O agricultor Welbert Cabral Costa está desaparecido desde o último dia 24, quando teria sido assassinado na Fazenda Vale do Triunfo, em São Félix do Xingu, no sul do Pará (PA), onde trabalhava como tratorista. A área é de propriedade do grupo Agropecuária Santa Bárbara Xinguara, empresa que tem entre os acionistas o banqueiro Daniel Dantas. O caso está sendo investigado pela Polícia Civil no Estado e pode ter novos desdobramentos a partir deste fim de semana. Em nota conjunta, Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil no Pará (OAB), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Pará (Fetagri), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), afirmam que o trabalhador foi assassinado por reclamar direitos trabalhistas e falam na existência de um cemitério clandestino no local, onde o corpo da vítima pode estar escondido.
O crime teria sido presenciado por outra pessoa que alega ter visto o trabalhador rural ser executado ao reclamar direitos trabalhistas. Depois de prestar depoimento à polícia, a testemunha está escondida por medo de represálias, enquanto tenta ser encaminhada a um programa de proteção do Governo Federal. Welbert havia ido à sede da fazenda no dia 24 para reclamar uma quantia que não lhe havia sido paga, depois de passar um tempo afastado porque sofrera um acidente de trabalho. Segundo as organizações da sociedade civil locais, este pode não ter sido o primeiro homicídio motivado por reclamações do tipo. O funcionário da fazenda Divo Ferreira é apontado pelas entidades como autor do disparo que matou a vítima. O tiro foi na nuca. Divo não foi localizado pela reportagem para comentar.
Welbert Cabral tinha 26 anos, esposa e quatro filhos pequenos, o mais velho deles com 5 anos de idade. A família, que vive em Xinguara (PA), cidade vizinha, prestou queixa sobre o desaparecimento em 3 de agosto, sábado, por volta das 21h. O delegado Lenildo Mendes dos Santos coordena as investigações. As organizações que atuam na região cobram agilidade para a solução do crime. “Já tem 10 dias que aconteceu o caso e nada ainda foi resolvido. A própria família teve que começar as investigações”, aponta o advogado Rivelino Zarpellon, da SDDH. Ele acusa a polícia de “negligente” pela demora em apurar o ocorrido.
De acordo com o advogado Zarpellon, Welbert Cabral ainda teria presenciado um assassinato anterior no local, também de um tratorista e por motivos parecidos. Essas informações foram passadas pela família do trabalhador rural. Os sumiços dos corpos da vítima anterior e do próprio homem assassinado no último dia 24 reforçam a suspeita da existência de um cemitério clandestino na Fazenda Vale do Triunfo.
Violência impera
Segundo o integrante da CPT no Pará, Frei Henri des Roziers, a região onde ocorreu o crime é uma das mais violentas do país. “A área compreendida por Xinguara, Marabá, São Félix do Xingu e outros municípios é muito conflituosa. Por aqui, foi assassinada a Irmã Dorothy Stang e, em 2011, o casal de extrativistas, José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo”, afirma.
A região, nos limites da Amazônia, também se destaca pela produção de gado associada ao desmatamento ilegal, bem como apresenta considerável concentração fundiária que, frequentemente, repercute em reivindicações pela reforma agrária. Em 17 de abril de 1996, durante uma ação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) um grupo de 19 agricultores foi assassinado no sul do Pará. Conhecido como O Massacre de Eldorado dos Carajás, o episódio à época deixou mais de 60 feridos após uma ação violenta da Polícia Militar para desbloquear a ocupação de uma rodovia realizada pelo MST.
Do total de casos de violência rural no Brasil durante o ano passado, conforme informações da CPT no último relatório da organização sobre confiltos no campo, o Pará também foi o segundo estado do país com mais homicídios no campo. Foram, ao todo, seis casos aferidos em 2012. “Infelizmente, é uma região onde a violência impera”, comenta Frei Henri.
Grupo Santa Bárbara
Em nota, a empresa informou que está “colaborando com as autoridades para desvendar essa situação e apurar as eventuais responsabilidades”. “A Agro Santa Bárbara não coaduna, não avaliza, não acoberta, não aprova qualquer atitude ilícita, repudiando de forma veemente as injustas e falsas acusações de que outros eventos desta natureza já teriam ocorrido em suas propriedades rurais”, declarou.
Fundada em 2005, a Agropecuária Santa Bárbara é hoje a maior empresa de pecuária de corte do Brasil. Com relevante participação acionária do Grupo Opportunity, ligado ao banqueiro Daniel Dantas, possui hoje mais de meio milhão de cabeças de gado, distribuídas entre seus 500 mil hectares de terra, uma área equivalente a três vezes o município de São Paulo.
Em 2009, o Ministério Público Federal processou a empresa pelo desmatamento ilegal de 51 mil hectares, cobrando R$ 863,4 milhões (valor corrigido pelo IPCA) em indenizações. Três anos depois, uma operação libertou cinco trabalhadores mantidos em condições análogas às de escravos em uma fazenda do grupo. No mesmo ano, famílias ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que estavam acampadas em frente a uma fazenda do grupo em Eldorado dos Carajás (PA) protestando contra a grilagem de terras, o trabalho escravo e o uso excessivo de agrotóxicos tiveram que deixar o local depois que seguranças da área atiraram contra os manifestantes.
Mortes no Pará
De acordo com um relatório da Comissão Pastoral da Terra, entre 1996 e 2010, 799 trabalhadores rurais foram presos, 809 foram ameaçados de morte e 231 assassinados no Estado do Pará. Nesse mesmo período, 31.519 famílias foram despejadas ou expulsas de 459 áreas que eram reivindicadas para assentamentos da reforma agrária. Segundo a instituição, ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), no ano passado, eram 130 fazendas ocupadas por 25 mil famílias de trabalhadores rurais sem terra na região, uma disputa de mais de um milhão de hectares.
No ano passado, a CPT divulgou um levantamento sobre a situação de 38 lideranças e trabalhadores rurais ameaçados de morte na região Sul-Sudeste do Pará. O estudo trouxe uma descrição do conflito e das medidas que estão sendo tomadas ou não pelas autoridades competentes e apontou a situação em que se encontra cada pessoa ameaçada. O diagnóstico foi enviado para o Ministério Público Federal, Incra, Ibama, Ministério Público do Trabalho, entre outras instituições, com uma série de recomendações para a proteção aos trabalhadores e ao meio ambiente. De acordo com a CPT, as causas estruturais das ameaças envolvem o “desmonte da reforma agrária”, a “impunidade” e a “ineficiência na defesa do meio ambiente”.
Entre os ameaçados de morte que constavam do relatório, está Laísa Santos Sampaio. As ameaças de morte que ela tem sofrido seguem um roteiro conhecido: recadinhos, invasões da própria casa, ter o cachorro alvejado por balas. E o final de uma história semelhante foi visto quando assassinaram sua irmã, Maria do Espírito Santo da Silva, juntamente com o marido dela, José Claudio Ribeiro da Silva, ambos lideranças do Projeto de Assentamento Agroextrativista Praia Alta Piranheira, localizado a cerca de 50 quilômetros da sede do município de Nova Ipixuna, Sudeste do Pará. O caso ganhou repercussão internacional em maio do ano passado. A professora é o próximo alvo dos pistoleiros porque manteve a luta da irmã. O projeto em Nova Ipixuna garante o sustento de mais de 500 famílias com a produção de óleos vegetais, açaí e cupuaçu.
O documento cita mortes anunciadas, como as de José Dutra da Costa, o Dezinho, Pedro Laurindo, José Pinheiro Lima, além das de José Claudio e Maria. Todos já haviam informado às autoridades as ameaças que sofriam.
Com informações do Blog do Sakamoto.
Atualizado às 11h15, de 10 de agosto de 2013, para inclusão de informações sobre assassinatos de lideranças no Pará.
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