Bahia

Degradância e dívida determinam libertações em cafezal

Entre os 21 libertados, seis eram mulheres e quatro eram jovens com menos de 18 anos. Operação encontrou quadro de degradância e servidão por dívida na Fazenda Estância, de Paulo Roberto Bastos Viana, em Barra do Choça (BA)
Por Rodrigo Rocha
 17/08/2010

Um grupo de 17 adultos e quatro adolescentes com menos de 18 anos de idade foi libertado de condições análogas à escravidão em cafezal de Barra do Choça (BA), na região Centro-Sul do Estado. Submetidos a condições degradantes no trabalho e no alojamento, os empregados também estavam "presos" por dívidas contraídas para a compra de alimentos básicos.

Condições do alojamento materializam degradância encontrada pela fiscalização (Foto: SRTE/BA)

A libertação ocorreu em 21 de julho na Fazenda Estância, de propriedade Paulo Roberto Bastos Viana. Por meio de "gatos" (intermediários que aliciam mão de obra), foram arregimentados para a colheita dos grãos de café na periferia de Vitória da Conquista (BA), vizinha à Barra do Choça (BA).

Segundo Joatan Gonçalves Reis, coordenador do grupo de fiscalização rural da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego da Bahia (SRTE/BA), que esteve à frente da operação, havia entre os libertados seis mulheres e quatro jovens, dois deles tinham apenas 14 e dois 16 anos de idade.

"Eles (os resgatados) recebiam diariamente fichas de produção que eram utilizadas como moeda para compra de alimentos e outros produtos no armazém instalado na propriedade", conta o auditor Joatan.

Alimento era comprado pelas próprios libertados; valor era convertido em dívidas (Foto: SRTE/BA)

As dívidas se multiplicavam por conta do pouco que efetivamente recebiam pelo trabalho. O valor era muito inferior ao salário mínimo. Nos cálculos apresentados por Joatan, os libertados recebiam R$ 2,50 por lata de café colhido (de cerca de 20 kg), o que garantia semanalmente um salário aproximado de R$ 70,00.

Com relação aos alojamentos, todos os empregados dormiam no chão, alguns deles com plástico e papelão servindo de colchões. Também não havia nenhum tipo de instalação sanitária no local. Os homens eram obrigados a fazer suas necessidades no mato e as mulheres num buraco feito no chão de um alojamento separado.

Não havia espaço adequado para o preparo dos alimentos. Os trabalhadores tiveram de improvisar um fogareiro para cozinhar. A fiscalização ainda flagrou que o alimento consumido estava deteriorado.

As frentes de trabalho também ofereciam condições precárias. Não havia banheiros e abrigo para alimentação e proteção contra chuvas. "Como estamos no período de chuvas constantes na região, a necessidade de um abrigo coberto aumenta", acrescenta o auditor.

O empregador também não fornecia nenhum Equipamento de Proteção Individual (EPI), sendo que alguns empregados chegavam a trabalhar descalços. As jornadas se estendiam das 7h às 17h, praticamente sem descanso, já que até o almoço era feito no cafezal, debaixo das árvores.

 
Paulo Roberto Bastos Viana se recusou a pagar verba rescisória aos empregados (Foto: SRTE/BA)

Após a libertação dos trabalhadores, Paulo Roberto Bastos Viana se recusou a pagar as verbas rescisórias (cerca de R$ 25 mi) a que os trabalhadores tinham direito. Ele alegou que só poderá arcar com os valores no final da colheita. Diante da recusa, o auditor encaminhou uma cópia do relatório da inspeção ao Ministério Público do Trabalho (MPT), que deve entrar com uma ação contra o proprietário da Fazenda Estância.

A Repórter Brasil tentou ouvir o dono da área, mas não conseguiu entrar em contato com representantes em Vitória da Conquista (BA).

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