O Projeto de Lei (PL) número 1940/2013, que prevê a cassação do registro de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de empresas flagradas com trabalho escravo no Rio de Janeiro, tramita em regime de urgência desde fevereiro na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) e pode ser votado a partir desta quinta-feira (1º) quando termina o recesso no legislativo fluminense. A proposição, apresentado pelo deputado estadual Robson Leite (PT-RJ), tem como base a lei aprovada em 2012 pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, e já foi aprovada em seis comissões diferentes. Apesar do avanço, a medida corre o risco de ser esvaziada em função de pedido de emenda feito pelo deputado estadual Flávio Bolsonaro (PP-RJ).
O PL determina que pessoas físicas ou jurídicas flagradas explorando trabalho escravo tenham o cadastro de ICMS cassado e fiquem impedidas de exercer o mesmo ramo de atividade econômica, ou abrir nova firma no setor, durante um período de 10 anos. Propostas semelhantes já foram apresentadas nos estados do Mato Grosso do Sul e Tocantins. Em seu pedido de emenda, Bolsonaro defende que a cassação do registro de ICMS ocorra somente após a condenação transitado em julgado —isto é, em última instância— das pessoas físicas responsáveis pelos estabelecimentos autuados .
O pedido de modificações recebeu apoio dos deputados Dionísio Lins (PP), Marcos Abrahão (PT do B), Chiquinho da Mangueira (PMDB) e Thiago Pampolha (PSD). Na prática, a manobra esvazia a lei e reduz significativamente a possibilidade de que ela seja aplicada. “Um processo transitado em julgado pode demorar 10, 15 ou 20 anos”, afirma o autor do projeto, Robson Leite. Devido a essa demora, o deputado entende que a lei perderia o seu caráter de repressão econômica, ao dissuadir empregadores de evitar se utilizar de mão de obra escrava. “Há empregadores que encaram as multas do Mistério do Trabalho por empregar pessoas em regime de escravidão como apenas mais uma despesa”, observa.
Em entrevista à Repórter Brasil, Bolsonaro defende que o “trabalho escravo deve ser abominado” e alega que o que pretende é ajudar a “aprimorar o projeto de lei”, por considerá-lo “muito subjetivo” em seu formato original. Ele argumenta que as fiscalizações de trabalho agem de maneira “sumaríssima” e somente a atuação do Poder Judiciário deveria condenar alguém pela prática. “Só pode ser condenado quem for transitado em julgado por decisão da Justiça”, defende. Para o deputado, o autor do projeto, Robson Leite, “jogou para plateia com uma lei de olhar sangrento”. Sobre a aprovação da medida semelhante em São Paulo o parlamentar diz ainda que o governador Geraldo Alckmin (PSDB) cedeu à “pressão política”.
Em sintonia com a Bancada Ruralista
Mesmo que em poucas palavras, a posição do deputado estadual Flávio Bolsonaro (PP-RJ) está em sintonia com as da Frente Parlamentar da Agropecuária no Congresso Nacional. Com emendas e manobras semelhantes, a assim chamada Bancada Ruralista tem conseguido adiar a votação da Proposta de Emenda Constitucional 57/A no Senado e na Câmara dos Deputados. Conhecida como PEC do Trabalho Escravo a medida prevê a expropriação de áreas em que foi flagrada o emprego de mão de obra escrava, e tramita há no Congresso Nacional há mais de uma década. Além de pedidos de alteração, os opositores do combate ao trabalho escravo em Brasília também fazem críticas sobre a maneira como o combate acontece e alegam estar preocupados em aprimorá-lo. Na mais recente tentativa, condicionaram a aprovação da PEC à revisão do conceito de trabalho escravo contemporâneo, hoje definido pelo artigo 149 do código penal. Mais informações sobre o trâmite da PEC do Trabalho Escravo estão disponíveis no especial da Repórter Brasil. |
Combate à escravidão
Para o coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Trabalho Escravo Contemporâneo (GPTEC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ricardo Rezende, a emenda proposta por Bolsonaro “esvazia as possibilidades de aplicação da lei”, devido ao tempo que demoraria até à condenação transitada em julgado e aos vários recursos e apelações que poderiam ser interpostos no decorrer de um processo por trabalho escravo. “Um crime dessa natureza [de submeter pessoas à escravidão] deve ter uma punição imediata”, destaca.
O deputado Robson Leite, autor do projeto, explica que o objetivo é o de fortalecer o enfrentamento ao trabalho escravo no Rio de Janeiro. Em 2009, o Estado foi o que mais teve trabalhadores escravizados resgatados no Brasil. “Entendo que, apesar do número menor de vítimas, a situação de lá para cá vem piorando. Acredito que o projeto pode colaborar para erradicar essa prática”, explica. Apesar dos entraves criados no plenário, ele afirma ter convicção de que o projeto deve sair da Alerj no formato original. “O projeto passou em grande velocidade pela casa. Foram seis meses de tramitação até ser colocado em votação”, lembra.
À reportagem ele indica que já existe uma articulação com outros parlamentares para barrar as emendas propostas pelo grupo liderado por Flávio Bolsonaro. O parlamentar propositor do PL afirma que outro problema a surgir para a lei entrar em vigor pode ocorrer nos momentos de sanção e regulamentação da lei, tarefas que cabem ao Governo do Estado do Rio de Janeiro, assim que a norma estiver aprovada no Legislativo. Embora não tenha muitas expectativas com relação ao empenho do governador Sérgio Cabral (PMDB) sobre a pauta do trabalho escravo, Robson Leite acredita que o fato de o presidente da Alerj, o deputado Paulo Melo (PMDB), ter se mostrado à favor da aprovação do projeto, bem como ser do mesmo partido e aliado do chefe do Executivo fluminense, pode servir como importante intermediação no processo. Procurado por meio de sua assessoria de imprensa para comentar o desenrolar de todo o imbróglio, o presidente da Alerj, no entanto, não se pronunciou à reportagem.
Deputado defende pena de morte e redução da maioridade penal
Apesar de ser integrante da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, Flávio Bolsonaro (PP-RJ) se apresenta na página do seu mandato na internet como alguém que “mantém posições firmes em favor da redução da maioridade penal e da defesa da pena de morte”. No pequeno perfil do parlamentar, ele se diz “contra a criação de antagonismos raciais mediante mecanismos, absurdos, injustos e de impossível aplicação técnica, de cotas raciais em universidades” e “contra a demarcação de terras indígenas”. O deputado também é defensor do porte de armas, e afirma ser “contra o desarmamento do cidadão de bem e em favor de medidas voltadas à valorização da família”. |
Confira abaixo as modificações previstas na emenda apresenta pelo deputado Bolsonaro: