O Ministério Público do Trabalho (MPT) entrou, na última sexta-feira, 13, com uma ação civil pública contra a União solicitando que a Justiça declare a competência dos auditores fiscais do trabalho de todo o Brasil de interditar e embargar obras em andame em andamento que estejam “em situações de grave e iminente risco à saúde e integridade física dos trabalhadores”.
A ação, ajuizada na Vara do Trabalho de Porto Velho (RO), solicita o esclarecimento sobre o marco legal a respeito do tema e pede antecipação de tutela, por meio da qual o Poder Judiciário declare imediatamente a autoridade dos funcionários que atuam nas inspeções do trabalho de paralisar construções que apresentem riscos aos trabalhadores. Dessa forma, o trabalho dos auditores estaria livre da interferência dos superintendentes regionais do Trabalho e Emprego, situação sobre a qual a categoria vem reclamando. Num período em que proliferam grandes obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e os preparativos para a Copa do Mundo de 2014 e para as Olimpíadas de 2016, tal prerrogativa dos auditores foi revogada em alguns estados pelas respectivas Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego (SRTEs). Assinam a petição 11 procuradores regionais do Trabalho*.
Para o MPT, “interpretar que a competência para promover embargos e interdições pertence ao Superintendente Regional do Trabalho engendra, necessariamente, o desvirtuamento do instituto (…) Primeiro, porque os Superintendentes não são concursados, treinados e experimentados para a realização de um ato que é eminentemente técnico. Segundo, porque os Superintendentes não possuem imparcialidade para a efetivação do referido ato, já que são necessariamente indicados e, portanto, dependentes das forças políticas e econômicas dominantes”. Além disso, diz a ação, tais procedimentos são requeridos em situações de urgência, “incompatíveis com qualquer procedimento que envolva solicitação ou recurso à via hierárquica”.
Blindagem
“Queremos de uma vez por todas blindar os auditores fiscais com a independência requerida para que façam o seu trabalho”, diz um dos autores da ação, Ilan Fonseca, procurador do Trabalho da 5ª Região, em entrevista à Repórter Brasil. Segundo ele, esse tipo de interferência política, que teve início no Rio de Janeiro, com o lançamento da Portaria nº 73, de 18 de abril de 2011, é novo no Brasil: “Exatamente no momento em que cresce o número de grandes obras no Brasil o MTE [Ministério do Trabalho e Emprego] tem mudado de postura nesse aspecto”. Para Fonseca, com a adoção dessa nova postura, “a vida dos trabalhadores não está protegida”. O procurador explica que “o problema são as grandes obras, pois mais dinheiro e interesses estão envolvidos”.
O MPT chama a atenção para o “conflito normativo” existente no Brasil entre, de um lado, o artigo 161 da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) e as portarias editadas por algumas Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego – revogando a competência dos auditores – e, de outro lado, o Decreto Legislativo 4552/2002, que adequou a legislação brasileira à Convenção 81 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1947. A convenção determina, entre outras coisas, que “o pessoal de inspeção deverá estar composto por funcionários públicos cuja situação jurídica e cujas condições de serviço lhes garantam a estabilidade no seu emprego e os independizem das mudanças de governo e de qualquer influência exterior indevida”. Conforme aponta o texto da ação ajuizada pelo MPT, as interferências praticadas pelos superintendentes “violam” o conteúdo da convenção da OIT – ratificada em 1987 pelo Brasil – por estarem embasadas no “arcaico” artigo 161 da CLT.
Tal artigo outorga a responsabilidade de interditar e embargar obras justamente aos superintendentes, mas o Ministério do Trabalho e Emprego determinou, por meio da Portaria nº 483, de 2004, que tal função ficasse “tecnicamente” a cargo da Secretaria de Inspeção de Trabalho (SIT), aos quais os auditores fiscais então subordinados, enquanto as superintendências ficassem responsáveis pela parte “administrativa” do processo.
Acidentes de trabalho
Segundo dados divulgados pelo Ministério da Previdência Social, o
número total de acidentes de trabalho registrados no Brasil aumentou de 659.523 em 2007 para 711.164 em 2011 (crescimento de 7,8%), embora tenha diminuído em relação a 2008 (755.980). De 2010 (709.474) para 2011, o aumento foi de 0,23%. Já o número de mortes decorrentes de acidentes de trabalho subiu de 2.753 em 2010 para 2.884 em 2011, ou seja, um crescimento de 4,75%. Em relação a 2009 (2.560 óbitos), a variação foi de 12,65%. Daí a importância dos mecanismos de interdição imediata de trabalhos em situações de risco aos operários.
O impacto da interferência de uma SRTE no trabalho dos auditores fiscais ficou evidente no caso do embargo da reforma da Arena da Baixada, decidida mediante antecipação de tutela pela Justiça Federal do Trabalho em outubro deste ano. O Grupo Móvel de Auditoria de Condições de Trabalho em Obras de Infraestrutura do Ministério do Trabalho e Emprego (GMAI) havia solicitado o embargo imediato da obra por causa de risco de acidentes e ausência de medida de segurança para os trabalhadores encontrados durante a fiscalização, ocorrida entre os dias 16 a 27 de setembro. No entanto, desde 1º de agosto de 2013, quando o superintendente regional do Trabalho e Emprego do Paraná Neivo Beraldin promulgou a Portaria Nº 69/2013, os auditores não tinham mais poder para embargar obras sem autorização da SRTE/PR. O estádio, pertencente ao Clube Atlético Paranaense, será um dos que abrigarão jogos da Copa do Mundo de 2014.
Como o processo não se concluía, a Justiça Federal interveio e solicitou, em 1º de outubro, o embargo mediante antecipação de tutela. Procurado pela reportagem na ocasião, o substituto do superintendente, Luiz Fernando Favaro Busnardo, disse que o processo administrativo que decidiria pelo embargo ainda estava em andamento. Em 27 de setembro, já tendo conhecimento do relatório de fiscalização, Neivo Beldarin se dirigiu aos trabalhadores da Arena parabenizando-os pelo empenho e promovendo o “diálogo social”. Segundo a ação civil pública ajuizada no dia 13 pelo MPT, o superintendente transferiu aos operários “a responsabilidade e os riscos pela preservação de sua própria integridade física”.
Interferência política
A falta de independência política dos superintendentes do trabalho é ilustrada por uma lista contida na ação que revela que entre os 27 titulares de SRTEs, 21 são filiados ao Partido Democrático Trabalhista (PDT), agremiação do atual ministro do Trabalho e Emprego, Manoel Dias. Um superintendente é filiado ao PT, enquanto outros cinco não possuem filiação. A nomeação política para as SRTEs vem sendo criticada em várias circunstâncias pelos auditores fiscais. Em 19 de setembro, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) exigiu, em carta aberta, a destituição dos superintendentes nos estados do Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro e Rondônia, por estes terem revogado a competência dos auditores de embargar e interditar obras.
Em agosto deste ano, auditores fiscais de Rondônia reclamaram da interferência política da SRTE/RO no caso do embargo de um canteiro da obra da hidrelétrica de Jirau. A prerrogativa dos inspetores havia sido revogada pela superintendente Ludma de Oliveira Correa Lima por meio da Portaria 66, de 22 de julho. A construção de Jirau é considerada umas das principais obras do PAC, e também uma das mais problemáticas.
Também em Rondônia, numa fiscalização na Pequena Central Hidrelétrica PCH Jamari em 12 de novembro, auditores fiscais encontraram uma ensecadeira prestes a romper, pondo em risco a vida dos funcionários. Ensecadeira é uma pequena barragem provisória para desviar parte do curso da água e permitir que se trabalhe em seco na construção do “paredão” da barragem definitiva.
Os auditores, segundo nota do Sinait , quebraram o protocolo e informaram à superintendente sobre o embargo que consideraram necessário, efetuado em seguida. A urgência de tal medida ficou evidente quando o acidente sobre o qual os auditores fiscais haviam alertado de fato aconteceu. No dia seguinte, 13 de novembro, a estrutura quebrou, provocando a inundação do canteiro de obras. Se a construção não tivesse sido interditada, pelo menos 40 trabalhadores poderiam ter morrido.
Em consequência desse episódio, a superintendente restabeleceu a competência dos auditores fiscais do trabalho em Rondônia para interditar máquinas e embargar obras mediante a Portaria nº 122, publicada em 6 de dezembro. Ilan Fonseca opina que esses acontecimentos fortalecem a ação civil pública ajuizada no dia 13.
No Rio Grande do Sul também foram observadas interferências políticas. Segundo relatos de imprensa do início de novembro, o superintendente do Trabalho do estado, Heron Oliveira, ex-deputado estadual pelo PDT, foi indiciado pela Polícia Federal por corrupção passiva e formação de quadrilha por ter facilitado o fim de embargos de obras em troca de propinas. Destituído, foi substituído por Marco Ballejo Canto.
A ação tramita com o número: 0010450-12.2013.5.14.0008
Confira o documento da ação civil aqui.
* Os procuradores que assinam a ação são Marcos G. Cutrim, Tiago Muniz Cavalcanti, Ilan Fonseca de Souza, Marília Massignan Coppla, Alzira Melo Costa, Amanda Fernandes Ferreira Broecker, Rafael de Araújo Gomes, Emerson Albuquerque Resente, Raymundo Lima Ribeiro Júnior, Fernanda Alitta Moreira da Costa e Paulo Douglas Almeida de Moraes.
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