Troca de gestão fecha centenas de salas do Mova

Em São Paulo, Porto Alegre e Belém, turmas do Movimento de Alfabetização (Mova), voltado para jovens e adultos, foram encerradas depois que novos prefeitos assumiram as administrações. Razões vão de atraso no salário dos educadores a desconhecimento da relevância do programa
Por Fernanda Sucupira
 24/06/2005

Quando o educador Paulo Freire era secretário de Educação da cidade de São Paulo, na gestão petista da prefeita Luiza Erundina (1989-1992), foi criado o Movimento de Alfabetização (Mova), política pública que estabelece uma parceria entre sociedade civil e governos municipais para a alfabetização de jovens e adultos. De um lado, as organizações comunitárias ligadas a movimentos sociais indicam educandos vinculados às comunidades e organizam os cursos, e, do outro lado, as prefeituras oferecem formação continuada aos educadores e bancam os custos. A experiência se multiplicou e, desde então, foi desenvolvida por administrações populares em centenas de cidades pelo país.

As administrações mais conservadoras costumam dificultar a continuidade do trabalho dos Movas. Nesse ano, em que se iniciaram as novas gestões nas prefeituras municipais, a situação não foi diferente. De acordo com as coordenadorias locais dos Movas de algumas grandes cidades brasileiras, os problemas que vêm enfrentando são inúmeros. Elas denunciam que, em Belém, ocorreu a extinção do convênio com o Mova e o fim de mais de 300 classes; em São Paulo, o fechamento de mais de 200 turmas por rigidez da Secretaria de Educação ao seguir o número mínimo de alunos por sala; em Porto Alegre, o atraso no pagamento tem levado muitos educadores a desistirem. A Secretaria Municipal de Educação de Belém confirma o fim do convênio com o Mova, mas a paulista e a porto alegrense negam essas denúncias.

Quando o prefeito de Belém, Duciomar Costa (PTB), assumiu seu cargo, em janeiro desse ano, ele fechou mais de 500 salas de alfabetização de jovens e adultos. Mais tarde, reabriu 183 turmas que estavam ligadas ao programa Brasil Alfabetizado, que recebe recursos do governo federal. O convênio com o Mova, no entanto, que completou oito anos de existência na cidade, não foi renovado. Além disso, o Mova de Belém afirma que todos os educadores que trabalharam até dezembro de 2004, e teriam o direito de receber o salário no mês seguinte, não foram pagos. “É um governo anti-democrático e anti-popular, me assusta esse descaso pela alfabetização. Estávamos avançando para a superação do analfabetismo. Edmilson [Rodrigues, o ex-prefeito, do PT] dizia que iria zerar, o que é muito difícil, mas chegaríamos muito próximos a isso”, acredita Adelaide Laís Parente Brasileiro, da coordenação do Mova de Belém.

Segundo a coordenadora de Educação da Secretaria Municipal de Educação e Cultura (Semec) de Belém, foram criadas 17 turmas de alfabetização, num programa piloto da prefeitura, e serão abertas no segundo semestre mais 247. Elas não estarão ligadas ao Mova porque não foram encontrados relatórios sobre a situação dos alunos que freqüentavam os cursos de alfabetização do movimento. “Se tivesse funcionado, teríamos um grupo de professores vindo montar turma. A gente ainda não entendeu direito o que é o Mova, não está claro o que é isso”, afirma Lucidea Santos. Quanto à falta de pagamento dos educadores, diz que cerca de 100 deixaram de receber pelo mês de dezembro porque, além do prefeito anterior não ter deixado o dinheiro empenhado, não havia registro do trabalho deles.

Em São Paulo, a cidade brasileira que apresenta o maior número de analfabetos, chegando a 383 mil, a situação é bastante diferente. De acordo com Ionilton Gomes Aragão, da coordenação do Mova São Paulo, apesar da prefeitura de José Serra (PSDB) afirmar que não vai fechar salas de alfabetização de jovens e adultos, a partir de fevereiro desse ano, mais de duzentas turmas foram fechadas na capital paulista. Isso teria acontecido porque elas não tinham 15 alunos, mínimo exigido no convênio entre prefeitura e movimento. Quando uma turma de alfabetização não atinge esse mínimo, o representante da Secretaria de Educação que visita a sala de aula pode fazer um parecer desfavorável, e naquele mês o dinheiro correspondente a essa turma não é repassado. O educador precisa justificar as ausências dos alunos, e essa explicação pode ser aceita ou não por quem fiscaliza. Se a situação se repetir por três meses seguidos, e for concedido o parecer desfavorável nas três vezes, a classe é fechada. Na gestão anterior, a questão costumava ser discutida entre educadores e os responsáveis pela visita mensal. Atualmente, as justificativas não têm sido aceitas pela Secretaria, sendo que muitas dessas turmas, segundo Aragão, estavam com 12, 13 ou 14 alunos, número significativo.

“Há uma grande quantidade de salas que receberam o parecer desfavorável e isso vai tirando o oxigênio do movimento. Mesmo tendo trabalhado o mês inteiro, os educadores não recebem nem um centavo. Muitas salas perderam o convênio, mas continuam funcionando porque são antigas; algumas até com vinte anos de história. É responsabilidade do poder público fiscalizar seus investimentos, mas oito alunos também são alunos e têm o direito de estudar, e o ideal são as classes menores mesmo. Falta sensibilidade à prefeitura”, avalia Aragão.

Outro problema é a formação continuada, que na administração anterior ficava a cargo de organizações não governamentais, mas nessa gestão voltaram para a responsabilidade das Coordenadorias de Educação. Até o momento, de acordo com a coordenação do Mova na cidade, pouquíssimos cursos de formação têm sido realizados e em algumas regiões eles têm acontecido mesmo sem a ajuda do governo. A formação semanal prevê que uma vez por semana seja feita a avaliação do trabalho até ali e o planejamento das aulas seguintes.

Nas gestões de Celso Pitta e Paulo Maluf, que sucederam a prefeita Luiza Erundina, o Mova passou por situação ainda pior, pois deixou de receber recursos da Prefeitura por oito anos. Muitas salas foram fechadas, mas outras, mesmo sem a ajuda do poder público, conseguiram continuar. A tentativa agora, em São Paulo, é a de transformar o Mova numa lei para garantir sua continuidade independentemente da alternância entre partidos na gestão da Prefeitura Municipal. O movimento está discutindo essa proposta com alguns vereadores, entre eles Paulo Fiorilo (PT), para apresentar um projeto de lei à Câmara Municipal.

A Secretaria Municipal de Educação de São Paulo afirma que está sendo feita uma avaliação do Mova pelas coordenadorias da cidade, para reorganizá-lo de acordo com a freqüência dos alunos e a quantidade de salas necessárias, seguindo as exigências do contrato. Ela nega que haja uma política deliberada de fechar as salas de alfabetização. Existe, segundo ela, a recomendação de que seja feito o acompanhamento e a orientação dos educadores. “A maior parte das entidades são idôneas. No meio delas, algumas não se preocupam com a educação, mas com o convênio e não atendem as especificações do contrato”, justifica Erotides Pires de Amorim, diretora da divisão de Educação de Jovens e Adultos da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Ela também afirma que a formação continuada está ocorrendo normalmente em todas as coordenadorias.

Em Porto Alegre, por sua vez, o problema principal está na desistência dos educadores que têm seus pagamentos atrasados, segundo Paulo Renato Soares, da coordenação do Mova na capital gaúcha. Na gestão anterior, antes do educador começar a dar aulas de alfabetização, passava por duas semanas intensivas de formação, para que entendesse melhor a proposta política pedagógica do Mova. De acordo com Soares, esse período foi reduzido para apenas uma semana, a formação continuada semanal passou a ocorrer uma vez a cada quinze dias e a assessoria em sala de aula aos educadores foi extinta na gestão de José Fogaça (PPS). Os Conselhos de Economia Solidária, a partir dos quais haviam se formado cooperativas de educadores populares, também deixaram de existir. Por conta disso, diversas associações de moradores que faziam o convênio e muitos educadores estariam desistindo, resultando numa diminuição drástica do número de salas de aula.

“Em 2003 e 2004, com o orçamento do município a Prefeitura pagava os educadores, a formação e o material didático. Nos dois anos foram 700 mil reais para a alfabetização. Para o ano que vem, não tem nenhum rubrica indicando de onde virá o dinheiro para isso. Não sei o que vai ser do ano que vem, acho que eles vão tentar garantir só a verba pelo Brasil Alfabetizado”, denuncia Soares.

A Secretaria Municipal de Educação atribui os atrasos nos pagamentos à ausência de prestação de contas em alguns convênios. “Não podemos pagar sem a relação dos alunos, nem freqüência, nem declaração das entidades. Alguns convênios terminaram, mas vamos reativar com as entidades que desejarem”, garante Leda Maria Seffrin, coordenadora de Educação de Jovens e Adultos na Secretaria. Em relação à assessoria aos educadores, ela confirma que foi interrompida e diz que estão estruturando um grupo para realizar esse trabalho. A formação passou a ser quinzenal porque antes os educadores não compareciam todas as semanas. Segundo Leda, nenhuma turma foi iniciada até agora. Só estão dando continuidade aos convênios pré-existentes.

Da Agência Carta Maior

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