DE ANTIOQUIA E HUÍLA (COLÔMBIA) – Localizada nas montanhas ao redor do município de Andes, no estado colombiano de Antioquia, a fazenda de café La Arboleda é certificada pela Rainforest Alliance, principal programa de certificação agrícola do mundo. Durante a safra, cerca de 500 pessoas são necessárias para colher todo grão produzido nesta que é uma das maiores propriedades do país. Em visita ao local, em janeiro deste ano, a Repórter Brasil constatou que os trabalhadores dormiam em galpões improvisados e usavam banheiros sem chuveiro.
Em janeiro deste ano, a reportagem percorreu as zonas cafeeiras de Antioquia e Huíla, dois dos principais estados que cultivam o grão no país, onde entrevistou dezenas de trabalhadores, cafeicultores, pesquisadores e representantes de organizações patronais e da sociedade civil. Os resultados da investigação podem ser lidos no relatório: Melhor do mundo? Alojamentos precários, longas jornadas e informalidade na colheita de café da Colômbia (disponível em português, inglês e espanhol), publicado nesta sexta-feira (27).
Anualmente, até 330 mil trabalhadores temporários, conhecidos como recolectores, atuam na colheita de café na Colômbia, o terceiro maior produtor do mundo, atrás do Brasil e do Vietnã.
O grande volume de produção nem sempre acompanha a garantia de direitos trabalhistas, apontam especialistas. Quando a Repórter Brasil esteve na La Arboleda, encontrou banheiros em que a água saía diretamente do cano e não era possível ajustar a temperatura.
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A propriedade contava com 12 alojamentos, que abrigam entre 60 e 80 trabalhadores cada. Um deles comportava 37 beliches. É nesse galpão, com pouco espaço para tanta gente, que os colhedores descansavam para recomeçar a jornada no dia seguinte.




Nenhum trabalhador temporário da La Arboleda atuava com contrato formal de trabalho, confirmaram à reportagem o gerente e o dono da propriedade, o empresário Rigoberto Luís Franco Arroyave.
Além da certificação Rainforest Alliance, Arroyave afirmou que a fazenda possuía diversos outros selos de certificação de boas práticas socioambientais, como dos programas 4C (sigla para Código Comum para a Comunidade Cafeeira) e C.A.F.E Practices, programa de aquisição de café da multinacional americana Starbucks. As certificações, em teoria, garantem que as fazendas foram vistoriadas e que foram confirmadas as “boas práticas” socioambientais ali oferecidas.
A Rainforest Alliance reconheceu que a La Arboleda é certificada pela organização. Em 2024, segundo o selo, uma auditoria realizada na propriedade já havia detectado inconformidades relacionadas a contratos de trabalho e acomodações.
Após tomar conhecimento dos fatos apresentados pela Repórter Brasil, a Rainforest Alliance disse que faria uma nova auditoria no local.
A 4C disse que a Fazenda La Arboleda foi certificada pela organização entre junho de 2023 e agosto de 2024, não estando ativa atualmente no programa.
A Starbucks respondeu que a La Arboleda não faz parte atualmente do programa C.A.F.E. Practices. A companhia não esclareceu quando a propriedade deixou de fazer parte do programa, afirmando apenas que o processo de verificação ocorre a cada um ou dois anos.
As declarações completas das certificadoras podem ser lidas aqui.
Além das entrevistas realizadas em janeiro, a reportagem também procurou posteriormente o dono da La Arboleda para comentar as condições de trabalho oferecidas nas propriedades, mas não houve resposta até a publicação desta reportagem. O espaço segue disponível para futuras manifestações.
Pouca ventilação e cozinha improvisada
Outra propriedade visitada foi a Finca Los Naranjos,localizada nas montanhas no entorno da cidade de Salgar, também no estado de Antioquia. O termo finca, em espanhol, indica uma propriedade menor, como um sítio em português. Uma placa em frente ao galpão onde os grãos da propriedade são ensacados aponta que ela é certificada pela Fairtrade International, um dos selos de certificação mais reconhecidos do mundo.
Na propriedade existiam dois alojamentos que abrigavam de 35 a 40 pessoas ao total. Em comum aos dois ambientes, estavam os beliches dispostos em quartos escuros e mal ventilados. Não havia armários para guardar itens pessoais. Para ter um pouco mais de privacidade, alguns trabalhadores improvisam cortinas com sacos de café.
“A principal característica [dos alojamentos no setor] é a de muitas pessoas em poucos metros quadrados”, ressalta Robinzon Lizarazo, professor de ciências sociais da Universidade SurColombiana, no estado de Huíla, e pesquisador das relações de trabalho no campo na Colômbia.


Já a Finca La Siberia fica localizada em Palermo, no estado de Huíla, maior produtor de café na Colômbia. Com seis hectares, são necessários até 15 trabalhadores temporários para a colheita. O cafeicultor Lucas Quintero Vargas, de 62 anos, administra sozinho sua propriedade. Ele afirmou que sua produção também tem selo Fairtrade.
A moradia oferecida aos trabalhadores da Finca La Siberia tinha beliches com colchões finos e sem roupa de cama. Duas camas também estavam na varanda do alojamento, protegida do vento apenas por panos. Os três banheiros disponíveis não tinham chuveiro instalado e nem porta. Na cozinha, os trabalhadores preparavam suas refeições em fogão à lenha.

Sem critérios para alojamentos
A Fairtrade International estabelece uma série de critérios sociais, mas não incluiu nenhum relacionado a condições de alojamento de trabalhadores sazonais nas regras que devem ser seguidas por produtores associados a organizações de pequena escala, como cooperativas. Esse é o caso das propriedades La Siberia e Los Naranjos, que entregam sua produção certificada, respectivamente, para a Cooperativa Departamental de Cafeicultores de Huíla e para a Cooperativa de Cafeicultores de Salgar, segundo relatos dos administradores das duas fazendas ouvidos pela reportagem.
Pequenos produtores também contratam mão de obra sazonal durante a colheita do grão. Na Finca Los Naranjos, explicou à reportagem o administrador, até 150 trabalhadores atuam por safra para colher os 300 mil pés de café da fazenda.
À Repórter Brasil, a Fairtrade International disse que “reconhece que precisa fazer mais para garantir que os benefícios da Fairtrade alcancem os trabalhadores em fazendas de pequenos produtores, incluindo trabalhadores temporários, sazonais e migrantes”. No entanto, apontou a organização, “muitos agricultores ganham muito pouco e alguns vendem apenas uma fração de seus produtos em termos Fairtrade e, portanto, exigir que eles forneçam acomodações para os trabalhadores é uma tarefa difícil”.
A Fairtrade International também disse que, no caso de produtores de pequena escala – como os cafeicultores associados às cooperativas –, as fazendas não são certificadas individualmente. Por esse motivo, afirmou ser necessária “uma investigação mais aprofundada para confirmar que as fazendas denominadas ‘Finca La Siberia’ e ‘Los Naranjos’ são de propriedade de membros de uma cooperativa certificada pela Fairtrade”.
A organização disse ter encaminhado os casos apresentados à FLOCERT, certificador independente e responsável por verificar violações às normas da Fairtrade. “Cada alegação é analisada caso a caso. Se forem constatadas violações de nossos padrões, agiremos de acordo”, respondeu a Fairtrade.
Os contatos dos donos da Los Naranjos, propriedade em que a Repórter Brasil conversou com os administradores, não foram localizados pela reportagem. Vargas, da La Siberia, reconheceu que os alojamentos na propriedade precisam ser melhorados e disse que pretende fazer isso em agosto, quando for finalizada a colheita do primeiro semestre em sua propriedade.
Pagamento por produção e próximo do mínimo nacional
Ganhando por produção, os trabalhadores que colhem o café colombiano estão sujeitos a longas jornadas de trabalho para obterem maiores rendimentos durante a safra. Em janeiro, quando a Repórter Brasil esteve na La Arboleda, os recolectores recebiam 1.400 pesos colombianos (equivalente a R$ 1,80) pelo quilo de café colhido na propriedade, o que renderia em média o salário mensal de 2,3 milhões de pesos (R$ 3 mil).
Na Colômbia, o salário mínimo nacional é de 1,4 milhões de pesos (R$ 1,8 mil), mas ganhos acima desse valor não são garantidos aos recolectores de café. Sem um salário mínimo estabelecido em contrato, é grande a variação dos rendimentos dos trabalhadores do campo. Eles podem colher menos café se há, por exemplo, dias seguidos de chuva ou se adoecem.
Um estudo publicado em 2022 pela OIT na Colômbia apontou que os recolectores de café do país pagos por produção podem ganhar inclusive abaixo do salário mínimo nacional. “Essa dependência do esforço individual, medido em quilos colhidos, pode fazer com que os trabalhadores vendam sua força de trabalho na entressafra em troca apenas de alimentação e hospedagem”, diz trecho da pesquisa.
“Está na lei o salário mínimo, mas isso nem sempre se cumpre”, acrescenta Fabio González, diretor do Ministério do Trabalho no estado de Antioquia.
*A investigação da Repórter Brasil foi acompanhada por integrantes da Voces por El Trabajo, organização que realiza pesquisas sobre condições de trabalho em diversos setores da economia colombiana, e apoiada pela Coffee Watch.
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