Pará

MPF cobra análise socioambiental para concessão de crédito

Para Ubiratan Cazetta, do Ministério Público Federal do Pará (MPF/PA), bancos devem levar em conta não só a capacidade de pagamento do tomador, mas também um conjunto de informações referentes a aspectos socioambientais
Por Bianca Pyl e Maurício Hashizume*
 14/04/2011

As avaliações de critérios socioambientais para a liberação de crédito financeiro podem até ser claras nas cúpulas de grandes bancos estatais, mas ainda estão longe de muitos balcões onde se concedem os empréstimos propriamente ditos, avaliou o procurador-chefe do Ministério Público Federal do Pará (MPF/PA), Ubiratan Cazetta, em entrevista à Repórter Brasil.

O Banco do Brasil (BB) e o Banco da Amazônia (Basa) foram acionados na Justiça pelo MPF/PA por causa da liberação de recursos públicos a empreendimentos rurais no Estado do Pará vinculados a irregularidades de cunho ambiental e a flagrantes de trabalho escravo contemporâneo.

Nas agências bancárias, a questão socioambiental ainda é tratada "como algo sem muita importância", relatou Ubiratan, que gravou participação no programa de rádio Vozes da Liberdade, veiculado semalmente.

A partir das regras estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) na Resolução 3.545 e de acordos internacionais firmados pelo Brasil, o MPF/PA fez uma pesquisa por amostragem nos dez municípios paraenses campeões de desmatamento dos últimos anos e encontrou dezenas de empréstimos do BB e do Basa a agentes com problemas.

O BB emprestou dinheiro para 55 fazendas com passivos ambientais e até casos de trabalho escravo, de acordo com o MPF/PA. O valor total emprestado foi de R$ 8 milhões. O Basa liberou, em 37 empréstimos, mais de R$ 18 mil para fazendas com problemas semelhantes.

O resultado da varredura emergiu mais espcificamente do cruzamento de dados públicos das Cédulas de Crédito Rural, registradas em cartório, com informações dos sistemas da Secretaria de Meio Ambiente (Sema) do Estado do Pará, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) – que também está sendo cobrado no Poder Judiciário pelo MPF/PA -, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

"Muitas atividades financiadas, quando submetidas à análise, indicam uma fragilidade muito grande", declarou Ubiratan. Para ele, na hora da análise para a concessão de crédito, os bancos devem levar em conta não apenas se o candidato a tomador tem dinheiro e capacidade de pagamento, mas também um conjunto adicional de informações relacionadas a aspectos socioambientais. "O banco tem capacidade de saber se as relações de trabalho [utilizadas por quem está solicitando crédito] são adequadas, se a pessoa tem recolhimento de contribuições previdenciárias, se ela tem contratos [formais com os empregados] e coisas semelhantes".

Quando esses itens não são verificados, abre-se a brecha para que esses financiamentos públicos possam estar inclusive fornecendo as bases para casos de superexploração e até trabalho escravo.

Resolução
O CMN determinou aos bancos que só liberem financiamento para atividades agropecuárias no Bioma Amazônia com apresentação do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR) – responsabilidade do Incra – de licença ambiental e ausência de embargos por desmatamento ilegal. "Há uma parcela de omissão do Estado brasileiro no caso do Incra na concessão das CCIR, aquele que tenta buscar a sua regularização não consegue porque o cadastro no Incra demora muito para ser feito", completou Ubiratan.

Uma nota técnica do Ministério do Meio Ambiente (MMA) citada nos processos demonstra, por exemplo, que "a curva dos desmatamentos no Pará acompanha a oferta de crédito rural nos anos de 1999 a 2004, período em que a taxa de desmatamento no estado aumentou em cerca de 70%. Neste mesmo período, a oferta de crédito rural saltou de um patamar de pouco mais de R$ 200 mi para mais de R$ 690 mi ao ano (1999 a 2004)". Ubiratan advertiu, porém, que "uma parte significativa do desmatamento também é auto-financiada, sem recorrer a financiamentos bancários".

Entre os anos de 1995 e 2009, instituições financeiras emprestaram mais de R$ 90 bi para atividades rurais na Amazônia Legal, de acordo com a investigação do MPF/PA. Desse total, mais de 92% vem de bancos públicos, de acordo com dados do Banco Central. O Banco do Brasil liberou o equivalente a R$ 47 bilhões (52,3% dos créditos). O Banco da Amazônia injetou R$ 13 bilhões (15%) na Amazônia Legal durante o período.

Os dois bancos respondem por 67,3% dos empréstimos rurais na região. O BB administra o Fundo Constitucional de Financiamento do Centro Oeste (FCO) e o Banco da Amazônia, o Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO). Parte do dinheiro público para a atividade rural na região amazônica também vem do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e do Orçamento Geral da União (OGU), fontes de recursos utlizadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Cobranças
Nas ações, o MPF pede o cumprimento da Resolução do CMN. Cobra ainda que os dois bancos sejam obrigados a realizar auditorias internas para verificar o tamanho do desmatamento que causaram, examinando todos os financiamentos de atividade rural no Pará a partir de julho de 2008 – data que entra em vigor a norma do CMN. "Após a identificação dos financiamentos que foram feitos sem obedecer as regras, os bancos devem dar uma solução ao problema. Pode ser, por exemplo, o vencimento antecipado da dívida ou mesmo a recuperação do dano ambiental causado", explicou Ubiratan.

Os procuradores fizeram ainda uma recomendação para que as referidas instituições financeiras "invertam suas prioridades, deixando de emprestar dinheiro para produtores irregulares, implementando política de juros reduzida para produtores de municípios ambientalmente responsáveis e incentivando o licenciamento ambiental das propriedades".

O Incra pode ser obrigado a emitir o CCIR e manter um banco de dados atualizado sobre a situação fundiária da região, obrigação que já existe em lei desde 1972. Em todo o estado, o Incra havia emitido, até o fim do ano passado, o certificado para apenas 78 propriedades privadas.

"A ação também se propõe ser um mecanismo de fortalecimento do setor produtivo que quer cumprir as leis ambientais e trabalhistas. Contudo, até agora os bancos não nos procuraram para conversar ou propor ações concretas", finalizou o procurador-chefe do MPF/PA.

Por meio de sua assessoria, o Banco do Brasil enviou nota em que informa que "irá avaliar os fatos narrados e analisar caso a caso as contratações citadas". "O BB cumpre as exigências previstas na legislação ambiental, incluindo a Resolução 3545 do Conselho Monetário Nacional, e nega a acusação de financiar o desmatamento na Amazônia ou empreendimentos que utilizem trabalho análogo ao escravo", diz outro trecho da nota.

A Repórter Brasil enviou solicitação para a assessoria de comunicação do Basa, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria. Desde 2005, o BB e o Basa são signatários do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, que reúne empresas comprometidas em não manter relações com entes vinculados à exploração de trabalho escravo.

Confira a entrevista de Ubiratan Cazetta para o Vozes da Liberdade

Notícia relacionada:
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*Com informações da Assessoria de Comunicação do MPF/PA

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