O ano letivo mal havia começado nos afluentes do Tapajós, quando cerca de 70 professores indígenas da etnia Munduruku ouviram seus nomes nos rádios das aldeias. A ordem era para que deixassem as escolas. Estavam despedidos e centenas de alunos ficariam sem aulas por tempo indeterminado. Após o comunicado, educadores começaram a descer das aldeias até a cidade para exigir recontratação. A mobilização culminou no trancamento da Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Desporto (SEMECD) de Jacareacanga, oeste do Pará, fechada pelos educadores desde segunda-feira, dia 10.
Eles exigem readmissão imediata de 70 professores, demitidos no final de fevereiro pela prefeitura, cobram a saída do secretário e melhorias na educação: “Nós, povo Munduruku, queremos respeito. Nós não somos analfabetos, somos educadores. Queremos a demissão do secretário de educação já. Fora Pedro Lúcio! Fora! Fora! Queremos uma educação de qualidade! Queremos respeito, secretário!”, diz a carta pública apresentada pelos indígenas.
Ouça a carta com as demandas dos Munduruku
Eles cobram também a presença de várias instituições em Jacareacanga, como a Fundação Nacional do Índio de Brasília, Ministério da Educação, Ministério Público Federal e Ministério Público do Trabalho.
Achamos isso um desrespeito com os direitos dos povos indígenas. Queremos o retorno imediato dos professores para as aulas |
Demissão seletiva
Os indígenas denunciam que apenas os professores indígenas foram demitidos, enquanto os não-índigenas na mesma situação continuarão dando aulas. Além disso, dizem que os novos professores não dominam as disciplinas, principalmente as de artes, língua materna, cultura indígena, e muitas vezes não sabem falar munduruku, deixando vários alunos sem entender as aulas. “Achamos isso um desrespeito com os direitos dos povos indígenas. Queremos o retorno imediato dos professores para as aulas”, afirma Paigomuyatpu Manhuary, ex-professor do 4º ano de ensino geral na aldeia Caroçal Rio das Tropas.
“É a primeira vez que isso acontece. Desde 2007 que eles trabalhavam. A gente quer que eles recontratem os professores. Reunimos, reunimos e não definiram nada. Aí fechamos a Secretária. Vai ficar fechada até eles resolverem isso”, explica Kabaiwun Kaba, membro do Movimento Munduruku Ipereg Ayu.
A maioria dos professores demitidos faz parte do projeto Ibaorebu, coordenado por André Ramos, indigenista e historiador. O curso técnico de oito anos tem como objetivo formar os indígenas em três áreas: enfermagem, magistério e agroecologia, o que possibilitaria a contratação dos mesmos. A primeira turma iria concluir o curso no início deste ano, porém houve atraso na oferta das disciplinas, o que fez com que o término fosse adiado para o final do ano.
Demitiram só os professores do Ibaorebu. A gente acha que isso é pra intimidar a gente. Agora várias aldeias estão todas sem aula |
Paigomuyatpu acredita que a decisão da Prefeitura é uma retaliação à fiscalização realizada em janeiro pelos Munduruku nos garimpos localizados em terras indígenas. Na ação, vários garimpeiros não-indígenas foram expulsos, e os maquinários, apreendidos. “Demitiram só os professores do Ibaorebu. A gente acha que isso é pra intimidar a gente por causa da fiscalização. Agora várias aldeias estão todas sem aula. Eu já falei para alguns vereadores: Se vocês não resolverem isso, não teremos mais acordo nenhum”, concluiu Paigomuyatpu Manhuary por telefone.
A prefeitura nega perseguições. Segundo João Kaba, coordenador de educação Indígena do município, a motivação da prefeitura para as demissões é a falta de formação dos professores: “Eles não tem curso superior, só fundamental. Eles não são concursados, são temporários. Todo final de ano acaba os contratos e esse ano não renovamos com eles. Vamos fazer a substituição”.
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