Itaetê, Morro do Chapéu e Salvador, na Bahia – No último dia 28 de maio, a presidente Dilma Rousseff anunciou que a partir de 1º de julho deste ano a mistura de biodiesel – produzido a partir de oleaginosas, sobretudo a soja – ao diesel vendido em postos de todo o país passará dos atuais 5% para 6%. No transcorrer do segundo semestre, a proporção deve chegar a 7% – o que levará o combustível a ser chamado de B7.
Foi justamente na esteira dos debates sobre a saúde financeira da Petrobras, considerada crítica por alguns analistas de mercado que repudiam a política do governo federal de segurar o preço dos combustíveis derivados de petróleo para conter a inflação, restringindo o faturamento da estatal, que ganhou corpo o debate sobre o aumento da participação do biodiesel na composição final do diesel.
Segundo cálculos da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), a passagem do atual B5 para o futuro B7 poderá representar uma economia de até R$ 2,3 bilhões para a Petrobras. Só em 2013, a gigante brasileira gastou US$ 8,3 bilhões na compra de óleo diesel no exterior, 24% a mais do que no ano anterior. O B7 também é visto com bons olhos pelas associações que representam a indústria nacional, já que as usinas operam com 50% de capacidade ociosa.
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Como nem poderia deixar de ser, a mudança do B5 para o B7 é vista de forma entusiasmada pela diretoria da Petrobras Biocombustível (Pbio), subsidiária da estatal. Não só por aliviar as contas do grupo Petrobras como um todo, mas também por representar uma significativa ampliação do mercado de biodiesel e um consequente aumento das receitas da companhia. Estima-se que o B7 demande mais 1,2 bilhão de litros à produção nacional anual, que chega a quase 3 bilhões de litros por ano.
Outro pleito das entidades que representam as indústrias de biodiesel é a liberalização do mercado. Atualmente, a Petrobras – e não a PBio – desempenha o papel de única compradora do biodiesel nos leilões organizados pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustível (ANP). Por essa razão, a direção da PBio evita comentar o assunto. Georges Flexor, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), entende que essa mudança pode trazer alguns benefícios. “Acredito que é possível passar para um organização em torno do mercado. Se há mais competição tanto na revenda como na oferta, é melhor por definição”, afirma. “A competição entre produtores e entre distribuidores gera ganhos de eficiência. Não vejo as vantagens que o Brasil tem com esse papel de preponderância da Petrobras nesse esquema”, completa.
Agricultura familiar
Apesar de reconhecer possíveis “ganhos de eficiência”, Flexor é mais pessimista com relação à possibilidade de o B7 alavancar a produção dos agricultores familiares, sobretudo a do semiárido nordestino, que tem na mamona o carro-chefe na cultura dos agrocombustíveis. “Isso vai beneficiar os mesmos que já se sabe: os agricultores do Sul e do Centro-oeste. Não há como produzir bilhões de litros de óleo vegetal baseando-se na produção do semiárido brasileiro. Isso é virtualmente impossível. A questão é saber quais são as alternativas. Está faltando saber quais são os custos e benefícios do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) e quais seriam as alternativas mais viáveis dados os objetivos iniciais do programa”, finaliza.
Criada em 2008 como parte do esforço do governo federal para dinamizar o mercado de biodiesel no país e ao mesmo tempo absorver a agricultura familiar na cadeia produtiva, a PBio é hoje a principal produtora nacional de biodiesel, apesar de ocupar o segundo lugar em capacidade, segundo dados da ANP. Em 2013, a empresa processou 348 milhões de litros – aproximadamente 12% dos 2,8 bilhões fabricados no país. De acordo com estimativas oficiais da própria companhia, ela pretende responder por 21% da produção brasileira até 2020.
A PBio conta atualmente com três usinas próprias – localizadas em Candeias (BA), Quixadá (CE) e Montes Claros (MG) – e mantém uma parceria (de participação paritária de capital) com a empresa gaúcha BSBIOS nas plantas industriais de Passo Fundo (RS) e Marialva (PR).
Somadas, as cinco usinas têm a segunda maior capacidade de produção autorizada pela ANP (o grupo nacional Granol, com usinas em Porto Nacional (TO), Anápolis (GO) e Cachoeira do Sul (RS) tem produção autorizada pela ANP de 2,326 bilhões de litros de biodiesel por dia), totalizando 2,28 bilhões de litros de biodiesel por dia – cerca de 10% da capacidade das 64 fábricas habilitadas a operar no país (Boletim Mensal do Biodiesel – ANP – dezembro de 2013).
Apesar de encabeçar produção nacional de biodiesel, a PBio apresenta balanço negativo. Em 2012, a empresa registrou prejuízo de R$ 217 milhões, apesar de sua receita ter atingido R$ 2,44 bilhões, um crescimento de 49% em relação ao ano anterior. “Os resultados operacionais das usinas são positivos. Existe uma melhora contínua dos resultados. Há outras origens para esse prejuízo. Nós estamos falando de uma empresa que está crescendo, que tem feito investimentos importantes”, explica o diretor de Suprimentos da PBio, João Augusto Araújo Paiva.
Ampliação e investimentos De fato, nos últimos anos, a PBio vem aportando recursos significativos na ampliação de suas usinas, investimentos que vêm sendo amortizados ao longo do tempo. A usina de Candeias (BA), por exemplo, inaugurada em julho de 2008, passou por duas grandes reformas que praticamente quadruplicaram sua capacidade produtiva, que hoje chega a 217,2 milhões de litros por ano. A segunda etapa de expansão, concluída em 2010, consumiu R$ 66 milhões.Ainda naquele ano, a empresa desembolsou R$ 15,5 milhões para adquirir 50% do capital da Bioóleo, empresa de processamento de óleo vegetal localizada em Feira de Santana (BA), responsável por absorver a produção dos agricultores do semiárido.Já em dezembro de 2012, foram inauguradas as novas instalações da fábrica Darcy Ribeiro, localizada em Montes Claros (MG), que teve sua capacidade de produção de biodiesel aumentada em 40%, para 152 milhões de litros anuais. O investimento total apenas nessa unidade ficou na casa de R$ 28 milhões.De acordo com planilhas oficiais da PBio, os investimentos da empresa entre os anos de 2012 e 2016 no setor de biodiesel compreendem 3% de um total de US$ 1,2 bilhão. Inicialmente, eles diziam respeito a duas iniciativas principais: o Projeto Pará Bioenergia, que previa a implementação de uma usina de biodiesel no Pará, e o Projeto Belém, que compreendia a construção de uma fábrica de green diesel em Portugal em parceria com a Galp, companhia de energia do país europeu. Ambas as usinas seriam alimentadas pelo óleo de dendê (também chamado de palma) produzido no Pará. Das duas iniciativas, apenas o Projeto Belém está caminhando. |
Corte de custos
Na avaliação de Georges Flexor, da UFRRJ, os planos de expansão e os novos investimentos traçados antes da ascensão de Maria das Graças Foster à presidência da Petrobras tendem a ser freados por conta da orientação voltada ao corte de custos e ao enxugamento de operações encampada pela atual mandatária da estatal. “Acho que nem o setor de etanol e nem o de biodiesel dão retornos suficientes. Com as novas diretrizes da Petrobras, mais focada em custo, certamente vai haver mudanças na Pbio”, analisa o professor. “O mais provável é que eles deem uma parada nos investimentos e tentem arrumar a casa para ver onde podem ser cortados custos para trazer mais eficiência”, acrescenta.
A avaliação do professor da UFRRJ é, em certa medida, acompanhada pelo próprio diretor de Suprimentos da PBio. “A busca agora é de ganho de competitividade nesses projetos [já existentes]. Esse é o alvo principal”, afirma João Augusto Araújo Paiva. Apesar de não revelar detalhes de eventuais novos investimentos, o diretor da estatal não descarta a possibilidade de a empresa apostar em novos projetos. “Existem estudos para isso. Não temos número para anunciar agora, mas existem estudos, avaliações de oportunidades”, afirma.
Uma dessas “oportunidades” veio à tona no início de 2014, quando ganharam força os rumores na imprensa de uma possível parceria entre a PBio e a Vale, que pode causar uma reviravolta nos projetos pensados para a região Norte do país. Atualmente, a mineradora controla 70% da Biopalma, usina instalada no município de Moju (PA) que produz biodiesel para abastecer sua frota própria de automóveis e locomotivas.
Segundo os termos mais prováveis da parceria, a PBio assumiria a operação da planta industrial de Moju e a Vale continuaria responsável pelas áreas de plantio de palma. Essa seria uma espécie de “saída honrosa” para a PBio, que tirou de suas prioridades o projeto de erguer uma nova usina de biodiesel no Pará.
Viabilidade econômica
Falando ainda sobre a questão de custos, Georges Flexor coloca em discussão a viabilidade econômica das operações das usinas próprias da PBio, instaladas em locais de difícil suprimento de matéria-prima por parte da agricultura familiar, o que se faz necessário para ter acesso aos benefícios tributários do “Selo Social”. Em outras palavras, o professor alerta que os custos (sobretudo da logística de suprimento agrícola) podem encarecer demais a manutenção das operações das usinas. “Do ponto de vista econômico e energético, é irracional. Mas se trata de uma decisão política e há outras racionalidades em jogo”, analisa.
Se você olhar para o arranjo industrial, nós temos duas soluções: ou você coloca a usina dentro do mercado ou dentro da matéria-prima. Nós estamos dentro do mercado |
“Se você olhar para o arranjo industrial, nós temos duas soluções: ou você coloca a usina dentro do mercado ou dentro da matéria-prima. Nós estamos dentro do mercado”, pondera o diretor de suprimentos da PBio. “O produto da usina de Quixadá (CE) – 70% vão para Fortaleza – está numa condição competitiva. A mesma coisa de Candeias (BA), que fornece para o mercado do entorno de Salvador. A empresa está com as unidades nesses locais, beneficiando-se do mercado regional, e está fazendo um trabalho de desenvolvimento com os produtores”, continua João Augusto Araújo Paiva.
“Para uma usina do Rio Grande do Sul atender o mercado do Ceará, há um problema de transporte do produto. E aí você começa a ter um equilíbrio nas contas. E há outros produtos também. A [nossa unidade na] Bahia produz metanol. Sem falar ainda em outras externalidades, que envolvem parte tributária de cada estado, por exemplo”, continua o diretor da PBio.
Ainda de acordo com ele, no caso da usina de Candeias, cerca de 70% da matéria-prima da usina vêm da Bahia – existe um grande polo produtor de soja e de algodão, por meio de agricultura mecanizada e empresarial, no oeste do Estado, por exemplo. Porém, para continuar desfrutando das isenções previstas no “Selo Social”, que garante incentivos tributários a indústrias de biodiesel que compram matéria-prima de agricultores familiares, a empresa dispões de duas opções: ou compra a produção da agricultura familiar, que vem basicamente das regiões Sul e Centro-Oeste do país, ou contabiliza os investimentos em insumos e assistência técnica fornecidos aos agricultores familiares, como a PBio já faz no semiárido.
* Esta é a quarta reportagem da série especial sobre o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), que faz parte das iniciativas da Repórter Brasil para promover o debate sobre os resultados e perspectivas após uma década de investimentos públicos no projeto. Na segunda-feira, dia 2, o Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis da organização realizou o seminário “PNPB, 10 anos: inclusão social ou inclusão produtiva?”.
Clique aqui para assistir no canal da Repórter Brasil no youtube à gravação do encontro na íntegra, com mais de três horas de duração.
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