O corpo do tratorista Welbert Cabral Costa, desaparecido desde o dia 24 de julho, foi encontrado na tarde desta quinta-feira, 22 de agosto, no interior da Fazenda Vale do Triunfo, localizada na zona rural de São Félix do Xingu, no sul do Pará (PA). A área é de propriedade da Agropecuária Santa Bárbara, empresa ligada ao Grupo Opportunity, que tem entre os acionistas o banqueiro Daniel Dantas. Segundo a Polícia Civil paraense, após denúncia anônima, a equipe coordenada pelo delegado Lenildo Mendes dos Santos, responsável por investigar o caso, conseguiu localizar os restos mortais da vítima a cerca de 20 km da guarita de entrada da propriedade, onde há quase um mês o trabalhador rural teria sido assassinado por reclamar direitos trabalhistas.
De acordo com o advogado Rivelino Zarpellon, que acompanha as investigações pela Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), a vítima fora identificada pelo irmão do tratorista. O familiar teria reconhecido as roupas que vestiam o cadáver, dadas de presente pela mãe, bem como uma falha característica na boca, que acompanhava uma prótese dentária. O corpo de Welbert fora encontrado amarrado, fato que levanta as suspeitas de que ele teria sido deslocado do local original para não ser encontrado, desde que o caso ganhou repercussão, conforme informações do integrante da SDDH à reportagem.
Os acusados pelo crime, Maciel Nascimento e Divo Ferreira, seguranças da Fazenda Vale do Triunfo, no entanto, continuam foragidos, segundo Zarpellon. Uma testemunha ocular teria presenciado os dois funcionários da empresa renderem Welbert Cabral Costa e realizarem um disparo contra a nuca do trabalhador, depois de uma discussão que se estendera por horas na portaria da propriedade. Na sequência, o corpo da vítima teria sido colocado na caçamba de uma camionete S-10 branca, para depois ser escondido em algum canto no meio do matagal da região.
No último 24 de julho, o trabalhador fora à propriedade, após estar afastado do serviço devido a um acidente profissional, para reclamar uma quantia em direitos trabalhistas que não lhe havia sido paga. Sua entrada fora barrada e daí teria começado uma discussão que seria encerrada com o assassinato do tratorista. À época, entidades da sociedade civil e movimentos sociais denunciaram o crime e cobraram agilidade nas investigações do caso. Welbert Cabral tinha 26 anos, esposa e quatro filhos pequenos, o mais velho deles com 5 anos de idade, e vivia com a família em Xinguara (PA), município vizinho a São Félix do Xingu (PA).
Grupo Santa Bárbara
Fundada em 2005, a Agropecuária Santa Bárbara é uma das maiores empresa de pecuária de corte do Brasil. Com relevante participação acionária do Grupo Opportunity, ligado ao banqueiro Daniel Dantas, possui, de acordo com informações da própria companhia, mais de meio milhão de cabeças de gado, distribuídas entre seus 500 mil hectares de terra, uma área equivalente a três vezes o município de São Paulo. Em nota enviada quando Welbert desapareceu, a empresa informou que está “colaborando com as autoridades para desvendar essa situação e apurar as eventuais responsabilidades”. “A Agro Santa Bárbara não coaduna, não avaliza, não acoberta, não aprova qualquer atitude ilícita, repudiando de forma veemente as injustas e falsas acusações de que outros eventos dessa natureza já teriam ocorrido em suas propriedades rurais”, diz o texto.
Em 2009, o Ministério Público Federal processou a empresa pelo desmatamento ilegal de 51 mil hectares, cobrando R$ 863,4 milhões (valor corrigido pelo IPCA) em indenizações. Três anos depois, uma operação libertou cinco trabalhadores mantidos em condições análogas às de escravos em uma fazenda do grupo. No mesmo ano, famílias ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que estavam acampadas em frente a uma fazenda do grupo em Eldorado dos Carajás (PA) protestando contra a grilagem de terras, o trabalho escravo e o uso excessivo de agrotóxicos tiveram de deixar o local depois que seguranças da área atiraram contra os manifestantes.
Tanto o Opportunity quanto Dantas aparecem, entre outros episódios, na Operação Satiagraha, deflagrada no começo de 2004 para investigar um grande esquema de corrupção, lavagem de dinheiro e desvio de verbas públicas. Além disso, a região, no sul do Pará, é conhecida pela pistolagem e frequentes ameaças e assassinatos de camponeses.
Mortes no Pará
De acordo com um relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), entre 1996 e 2010, 799 trabalhadores rurais foram presos, 809 foram ameaçados de morte e 231, assassinados, no Estado do Pará. Nesse mesmo período, 31.519 famílias foram despejadas ou expulsas de 459 áreas que eram reivindicadas para assentamentos da reforma agrária. Segundo a instituição, ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), no ano passado eram 130 fazendas ocupadas por 25 mil famílias de trabalhadores rurais sem terra na região, uma disputa de mais de um milhão de hectares.
No ano passado, a CPT divulgou um levantamento sobre a situação de 38 lideranças e trabalhadores rurais ameaçados de morte na região Sul-Sudeste do Pará. O estudo trouxe uma descrição do conflito e das medidas que estão sendo tomadas ou não pelas autoridades competentes e apontou a situação em que se encontra cada pessoa ameaçada. O diagnóstico foi enviado para o Ministério Público Federal, Incra, Ibama, Ministério Público do Trabalho, entre outras instituições, com uma série de recomendações para a proteção aos trabalhadores e ao meio ambiente. De acordo com a CPT, as causas estruturais das ameaças envolvem o “desmonte da reforma agrária”, a “impunidade” e a “ineficiência na defesa do meio ambiente”.
Entre os ameaçados de morte que constavam do relatório está Laísa Santos Sampaio. As ameaças de morte que ela tem sofrido seguem um roteiro conhecido: recadinhos, invasões da própria casa, ter o cachorro alvejado por balas. E o final de uma história semelhante foi visto quando assassinaram sua irmã, Maria do Espírito Santo da Silva, juntamente com o marido dela, José Claudio Ribeiro da Silva, ambos lideranças do Projeto de Assentamento Agroextrativista Praia Alta Piranheira, localizado a cerca de 50 quilômetros da sede do município de Nova Ipixuna, Sudeste do Pará. O caso ganhou repercussão internacional em maio do ano passado. A professora é o próximo alvo dos pistoleiros porque manteve a luta da irmã. O projeto em Nova Ipixuna garante o sustento de mais de 500 famílias com a produção de óleos vegetais, açaí e cupuaçu.
O documento cita mortes anunciadas, como as de José Dutra da Costa, o Dezinho, Pedro Laurindo, José Pinheiro Lima, além das de José Claudio e Maria. Todos já haviam informado às autoridades as ameaças que sofriam.
*com a colaboração de Stefano Wrobleski, Verena Glass e informações do Blog do Sakamoto