Após 30 anos de mineração, siderurgia e projetos de “desenvolvimento regional”, implementados a partir do Programa Grande Carajás, faz-se necessária e urgente uma avaliação crítica dos processos sociais, ambientais, econômicos e culturais desencadeados por esse grande investimento.
O Programa Grande Carajás (PGC) foi um desdobramento do Projeto Ferro Carajás, da então estatal Companhia Vale do Rio Doce (hoje privatizada e autodenominada apenas “Vale”), que visava, principalmente, garantir as condições infraestruturais para a exploração e transporte das gigantescas jazidas de minério de ferro do sudeste do Pará. O PGC foi institucionalizado pelo Presidente da República, João Figueiredo, através Decreto Lei 1813, de 24 de novembro de 1980.
Segundo esse decreto, os empreendimentos integrantes do Programa compreendiam: “I – serviços de infra-estrutura, com prioridade para: a) o projeto da Ferrovia Serra de Carajás – São Luís; b) a instalação ou ampliação do sistema portuário e de outros investimentos necessários à criação e utilização dos corredores de exportação de Carajás; c) as obras e instalações para a criação e utilização de hidrovias com capacidade para transporte de grandes massas; d) outros projetos concernentes a infra-estrutura e equipamentos de transporte que se façam necessários à implementação e ao desenvolvimento do Programa Grande Carajás; e) o aproveitamento hidrelétrico das bacias hidrográficas; II – projetos que tenham por objetivo atividades de: a) pesquisa, prospecção, extração, beneficiamento, elaboração primária ou industrialização de minerais; b) agricultura, pecuária, pesca e agroindústria; c) florestamento, reflorestamento, beneficiamento e industrialização de madeira; aproveitamento de fontes energéticas; III – outras atividades econômicas consideradas de importância para o desenvolvimento da região”.
Como se pode perceber pelos termos do Decreto Lei de criação, o PGC visava ser um programa de ação que ia muito além da exploração do minério do ferro. O Programa era conduzido por um Conselho Interministerial (também instituído no Decreto Lei) e foi pensado e realizado como um programa centrado na mineração e siderurgia, mas que atuasse como catalisador de “desenvolvimento regional”, cujo raio de ação compreenderia boa parte da Amazônia oriental, envolvendo o sudeste do Pará, o norte do Tocantins (à época, ainda, Goiás) e o sudoeste do Maranhão. As atividades a ele relacionadas compreendiam as mais variadas formas produtivas, a serem implantadas a partir de uma ampla rede de infraestrutura, com destaque para a Estrada de Ferro Carajás, inaugurada em 28 de fevereiro de 1985, e o complexo portuário de São Luís, constituindo um sistema mina-ferrovia-porto. Além desse sistema, compondo as condições de garantia de efetivação do Programa, foi criada, também, uma extensa malha de rodovias, vários aeroportos, grandes hidrelétricas, em especial, a Hidrelétrica de Tucuruí.
Apesar de ter sido oficialmente extinto em 1991, o Programa Grande Carajás alterou profundamente a história, a geografia e o ambiente da Amazônia oriental e suas consequências continuam presentes na vida cotidiana das cidades, dos povoados rurais, dos povos indígenas, dos quilombolas, dos ribeirinhos, das grupos sociais tradicionais, além de ter provocado intensas alterações nos biomas e paisagens.
Conflitos socioambientais
A Amazônia oriental, desde a década de 1960, tem sido alvo de políticas desenvolvimentistas promovidas pelos governos federal e estaduais, contando com a participação ativa de grandes grupos econômicos privados e com o financiamento de agências multilaterais de desenvolvimento, levando à implantação de grandes projetos industriais, de extração mineral, pesqueiros, turísticos, agropecuários e à expansão do desmatamento de áreas florestais e manguezais. São múltiplas as consequências (políticas, sociais, culturais, ambientais, religiosas e étnico/raciais) destas políticas e a presença de conflitos socioambientais, associados ao domínio e uso de territórios e de seus recursos naturais apresenta-se como um processo cada vez mais recorrente, despertando a necessidade de tomá-los como objeto de estudo e de articulação de movimentos de resistência e de reação a suas mais variadas consequências.
Procurando dar continuidade e reavaliar os resultados obtidos no “Seminário Consulta Carajás”, que foi realizado por movimentos sociais na região entre 1992 e 1995, uma parceria que envolve movimentos sociais e comunitários, sindicatos, pastorais, programas de pós-graduação e grupos de pesquisa universitários propõe, hoje, a realização do Seminário Internacional “Carajás 30 anos: projetos de desenvolvimento, resistências e mobilizações na Amazônia oriental”.
O Seminário é concebido a partir da busca de oferecer um testemunho concreto e inegável das contradições do ciclo de mineração e siderurgia e, para tanto, contará com uma significativa participação dos atingido por mineração em outras regiões do Brasil e do mundo. É um processo que culminará em um evento com duração de quatro dias, a ser realizado na Universidade Federal do Maranhão, entre 5 e 9 maio de 2014, e contará com a participação de assessores e experts no setor, bem como o testemunho de lideranças comunitárias e dos movimentos socioambientais. Durante o ano de 2013 e início de 2014, será precedido de Seminários Preparatórios Locais, que envolverão regiões e territórios e serão realizados em Imperatriz (16 a 18 de outubro de 2013), Marabá (21 a 23 de março de 2014); Santa Inês (21 e 22 de março de 2014) e Belém (9 a 11 de março de 2014). Os Seminários Locais levantarão perguntas e temas que deverão ser debatidos no Seminário Internacional, visando motivar a participação dos movimentos sociais e das comunidades e viabilizar a interação com a pesquisa acadêmica.
Seminário internacional
O Seminário internacional “Carajás 30 anos: projetos de desenvolvimento, resistências e mobilizações na Amazônia oriental” tem como objetivo geral avaliar criticamente os 30 anos do Programa Grande Carajás e, a partir do tema central do ‘desenvolvimento’, discutir suas consequências sociais, ambientais, econômicas, culturais na Amazônia oriental, envolvendo movimentos sociais, pastorais e grupos afetados, em diálogo permanente com grupos de estudos e pesquisadores acadêmicos. Buscará, portanto, ser um espaço transdisciplinar e que contemple múltiplos saberes.
Como objetivos específicos, podem se apontar: reunir, sistematizar e socializar estudos acadêmicos produzidos sobre a temática geral do Seminário, em diferentes áreas de saber e práticas, e estimular a pesquisa sobre esses assuntos; constituir em espaço de reflexão e articulação de movimentos sociais; envolver estudantes e professores universitários, trabalhadores de empresas, agentes estatais, sujeitos de movimentos sindicais e populares; redefinir a noção de ‘atingidos’ pelo desenvolvimento (ampliando-a); redefinir e fortalecer estratégias de resistência e alternativas; evidenciar uma pauta de reivindicações que apontem para caminhos e ações a serem assumidos pelos movimentos sociais; avaliar possibilidades de diálogo entre agentes envolvidos referidos ao Grande Carajás (comunidades, movimentos sociais, acadêmicos, empresas, agentes políticos).
Pretende-se que o seminário aconteça como um processo de mobilização de sujeitos de grupos sociais, militantes de movimentos sociais e sindicais, pesquisadores, professores, estudantes, trabalhadores. Para tanto, deverá ser realizado um amplo trabalho de base nas comunidades, escolas, universidades, sindicatos, visando envolver ampla participação na organização e realização de seminários preparatórios locais, que estão a acontecer desde outubro de 2013, quando Imperatriz, no Maranhão, recebeu a primeira Etapa Local. Depois vieram Marabá (PA) e Santa Inês, em março de 2014 e, no mês seguinte, Belém (PA). Agora as atenções se voltam para a Etapa Final, em São Luís, entre os dias 5 a 9 de maio de 2014. Nesse momento, estarão juntos os movimentos sociais e comunidades de todas as regiões que receberam as Etapas anteriores, preparatórias.
Em toda a Amazônia e no Brasil, pesquisas estão sendo realizadas buscando compreender melhor esta realidade. Evento assume a responsabilidade de contribuir para a construção de caminhos para seu enfrentamento |
Em toda a Amazônia e no Brasil, pesquisas estão sendo realizadas buscando compreender melhor esta realidade e movimentos locais, nacionais e internacionais estão relacionados com essa realidade. Desta forma, o evento assume a responsabilidade de ampliar as possibilidades de divulgação da pesquisa e do debate público dessas questões, de forma a contribuir para sua discussão e para a construção de caminhos para seu enfrentamento, bem como para tornar acessíveis aos mais variados movimentos a produção acadêmica que lhes interessa.
O evento será composto por 1) exposição de painéis com trabalhos resultantes de pesquisa de experiências sociais, organizações não-governamentais, estudantes, professores, pesquisadores; 2) Grupos de Trabalhos envolvendo participantes de movimentos sociais e ONGs, membros de órgãos estatais estudantes, pesquisadores, professores; 3) atividades de articulação de grupos envolvidos, incluindo fóruns de debates e reuniões; 4) feiras e exposições de experiências com o fim de expor e/ou comercializar produtos e experiências realizadas por grupos sociais; 5) Sessões de vídeos com apresentação de documentários e filmes relacionados à temática do evento; 6) exposição de fotografias e artes plásticas relacionadas à temática do evento; 7) atividades artístico-culturais com shows, apresentação de peças teatrais, apresentação de grupos de cultura popular; 8) Mesas Redondas compostas por estudiosos, lideranças de movimentos sociais, agentes empresariais e estatais; 9) Plenárias reunindo os participantes com o fim de sistematizar os debates realizados e apresentar documentos representativos do evento.
Espera-se que o Seminário se constitua, assim, em um momento de publicização dos desdobramentos decorrentes de 30 anos de grandes projetos de desenvolvimento na Amazônia oriental, explicitando que não há um consenso a respeito do modelo de desenvolvimento imposto. Assim, como resultados, deverá produzir a articulação da produção acadêmica existente e o estímulo para novas pesquisas integradas; articulação dos movimentos e lutas setoriais, rumo a convergências; troca de experiência entre produção acadêmica e movimentos e lutas sociais, com socialização dos estudos realizados e oportunidade de expressão dos saberes populares.
*Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior é professor do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais (PPGCSoc) e em Políticas Públicas (PGPP) da Universidade Federal do Maranhão
Serviço
Seminário Internacional Carajás 30 Anos
5 a 9 de maio
LOCAL: Centro de Convenções da Universidade Federal do Maranhão (UFMA)
ENDEREÇO: Av. dos Portugueses, 1966 – São Luís (MA) (ver mapa)
ENTRADA: entre R$40 e R$60 – inscrições no site do evento
ORGANIZAÇÃO: GEDMMA/UFMA, Fórum Carajás, Caritas Brasileira Regional Maranhão, Justiça nos Trilhos e MST
Leia também:
Especial – Carajás (2008)
Muito minério e pouco desenvolvimento ativam manifestações (2007)
Carajás – ein Entwicklungsmonster auf dem Vormarsch (notícia sobre o encontro em Alemão)
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