Nas últimas décadas, houve aumento significativo do emprego feminino remunerado praticamente no mundo todo, com pouquíssimas exceções. No entanto, as mulheres continuam recebendo menores salários que os homens, estão em empregos mais precários, encontram-se em maior número entre as pessoas desempregadas, trabalham mais em tempo parcial e continuam sendo as principais responsáveis pelo trabalho não-remunerado doméstico e familiar.
A atual configuração dos trabalhos das mulheres foi um dos temas discutidos no seminário internacional "Feminismo, economia e política: desafios e propostas para a igualdade e autonomia das mulheres", organizado pela Sempreviva Organização Feminista (SOF), de 28 a 30 de agosto, em São Paulo.
Polarização, precariedade e trabalho doméstico
Três aspectos caracterizam o trabalho assalariado das mulheres nos últimos vinte anos, segundo Helena Hirata, pesquisadora brasileira do Centro Nacional de Pesquisa Científica da Universidade de Paris VIII.
O primeiro deles é uma bipolarização do emprego feminino: de um lado, há uma minoria de mulheres com nível universitário, melhores salários e em ocupações de prestígio social, enquanto, de outro, existe uma imensa maioria de mulheres com trabalhos mal pagos, desvalorizados e sem reconhecimento social. Estes são empregos muitas vezes em tempo parcial ou de caráter temporário, quase sempre sem perspectiva de carreira.
A segunda característica é justamente a precarização do trabalho que, desde meados dos anos 1990, atinge mais as mulheres do que os homens. "Até que ponto a criação de um emprego ruim é uma coisa boa?", questiona Hirata. Segundo ela, há um paradoxo: mais mulheres estão no mercado de trabalho, mas em empregos mais vulneráveis a riscos e mais mal pagos que os oferecidos aos homens.
"Não existe nenhum país no mundo em que os salários femininos sejam maiores que os masculinos. Em todas as sociedades, os homens ganham mais que as mulheres, porque o trabalho masculino é considerado de maior valor", explica a pesquisadora. A valorização do trabalho masculino continua maior a despeito do fato de que, em todos os países industrializados, as mulheres já são mais escolarizadas do que os homens.
A terceira característica do emprego feminino é o desenvolvimento do trabalho de cuidado no mundo, sobretudo com a externalização do trabalho doméstico. Para serem autônomas, mulheres com trabalhos em tempo integral, nível superior e responsabilidades profissionais precisam de outras pessoas para fazer uma série de tarefas domésticas – e o trabalho doméstico é um dos maiores guetos femininos. Em países como o Brasil, a delegação do trabalho doméstico gera cifras enormes: o Censo de 2010 identifica que há cerca de sete milhões de trabalhadoras domésticas no país. É nelas que as profissionais prestigiadas se apoiam para se dedicar às suas próprias carreiras.
Uso desigual do tempo de trabalho
A tendência de aumento do trabalho profissional feminino não foi acompanhada por mudanças equivalentes na divisão sexual do trabalho em âmbito doméstico. As mulheres ainda dedicam muito mais tempo do que os homens a esses afazeres e são as principais responsáveis pela reprodução social da vida humana.
Em todo o mundo, pesquisas sobre o uso do tempo na vida cotidiana mostram tal desigualdade. De acordo com Antonella Picchio, pesquisadora da Universidade de Módena, reunindo os resultados de 14 países industrializados, observa-se que as mulheres gastam duas vezes mais tempo com trabalho doméstico ou familiar do que com trabalho remunerado. O quadro se inverte no caso dos homens, que usam 2/3 de seu tempo para trabalho remunerado e 1/3 para atividades não remuneradas.
"As políticas e incentivos para mudar essa configuração não têm muito sucesso porque essa é uma questão estrutural", analisa Picchio. "O problema em relação ao trabalho não remunerado é que ele não se dirige apenas às crianças, às pessoas doentes e aos idosos, mas também aos homens adultos, que precisam de muito cuidado. O mercado de trabalho não apenas exige que os homens não se ocupem das crianças e dos idosos, como também espera que não se ocupem de si mesmos, não reconheçam sua própria vulnerabilidade."
Ainda segundo Picchio, mulheres com filhos realizam menos trabalho não remunerado se estão sozinhas do que se estão vivendo com seus companheiros. Quando se forma um casal, em geral a mulher acaba fazendo o trabalho doméstico dos dois. "As mulheres precisam conectar o trabalho pago à vida. Isso é colocado como uma imperfeição das mulheres, mas o problema é do mercado que vê os indivíduos sem corpos, sem pessoas para sustentar", afirma a pesquisadora italiana.
No Brasil, um levantamento do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), da Secretaria de Políticas para as Mulheres e do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem), feito com dados da PNAD de 2007 mostra que as mulheres participam do trabalho doméstico em 90% dos domicílios brasileiros, enquanto a participação dos homens fica restrita a 50% das casas.
A participação masculina nos afazeres domésticos não é desprezível, mas, ao se analisar a média de horas dedicadas a essas atividades entre 2001 e 2007, nota-se que ainda consiste em uma participação bastante marginal. A dedicação média feminina teve uma pequena queda, de 29 horas em 2001 para 25 horas semanais em 2007; a masculina se manteve estável, sempre próxima a 10 horas semanais de trabalho não remunerado.
"As desigualdades muito marcadas no uso do tempo entre homens e mulheres têm impacto sobre a capacidade das mulheres de aceder a recursos, de conseguir trabalho remunerado, a capacidade de ser educada, de ser saudável, de se movimentar pelo território, de ter tempo livre. As desigualdades no uso do tempo são a matriz de muitas outras desigualdades", afirma Picchio. Ela defende uma redistribuição igualitária, entre homens e mulheres, dos recursos, dos trabalhos e das responsabilidades de cuidar de si mesmos e dos outros.