APÓS MESES de tensão e incerteza, Santa Quitéria, em Congonhas (MG), conquistou uma importante vitória: foi oficialmente reconhecida como comunidade remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares, órgão ligado ao Ministério da Cultura. A portaria, publicada na última sexta-feira (18), traz alívio aos moradores diante dos possíveis impactos da expansão da mineração na região.
A decisão ocorre meses após reportagem da Repórter Brasil revelar a ameaça de desapropriação de 261 hectares para o depósito de rejeitos de minério de ferro pela CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), autorizada por decreto do governador de Minas Gerais Romeu Zema.
À época, o medo era de que Santa Quitéria “desaparecesse”, segundo relatos, devido à proximidade dos depósitos – oficiais de Justiça já haviam iniciado a contagem do prazo para moradores deixarem suas casas.
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Reconhecimento oficial
A Portaria FCP nº 187/2025, assinada em 16 de julho, reconhece o direito da comunidade à autodefinição como quilombola — um respaldo garantido por lei a grupos com ancestralidade negra e história de resistência ao longo dos séculos. O registro, agora oficial, abre caminho para proteção jurídica e acesso a políticas públicas que podem barrar ou, pelo menos, exigir maior participação e avaliação dos impactos de grandes projetos, como o da CSN.
Na prática, significa que qualquer medida de remoção passa a exigir consulta prévia à comunidade, além de garantir direitos específicos de proteção ao modo de vida tradicional local.
Impacto da reportagem
O reconhecimento acontece quatro meses depois da reportagem publicada pela Repórter Brasil. O texto expôs a situação dos moradores, a falta de transparência sobre os interesses minerários, e o medo de famílias — algumas ali há gerações — de perderem suas casas, tradição e identidade.
Os direitos para pesquisa de ouro em Santa Quitéria foram obtidos pela CSN em 2021, mas a empresa afirma que, desde 2023, vem solicitando à ANM a alteração do minério pesquisado para granito, argumentando que não há e não haverá exploração de ouro — informação ainda não atualizada nos registros públicos da agência. Essa divergência entre documentos oficiais e comunicações da mineradora alimenta a desconfiança dos moradores de Santa Quitéria, que receiam ser prejudicados por indenizações inadequadas caso a área seja destinada a atividades minerais de alto valor.
Para a comunidade, a situação configura uma ameaça à conservação de seu território e modo de vida, enquanto a CSN aponta que as desapropriações estão sendo negociadas de forma “amigável” e que as pilhas de rejeitos representam um método mais seguro que as barragens tradicionais.
A repercussão da reportagem gerou articulação entre a comunidade, ações de parlamentares, como a deputada federal Duda Salabert (PDT-MG), e pressão a órgãos federais.
“Acabo de receber a portaria da Fundação Palmares que certifica a autodefinição de Santa Quitéria como comunidade remanescente de Quilombo. Essa decisão vem após nosso mandato realizar reuniões com a ANM [Agência Nacional de Mineração] e Ministérios dos Direitos Humanos e Meio Ambiente para que a comunidade fosse ouvida sobre a absurda ordem de despejo pedida pela mineradora CSN. Não permitiremos que a mineração destrua a comunidade tradicional. Seguimos na luta!”, publicou Duda Salabert em suas redes sociais.
O reconhecimento por si só não encerra os riscos, mas impõe novas regras ao processo e fortalece Santa Quitéria em sua resistência contra pressões econômicas. A decisão significa que, a partir de agora, a comunidade não pode mais ser ignorada em decisões sobre seu território, precisando ser consultada — e, em muitos casos, podendo vetar ou condicionar obras que ameacem sua existência.
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