos meses mais quentes. Sem ar-condicionado, os alunos costumam pedir para desligar os ventiladores, para que o material usado por eles não voe.

E até na cidade mais rica do Brasil, São Paulo, a prefeitura de Ricardo Nunes (MDB-SP) cortou recursos que seriam aplicados em medidas de mitigação do calor em creches e escolas de ensino infantil. 

O resultado de todo esse descaso são crianças e adolescentes irritados, agitados e sem concentração, professores se desdobrando para dar aula nesse contexto e, em casos mais extremos, até estudantes e docentes passando mal e tendo de ser encaminhados ao pronto atendimento.

Adaptar a estrutura das escolas deveria ser uma prioridade do país, já que as altas temperaturas têm grande impacto na aprendizagem, avalia a neurocientista Lívia Ciacci. “Fechamos os olhos para algo que é muito óbvio. Mas com as mudanças climáticas, vai ficar insustentável e impossível ignorar”, afirma.

A Repórter Brasil publica neste mês uma série de reportagens sobre como o calor extremo tem afetado o aprendizado de crianças e adolescentes no país.

Expediente

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