ESPECIAL – FSM 2009

Em Belém, Fórum Social assume traços amazônicos

Pela 1a. vez, o Fórum Social Mundial é realizado na Amazônia. Marcha de abertura que agitou a capital paraense selou o encontro definitivo entre o evento da sociedade civil com a riqueza e os graves problemas da região
Por Maurício Hashizume
 28/01/2009

 Leia Especial – Fórum Social Mundial 2009
Veja Galeria de fotos da Marcha de Abertura do FSM

Belém (PA) – A união entre o Fórum Social Mundial (FSM) e a Amazônia foi selada por uma longa marcha que saiu das margens do Rio Guajará, próximo à Estação das Docas, e parou o centro da capital do Pará, nesta terça-feira (27). Pela primeira vez, o encontro criado há oito anos pela sociedade civil como contraponto ao Fórum Econômico Mundial – que ocorre anualmente em Davos, numa estação de esqui dos Alpes Suíços que reúne executivos e arautos do mercado – ocupa o tão diverso quanto estratégico território amazônico.

De acordo com balanço parcial divulgado pelos organizadores do encontro, pelo menos 92 mil pessoas já se inscreveram oficialmente para participar do evento. Serão mais de 2,5 mil atividades nos próximos cinco dias de FSM, que já tomou conta dos espaços da Universidade Federal do Pará (UFPA) e da Universidade Federal Rural do Pará (UFRA).

E pelo que se viu nas ruas de Belém na marcha de abertura, as comunidades e etnias da Amazônia há muito aguardavam uma chance para mostrar muito mais da região do que as manjadas paisagens de cartão-postal. Diversos grupos – indígenas, ribeirinhos, assentados, atingidos por barragens, movimentos sociais, ativistas ambientais, etc. – que têm suas vidas direta ou indiretamente ligadas à floresta apresentaram uma avalanche de denúncias de impactos socioambientais que ameaçam a extensa região e clamaram por mudanças urgentes na relação dos seres humanos, de um modo geral, com a natureza.

De acordo com Gianfranco Poddighe, padre italiano da Diocese de Balsas (MA) que se juntou às mais de 50 mil pessoas, a marcha foi uma oportunidade especial para quem é da Amazônia. "A marcha de certa forma é um espelho do que está acontecendo. E o mundo inteiro está de olho", afirmou, ao final da marcha que reuniu dezenas de milhares de pessoas.

O padre trazia no peito uma camiseta pedindo a erradicação do trabalho escravo. "Já tivemos casos de mão-de-obra escrava na nossa região e consideramos importante fazer parte dessa iniciativa chamada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Maranhão", conta Gianfranco. Ele vive há sete anos no Sul do Maranhão e convive com problemas derivados da maneira insustentável como historicamente vem se dando a exploração das riquezas naturais e a violação de direitos básicos. Ele veio de ônibus com um grupo de 33 pessoas e está debutando no FSM. "É a primeira vez que participo, mas já conhecia o processo. Tinha e continuo tendo certeza de que vale a pena fazer parte de um processo que almeja um mundo melhor".

Debates "amazônicos" têm espaço especial na programação do FSM 2009. Esta quarta-feira (28) está reservada para o chamado Fórum Social Pan-Amazônico, um dia de discussões e abordagem de temas referentes à imensidão florestal que se espalha por nove países da América do Sul.

Apesar das edições anteriores específicas do Fórum Social Pan-Amazônico, esta é a primeira vez que o tema ganha tamanho destaque na versão global do encontro. Temas próximos do cotidiano das comunidades da região – como o impacto das grandes obras e o combate ao trabalho escravo – apareceram com força na abertura do Fórum.

Credibilidade
A abertura para a discussão de problemas mais localizados numa das regiões da Amazônia sem descartar reflexões e ações diretas contra os efeitos da crise econômica global caracteriza o encontro, adiciona Oded Grajew, que faz parte do Conselho Internacional do FSM. "O micro e o macro andam juntos no Fórum Social Mundial. E, na verdade, são partes diferentes da mesma crise (do paradigma de sociedade)".

Algumas outras partes desse mesmo problema chamaram atenção na própria marcha. Em frente às instalações de um dos principais grupos de comunicação do Pará (Organizações Romulo Maiorana) foi montado um forte esquema de segurança, que destoava do clima festivo da manifestação de rua por todo percurso. A associação do canal com o aparelho repressivo apenas reforçou a distância entre as bandeiras do FSM e a conduta das empresas da mídia comercial.

Outra face da "crise" citada por Oded está à vista de todos que passam (e passarão nos próximos dias) entre a UFPA e a UFRA, os dois centros principais de convergência do Fórum Social Mundial. Mesmo repleto de placas de obras governamentais e cercado de policiais, o bairro de Terra Firme expõe a quem quiser os problemas das periferias das grandes cidades: falta de estrutura de saneamento básico e outras políticas públicas, muita pobreza e exclusão social (que afeta especialmente as crianças), ocupação desordenada da terra, etc. O bairro do Guamá, vizinho da UFPA, apresenta características parecidas.

Os retratos da realidade pintados pelos manifestantes da marcha e presente no próprio entorno do Fórum mostram que a "crise" continua fazendo vítimas. Mesmo assim, Oded, que também faz parte do conselho do Instituto Ethos de Responsabilidade Social, vê sinais positivos
no horizonte.

"Quando o Fórum foi lançado, muitas vezes a iniciativa era pouco compreendida e até folclorizada", lembra Oded. Com a crise financeira, os graves problemas ambientais  e a mudança de governo nos Estados Unidos, o Fórum, segundo ele, ganhou "credibilidade".

Esta edição em Belém, reflete um dos membros da organização do evento, marca a consolidação do processo do Fórum como alternativa. A mensagem da mudança se ampliou, avalia Oded. Para ele, um conjunto de traduções desse sentimento estiveram presentes inclusive no discurso de posse do novo presidente dos EUA, Barack Obama. Valores como o respeito à diversidade, a confiança em negociações diplomáticas, a necessidade de mudança na matriz energética e providências com relação à desigualdade social. "É um sinal de que temos mais gente do nosso lado. Antes, ouvíamos apenas o discurso da liberdade total ao mercado".

Esta é a quarta vez que o Fórum Social Mundial ocorre em terras brasileiras, Em 2001, 2002 e 2003, o encontro foi realizado em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Em 2004, o evento internacional se deu em Mumbai, na Índia. Em 2005, o Fórum voltou para Porto Alegre. Em 2006, trës sedes –  Venezuela, Paquistão e Mali – dividiram a sede. Em 2007, o FSM foi para Nairóbi, no Quênia e, no ano passado, atividades concomitantes e espalhadas pelo mundo todo expressaram os anseios dos participantes do Fórum Social Mundial.

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