Comunidade de MG é reconhecida como quilombola após matéria da Repórter Brasil

Moradores de Santa Quitéria, em Congonhas, conquistaram uma importante vitória na luta contra os impactos provocados pela cobiça das reservas de ouro na região
Por Tamyres Matos
 22/07/2025

APÓS MESES de tensão e incerteza, Santa Quitéria, em Congonhas (MG), conquistou uma importante vitória: foi oficialmente reconhecida como comunidade remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares, órgão ligado ao Ministério da Cultura. A portaria, publicada na última sexta-feira (18), traz alívio aos moradores diante dos possíveis impactos da expansão da mineração na região.

A decisão ocorre meses após reportagem da Repórter Brasil revelar a ameaça de desapropriação de 261 hectares para o depósito de rejeitos de minério de ferro pela CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), autorizada por decreto do governador de Minas Gerais Romeu Zema. 

À época, o medo era de que Santa Quitéria “desaparecesse”, segundo relatos, devido à proximidade dos depósitos – oficiais de Justiça já haviam iniciado a contagem do prazo para moradores deixarem suas casas.

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Reconhecimento oficial

A Portaria FCP nº 187/2025, assinada em 16 de julho, reconhece o direito da comunidade à autodefinição como quilombola — um respaldo garantido por lei a grupos com ancestralidade negra e história de resistência ao longo dos séculos. O registro, agora oficial, abre caminho para proteção jurídica e acesso a políticas públicas que podem barrar ou, pelo menos, exigir maior participação e avaliação dos impactos de grandes projetos, como o da CSN.

Na prática, significa que qualquer medida de remoção passa a exigir consulta prévia à comunidade, além de garantir direitos específicos de proteção ao modo de vida tradicional local.

Impacto da reportagem

O reconhecimento acontece quatro meses depois da reportagem publicada pela Repórter Brasil. O texto expôs a situação dos moradores, a falta de transparência sobre os interesses minerários, e o medo de famílias — algumas ali há gerações — de perderem suas casas, tradição e identidade.

Os direitos para pesquisa de ouro em Santa Quitéria foram obtidos pela CSN em 2021, mas a empresa afirma que, desde 2023, vem solicitando à ANM a alteração do minério pesquisado para granito, argumentando que não há e não haverá exploração de ouro — informação ainda não atualizada nos registros públicos da agência. Essa divergência entre documentos oficiais e comunicações da mineradora alimenta a desconfiança dos moradores de Santa Quitéria, que receiam ser prejudicados por indenizações inadequadas caso a área seja destinada a atividades minerais de alto valor. 

Para a comunidade, a situação configura uma ameaça à conservação de seu território e modo de vida, enquanto a CSN aponta que as desapropriações estão sendo negociadas de forma “amigável” e que as pilhas de rejeitos representam um método mais seguro que as barragens tradicionais.

A repercussão da reportagem gerou articulação entre a comunidade, ações de parlamentares, como a deputada federal Duda Salabert (PDT-MG), e pressão a órgãos federais. 

“Acabo de receber a portaria da Fundação Palmares que certifica a autodefinição de Santa Quitéria como comunidade remanescente de Quilombo. Essa decisão vem após nosso mandato realizar reuniões com a ANM [Agência Nacional de Mineração] e Ministérios dos Direitos Humanos e Meio Ambiente para que a comunidade fosse ouvida sobre a absurda ordem de despejo pedida pela mineradora CSN. Não permitiremos que a mineração destrua a comunidade tradicional. Seguimos na luta!”, publicou Duda Salabert em suas redes sociais.

O reconhecimento por si só não encerra os riscos, mas impõe novas regras ao processo e fortalece Santa Quitéria em sua resistência contra pressões econômicas. A decisão significa que, a partir de agora, a comunidade não pode mais ser ignorada em decisões sobre seu território, precisando ser consultada — e, em muitos casos, podendo vetar ou condicionar obras que ameacem sua existência.

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