Bahia

Fazenda Estrondo coleciona crimes trabalhistas e ambientais

Casos de escravidão, desmatamentos ilegais e suspeitas de grilagem tornam a Fazenda Estrondo um símbolo da ocupação predatória do Cerrado. Conheça a problemática área do Oeste baiano que entrou duplamente na "lista suja"
Por Maurício Reimberg
 26/11/2009

Estrondo é o nome da cachoeira que batiza uma enorme área de mais de 230 mil hectares situada nas terras planas e valorizadas no Oeste da Bahia, região de franca expansão do chamado agronegócio. Fragmentado em dezenas de propriedades, o "condomínio" – que soma quase a extensão total de um país europeu como Luxemburgo – está situado mais precisamente em Formosa do Rio Preto (BA), próximo à divisa com o Tocantins. 

O histórico recente da fazenda, para além da herança recebida da beleza natural da localidade, também pode ser considerado tumultuado, repleto de agitações e flagrantes, em suma, um "estrondo". Pelo seu tamanho e pelos poucos beneficiários que se aproveitam da imensidão de suas terras, o local poderia ser só mais um exemplo da histórica concentração fundiária. No entanto, casos de escravidão, desmatamentos ilegais e suspeitas de grilagem tornam a Fazenda Estrondo um símbolo da ocupação predatória do Cerrado.

A mais recente denúncia contra a Estrondo gerou um fato inédito. Pela primeira vez, duas fazendas de um mesmo empreendimento agropecuário entraram simultaneamente na "lista suja" do trabalho escravo, cadastro do governo federal que lista infratores flagrados explorando esse tipo de crime. Em julho deste ano, na última atualização semestral, as Fazendas Indiana e Austrália – unidades da Estrondo que cultivam algodão e soja – foram incluídas. A Indiana obteve uma liminar e deixou a "lista suja" em agosto.

Os infratores entraram no cadastro do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)após a conclusão dos processos administrativos gerados a partir da situação encontrada pelos auditores fiscais do trabalho. Quem aparece na relação tem as portas fechadas para crédito público federal e enfrenta restrições comerciais das centenas de empresas e associações signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, em marcha desde 2005.

Catadores de raízes da Fazenda Austrália foram aliciados e viviam em barracos (Foto: MTE)

A Fazenda Austrália, da Companhia Melhoramentos do Oeste da Bahia (CMOB), que atua também com mineração na região, mantinha 39 trabalhadores escravos que catavam raízes para viabilizar a produção de soja. Já na Fazenda Indiana, sob a responsabilidade de Paulo Kenji Shimohira, houve 52 libertações da empreitada de capina de algodão. As unidades foram inspecionadas pelo grupo móvel, composto por auditores fiscais do MTE, procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) e agentes da Polícia Federal (PF).

Entre os 39 trabalhadores libertados na catação de raízes para a produção de soja na Fazenda Austrália, em outubro de 2005, havia três mulheres e um jovem de 16 anos. A soja é o principal produto cultivado pela propriedade. Por causa da violação dos direitos trabalhistas, a empresa desembolsou uma rescisão de R$ 38,2 mil. Segundo o MTE, os diretores da CMOB são Adilson Santana Borges, Claudia Vieira Levinsohn e Priscilla Vieira Levinsohn, residentes no Rio de Janeiro (RJ). Por trás deles, porém, está o empresário Ronald Levinsohn, que está à frente da UniverCidade (instituição privada de ensino superior com sede no Rio) e se envolveu no escândalo financeiro que culminou com a quebra da administradora de cadernetas de poupança Delfin, em 1983.

Os trabalhadores haviam sido contratados de forma ilícita pelo "gato" (intermediário de mão de obra) Aldino Pais Bandeira, conhecido como "Aldo", em Barreiras (BA), a cerca de 250 km da lavoura. Eles estavam em condições degradantes, alojados em barracos improvisados construídos com folhas de zinco e lona plástica. Sem piso, instalação hidráulica, sanitária, luz elétrica e água encanada. Alguns catadores dormiam sobre sacos plásticos ou papelão, estendidos no chão, já que a empresa não fornecia colchões. Segundo a fiscalização, os barracos não eram "dignos de abrigar animais".

Na fazenda, havia ainda uma cantina, mantida pelo "gato". A "venda" de mercadorias superfaturadas acarretava no constante endividamento dos trabalhadores. Os valores eram descontados dos salários pagos no final dos serviços. Os auditores verificaram que a prática de endividamento era utilizada para manter os trabalhadores cativos, presos ao compromisso de saldar suas "dívidas". Nesse esquema, o "gato" lucrava com a venda ilegal de itens básicos, como papel higiênico, fósforo e fumo.

Papelão como "colchão". Para fiscalização, barracos não eram "dignos de abrigar animais" (Foto: MTE)

A comida servida aos trabalhadores era pobre de nutrientes. Pela manhã, havia apenas cuscuz e café; no almoço e no jantar, arroz e feijão. Raramente havia carne. Os catadores tinham que se alimentar sentados no chão ou dentro dos barracos. Ao todo, foram lavrados 18 autos de infração no local.

Os catadores de raízes foram contratados por tarefa, ao preço de R$ 5 por hectare de área limpa. Devido às péssimas condições do terreno, as pessoas recebiam muito menos que o salário mínimo. Produziam na faixa de R$ 1,80 a R$ 2 por dia, totalizando um máximo de R$ 60 por mês – sem levar em conta os descontos pelas "dívidas" da cantina. Eles trabalhavam todos os dias da semana, inclusive aos domingos.

Não havia registro em carteira nem controle de jornada. A empresa não fornecia Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) nem água potável nas frentes de trabalho. A Fazenda Austrália carecia ainda de local adequado para armazenar agrotóxicos. O transporte era feito sem autorização e, caso quisessem sair da fazenda, os trabalhadores tinham que percorrer cerca de 130 km à pé até o ponto mais próximo por onde passava um ônibus regular. Desse modo, segundo a fiscalização, eles tornaram-se "reféns" na distante propriedade.

Ameaças
Já na Fazenda Indiana, sob responsabilidade de Paulo Kenji Shimohira (que arrendou a área da CMOB), alguns trabalhadores questionavam as péssimas
condições da fazenda e recebiam ameaças. Segundo depoimento colhido pela inspeção federal, eles foram intimidados diversas vezes por José Ferreira de Oliveira ("Zé Pezão"), gerente da fazenda, e pelos "gatos" Alex Sandro da Silva e Valter Silva da Silva. O alerta era de que eles poderiam ser jogados na "garganta do Inferno", um buraco com cerca de 80 m de profundidade, situado há aproximadamente 500 m do alojamento.

A fiscalização, ocorrida em maio de 2005, se deu em função de denúncia recebida pelo MTE. Um trabalhador relatou à representação do órgão federal que tinha sido ameaçado de morte por um empreiteiro conhecido como "Alex", após ter pedido para sair da Indiana. Entre as 52 vítimas libertadas que faziam a capina de algodão, havia duas mulheres. Após a fiscalização, a empresa desembolsou um valor bruto de rescisão de R$ 150,5 mil.

Empregados do fazendeiro Paulo Kenji Shimohira viviam entre barracos e dívidas (Foto: MTE)

Na Indiana, os trabalhadores também eram arregimentados de forma ilícita em Luiz Eduardo Magalhães (BA) e Barreiras (BA). Eles eram alojados em barracos improvisados construídos com estacas de madeira rústica, cobertos com lona plástica, e também estavam submetidos ao sistema de armazém, controlado pelos "gatos". Os empregadores foram autuados por manter empregados sem registro, sem controle de jornada, e efetuar pagamento sem recibo.

Os trabalhadores que faziam a capina do algodão ganhariam de R$ 12 a R$ 60 por hectare de área limpa. No entanto, havia retenção de salários – os pagamentos geralmente eram feitos pelo "gato" fora do prazo previsto em lei. Eles ficavam impedidos de sair da região até que se efetuasse o desconto ilegal da "dívida" do salário de cada empregado. O centro urbano mais próximo, Dianópolis (TO), ficava a 60 km da fazenda.

Para chegar ao local de trabalho, os trabalhadores tinham que percorrer longas distâncias à pé – às vezes era necessário andar até 28 km durante o dia para ir e vir das áreas mais distantes -, já que o empregador não disponibilizava nenhum transporte. Como a fazenda também não fornecia recipientes térmicos adequados, os capinadores de algodão costumavam levar a água de beber em garrafas plásticas de refrigerantes reutilizadas, que enrolavam em pedaços velhos de tecidos para tentar manter o líquido mais frio.

Não havia local adequado para cozinhar e as necessidades fisiológicas eram feitas no mato. Devido ao acúmulo de lixo na proximidade do alojamento, muitos trabalhadores reclamavam da presença de ratos, baratas e até escorpiões no interior dos barracos. Em vários depoimentos, os trabalhadores afirmaram que a água utilizada para banho era trazida no mesmo caminhão-pipa utilizado para o transporte de agrotóxicos.

Lixo acumulado nos alojamentos da Indiana atraía ratos, baratas e até escorpiões (Foto: MTE)

Em entrevista concedida à Repórter Brasil, Paulo Kenji Shimohira, apontado como responsável pela Fazenda Indiana, classifica como "invenção" as acusações levantadas pelo grupo móvel.

A despeito do quadro precário encontrada pela fiscalização, ele considera satisfatória a condição de trabalho no local. "Tinha o mínimo necessário. Quando fui arrendar, nem energia tinha", disse.

Ele é arrendatário da área desde o ano de 2004. "Isso [fiscalização para averiguar trabalho escravo] anda acontecendo com grandes produtores de algodão. Estão pegando qualquer coisinha, nem ouvem a gente e já querem penalizar", alega. Os representantes da Companhia Melhoramentos, "donos" da Fazenda Austrália, não foram localizados.

Irregularidades
A Estrondo foi "inaugurada" em 1975. Até 2005, quando ela foi flagrada com trabalho escravo, teriam sido investidos aproximadamente US$ 81 milhões, segundo relatório de atividades da CMOB. De acordo com dados oficiais da empresa, a Estrondo seria formada por uma área de 295.334 mil hectares. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) estima que a extensão total chegue a 270 mil hectares, enquanto o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) não sabe precisar o atual tamanho do empreendimento que é apresentado ao público em geral como "Agronegócio Condomínio Cachoeira do Estrondo".

Os gestores dividiram parte da grande área em fazendas com áreas entre 7 mil a 9,8 mil hectares para incentivar a produção de soja, algodão e milho, além da pecuária de corte. Como forma de "acelerar a incorporação de novas áreas" no processo produtivo, a Estrondo possibilita arrendamentos a grupos e indivíduos com "notória experiência". Ao todo, são 35 fazendas interligadas, que pertencem a 24 diferentes sociedades anônimas. "O que acontece lá dentro pouco eco tem aqui fora", relata Fátima Barbosa de Melo, da Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia (AATR-BA), que dá suporte jurídico a diversas comunidades locais no Estado nordestino.

Além dos casos de escravidão, a Estrondo enfrenta inúmeras denúncias sobre irregularidades ambientais e fundiárias. Após vistorias in loco, análises do Ibama concluíram que diversas infrações ambientais foram cometidas na Fazenda Estrondo. "Eles executaram desmatamento de cerca de 60 mil hectares sem licenciamento ambiental", afirma o analista ambiental Zenildo Soares, gerente executivo do Ibama em Barreiras (BA), principal cidade do Oeste baiano. As multas ambientais à propriedade somam mais de R$ 7 milhões.

Ibama concluiu que houve infrações na Estrondo, situada no Cerrado (Foto: Valter Campanato/ABr)

Em 2006, o órgão federal autuou e embargou parte das atividades da Estrondo numa área de 45 mil hectares, ao detectar que a área havia sido desmatada após o vencimento das autorizações. A medida afetou a produção de grãos e de algodão e, em menor parte, a atividade pecuária. O embargo se deu em nome da Companhia Melhoramentos
do Oeste da Bahia (CMOB), da Delfin Rio e da Colina Paulista, que recorreram judicialmente.

O Ibama estima que cerca de 77 mil hectares de floresta foram derrubados pelas empresas que compõe o condomínio. O desmate ocorreu entre 2004 e 2006, quando clareiras foram detectadas pelo sensor de monitoramento remoto. O órgão verificou ainda que algumas áreas tinham autorização para realizar supressão (retirada de parcela da vegetação nativa), porém não possuíam licenciamento. "Qualquer procedimento de desmate superior a mil hectares precisa de estudo de impacto ambiental", enfatiza Zenildo.

Segundo o órgão, parte da reserva legal do empreendimento – os 20% que devem ser mantidos com vegetação nativa – foi prejudicada. Além disso, a fazenda não possui Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima). Houve autuação ainda pelo consumo de material lenhoso da vegetação nativa (sem autorização de entidade competente) e pela retirada de cascalho.

O gerente do Ibama sustenta que os estragos na Estrondo comprometem os recursos hídricos da região, que respondem por cerca de 25% da vazão do Rio São Francisco, ameaçando inclusive o Aquífero Urucuia. "A grande preocupação nossa é com o bioma. Toda a ocupação do Oeste da Bahia [maior pólo agrícola do Estado] se deu de forma desordenada e com um agravamento: as veredas foram bastante prejudicadas com a ausência de Reserva Legal", explica Zenildo. O Cerrado, segunda maior formação vegetal brasileira depois da Amazônia, é o berço de bacias hidrográficas vitais.

Fraude
Uma autorização de desmate de aproximadamente 49 mil hectares, concedida pelo Ibama ao Condomínio Estrondo em 2002, está sob suspeita de fraude e pode ser cancelada. Segundo Zenildo, o Ibama está apurando melhor as próprias licenças que o próprio órgão emitiu para verificar quais autorizações teriam "irregularidades administrativas". "A emissão daquela autorização contrariou a legislação ambiental federal. Ela acaba sendo nula. Toda área foi desmatada irregularmente", assegura o gerente

Autorizações para desmatar sob suspeita; na imagem, sede da Faz. Austrália (Foto: Reprodução)

A Repórter Brasil teve acesso a um documento do Ibama mostrando que José Marcos Cardoso, então gerente executivo do órgão em Barreiras, deu 69 autorizações para desmate na imensa área da Estrondo num único dia (18/11/2002). Os requerimentos complementares referentes às solicitações de desmate não possuíam carimbo de protocolo do órgão, "como se não tivessem dado entrada na Gerex/Barreiras".

Além disso, as autenticações mecânicas mostram que as taxas de vistoria correspondentes foram pagas após a suposta liberação das autorizações de desmate. Diante das evidências de fraude, José Marcos Cardoso respondeu processo no Ibama e foi acusado de "valer-se do cargo para lograr proveito pessoal". O servidor, que assinou as autorizações, foi destituído do cargo em comissão em agosto de 2008. Ele responde à ação civil pública.

A primeira vistoria para verificar possíveis irregularidades na emissão de autorizações para desmate no empreendimento aconteceu em julho de 2003. Na ocasião, fiscais constataram que a maior parte do material lenhoso estava sendo queimado e que o cascalho estava sendo retirado em Área de Preservação Permanente (APP). A última fiscalização in loco aconteceu em dezembro de 2008, quando a Fazenda Estrondo foi uma das áreas autuadas e multadas na Operação Vereda, da PF e do Ibama, realizada na região.

MPF
O Ministério Público Federal da Bahia (MPF/BA) se manifestou sobre o tema em junho de 2007, classificando o caso do Condomínio Estrondo como "surpreendente". Num parecer enviado à Vara Federal de Barreiras, a Procuradoria da República no município afirmou que o desmate no megaempreendimento totalizava 167 mil hectares. "A área desmatada é surpreendentemente maior que o próprio imóvel, que como já visto possui 134 mil hectares", enfatiza o documento, assinado pela procuradora Isabela Cavalcanti. Para o MPF, houve prática "depredatória".

O parecer foi elaborado por conta de uma ação ajuizada pelos grupos privados CMOB, Colina Paulista S. A. e Delfin S/A Crédito Imobiliário contra o Ibama. As empresas, apontadas como proprietárias do Condomínio Cachoeira do Estrondo, pediam a concessão de tutela antecipada ou cautelar para determinar a imediata suspensão da autuação do Ibama e a liberação do embargo administrativo.

Na ocasião, o MPF/BA defendeu o indeferimento do pedido de antecipação da tutela, pois entendeu que o grupo "encontrava-se desmatando área não autorizada" e, além disso, conferia tratamento "desumano e degradante" aos trabalhadores na Fazenda Austrália (veja foto acima), o que "invalida a alegação de que a propriedade atenda a fins de desenvolvimento social". Segundo informação da Vara Federal de Barreiras, o procedimento judicial foi enviado no último dia 19 de outubro ao gabinete do juiz Eduardo Luiz Rocha Cubas.

Comunidades extrativistas ficaram "espremidas" em APP da Fazenda Estrondo (Foto: Elza Fiúza/ABr)

Enquanto aguardam a decisão judicial, fazendeiros que integram o condomínio cercaram grandes áreas e diversas famílias foram perdendo o seu território tradicional ao longo dos anos, segundo relatos de comunidades locais. Com isso, as populações do entorno, que sobrevivem do extrativismo das frutas e das plantas medicinais, ficaram "espremidas" na APP da Estrondo e foram "empurradas" para a beira do rio. Diversas guaritas com guardas armados vigiam a entrada da extensa fazenda.

Grilagem
A Estrondo também já foi notificada e incluída no chamado "Livro Branco da Grilagem de Terras", documento divulgado em 1999 pelo governo federal, que realizava então uma tentativa de reverter ao patrimônio público dezenas de milhões de hectares de terras ocupadas irregularmente por particulares. Com isso, a fazenda teve o cancelamento provisór
io do seu registro. O levantamento chegou à conclusão que, em todo o país, a área sob suspeita de grilagem era de aproximadamente 100 milhões de hectares – quatro vezes a área do Estado de São Paulo ou a área da América Central mais o México.

Na ocasião, o Incra solicitou o cancelamento provisório dos registros cadastrais de várias grandes propriedades. Para que o cadastro fosse restabelecido e atualizado, era necessária a apresentação dos documentos que comprovassem a regularidade e a legitimidade das áreas. Além disso, uma portaria publicada pelo Incra em 2006 determinou o cancelamento dos códigos de todos os imóveis rurais com áreas acima de 10 mil hectares. Com isso, a Estrondo teve seu código cancelado. Segundo a autarquia federal, o condomínio está com processos para certificação das suas propriedades.

A Superintendência Regional do Incra na Bahia afirma que esse processo de fiscalização cadastral visa verificar se a Estrondo teve um "destaque regular da área do patrimônio público", ou seja, o processo tem a finalidade de averiguar a origem do primeiro documento do imóvel rural. Ao analisar o encadeamento sucessório dos documentos em cartório, a fiscalização não chegou ao "destaque" (primeiro título de propriedade particular).

Para produzir mais, deputado Otaviano Pivetta adquiriu terras da Estrondo (Foto: Reprodução)

Em nota enviada à reportagem, a assessoria do Incra/BA declara ainda que, devido às manifestações de indícios de trabalho escravo e desmatamento, a Divisão de Obtenção da autarquia federal no estado "aguarda a finalização do processo de fiscalização para inserir a Fazenda Estrondo na escala de imóveis rurais a serem vistoriados para a reforma agrária".

No entanto, a maioria das terras devolutas na Bahia pertencem ao estado. Em despacho enviado ao Incra/BA, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) diz que o processo de fiscalização não "vislumbra elementos" para afirmar que essas terras são devolutas.

Já a Coordenadoria do Desenvolvimento Agrário (CDA), órgão do governo estadual subordinado a Secretaria de Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária (Seagri) – responsável pelo controle e titulação das terras do estado -, lembra que não mantém procedimentos para a invalidação do título de domínio da Estrondo. Além disso, o órgão estadual ressalta a inexistência de registros de realização de ação discriminatória, procedimento para identificar terras devolutas e registrá-las em nome do estado.

Agronegócio
Segundo a Estrondo, as escrituras de compra foram registradas entre 1975 e 1978 no Registro de Imóveis da Comarca de Santa Rita de Cássia, a que Formosa do Rio Preto estava judicialmente subordinada. Esse foi o período no qual o negócio agropecuário teria começado a adquirir uma série de fazendas, totalizando 295.334 hectares de supostas "terras virgens", que permaneciam "intocadas" no coração do Cerrado baiano.

No seu relatório de atividades, a Estrondo diz que faz parte de uma "nova era do desenvolvimento brasileiro" e que possui um grupo de "empreendedores audazes". O empreendimento alega que, quando iniciou suas atividades no Cerrado, havia apenas "alguns pequenos povoados vivendo da pecuária e da agricultura de subsistência aqui e ali" e uma "imensidão de matas ralas". "Um atraso histórico para um país, então com 475 anos de existência, cuja economia crescia a taxas de 10% ao ano", diz o documento.

O empresário Ronald Levinsohn (CMOB, Colina Paulista e Delfin) conquistou um novo parceiro para tocar o Condomínio Estrondo. O fazendeiro e deputado estadual pelo Mato Grosso, Otaviano Pivetta (PDT), confirmou em edição de maio de 2008 da revista Dinheiro Rural que comprou metade de uma das maiores empresas que fazem parte do problemático consórcio de fazendas. Otaviano é o comandante da Vanguarda do Brasil e dono de imensidões forradas de soja. Segundo a mesma publicação, ele pretende somar 500 mil hectares e se tornar "o maior produtor de grãos do Brasil". 

Ex-prefeito de Lucas do Rio Verde (MT) por duas gestões (1996-2004), Otaviano chegou a se envolver na briga pela Superintendência de Trabalho e Emprego do Mato Grosso (SRTE/MG), com atuação importante no combate a infrações como o trabalho escravo, mas o assessor indicado pelo parlamentar acabou desistindo da disputa vencida por um auditor fiscal do trabalho de carreira. O fazendeiro e ex-caminhoneiro disse à Dinheiro Rural que pretende ainda lançar ações da Vanguarda do Brasil na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). A série de irregularidades registradas nos últimos anos na Fazenda Estrondo certamente não serão o melhor cartão de visitas para o mercado.

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