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MPT aciona Justiça para que M. Officer seja banida de São Paulo por explorar escravos

Grife é acusada de se beneficiar de escravidão de maneira sistemática e praticar dumping social. Com base em lei paulista, procuradores pedem cassação de ICMS

O Ministério Público do Trabalho ajuizou Ação Civil Pública cobrando a responsabilização da M5, empresa detentora da marca M. Officer, pelo emprego sistemático de trabalho escravo em sua cadeia produtiva. Os procuradores Christiane Vieira Nogueira, Tatiana Leal Bivar Simonetti e Tiago Cavalcanti Muniz, que assinam a peça, pedem que a empresa seja condenada a pagar R$ 10 milhões, sendo R$ 7 milhões como danos morais coletivos por submeter pessoas a condições degradantes e jornadas exaustivas, e R$ 3 milhões pela prática do que classificam como dumping social, ou seja, a subtração constante de direitos trabalhistas como forma de se obter vantagens em relação a concorrentes. A ação pede que o valor total seja revertido para o “Fundo de Amparo ao Trabalhador ou seja convertido em bens ou serviços para reconstituição dos bens lesados”.

Além do pagamento, os procuradores pedem também a aplicação da Lei Paulista de Combate à Escravidão (a lei nº 14.946/2013, também conhecida como Lei Bezerra), que prevê que as empresas condenas pelo emprego de trabalho escravo tenham o registro do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) cassado e seus proprietários fiquem impedidos por dez anos de exercer o mesmo ramo de atividade econômica ou abrir nova firma no setor no Estado de São Paulo. A Repórter Brasil procurou a assessoria de imprensa da empresa, que, em nota, informou que “a M5 ainda não foi notificada da ação judicial ora noticiada, pelo que está impossibilitada de se manifestar a respeito do seu teor”.

Por conta das longas jornadas prolongadas, um dos costureiros improvisou um assento mais macio colocando uma toalha como apoio. Foto: Daniel Santini

Por conta das longas jornadas prolongadas, um dos oito costureiros resgatados costurando para a M. Officer improvisou um assento mais macio colocando uma toalha como apoio. No chão, roupa com a etiqueta da grife. Foto: Daniel Santini

A ação se baseia não apenas nos dois casos em que houve libertações de oito pessoas (dois e seis trabalhadores, respectivamente), mas também em outras diligências feitas pelos procuradores em meio a inquérito para apurar infrações trabalhistas na cadeia produtiva da grife. “Fomos em outras oficinas e verificamos que a situação se repetia. E nossa conclusão é que, se visitássemos outras dez oficinas que produzem para a M. Officer, a situação seria a mesma. Nosso objetivo é mostrar ao judiciário de forma bastante clara que a escravidão não é algo excepcional na produção, mas sim parte de um sistema estabelecido”, explica a procuradora Tatiana Leal Bivar Simonetti.

Os procuradores afirmam que antes de entrar com essa ação na Justiça tentaram por diversas vezes negociar um Termo de Ajustamento de Conduta com a grife, sem sucesso. “Em momento algum eles reconheceram a situação e se esforçaram para manter um diálogo conosco. Fizemos um apelo para que, até por uma questão de solidariedade humana, mesmo sem reconhecer a responsabilidade, eles regularizassem a situação dos costureiros como outras marcas já fizeram,  mas eles se recusaram a dialogar”, afirma a procuradora. “Ignoraram completamente todas as tentativas de solucionar o problema”, completa.

Rosicler Fernandes Gomes, diretora da empresa M.Officer. Foto: Roberto Navarro/Alesp

A diretora da M. Officer, Rosicler Fernandes Gomes, presta depoimento na CPI do Trabalho Escravo. Foto: Roberto Navarro/Alesp

CPI do Trabalho Escravo
Não é a primeira ação do MPT contra a M. Officer. Após o primeiro flagrante, no qual dois trabalhadores foram resgatados, o órgão acionou a Justiça e conseguiu o bloqueio, em caráter liminar, de R$ 1 milhão para assegurar os direitos dos dois costureiros. A decisão, porém, foi cassada pelo desembargador Salvador Franco de Lima Laurino, da Seção Especializada em Dissídios Individuais 6º do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo.

Após o segundo flagrante, no qual mais seis trabalhadores foram resgatados, representantes da empresa foram convocados pela Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo a prestar esclarecimentos. No plenário, os parlamentares fizeram um apelo para que a empresa pagasse as verbas rescisórias dos oito costureiros. A diretora de compras da M5, Rosicler Fernandes Gomes, presente na audiência, ficou de encaminhar o pedido ao presidente da empresa,Carlos Henrique Miele, mas, segundo os procuradores, nem isso deu resultado.

Frente à resistência da empresa, para tentar garantir os direitos dos trabalhadores resgatados, a Defensoria Pública da União também acionou a Justiça, em procedimento separado do MPT.

Terceirização irregular
A resistência da M. Officer em assistir os costureiros está relacionada ao fato de a empresa não reconhecê-los como empregados. Todo o sistema produtivo da grife M. Officer é baseado em terceirizações e até quarteirizações, em uma cadeia de subcontratações em série considerada irregular pelo MPT e pelo Ministério do Trabalho e Emprego, cujos auditores estiveram presentes nas duas fiscalizações em que trabalhadores foram resgatados.

A ação aponta que a terceirização é irregular devido à tentativa de “desvirtuar, impedir ou fraudar uma autêntica relação de emprego e, por conseguinte, a aplicação dos direitos trabalhistas fundamentais”, e destaca que apesar de não haver a relação formal de contrato direto, a M. Officer tem o total controle da produção e do pagamento dos costureiros. “Embora os trabalhadores flagrados em situação degradante e análoga a de escravo não tenham sido diretamente contratados pela M5, estão inseridos em sua cadeia produtiva, eis que costuram peças seguindo ‘peça-piloto’ idealizada pela equipe de criação da Ré e utilizando-se de materiais (tecido, adornos, etc) fornecidos por esta”, diz o documento (baixe a Ação Civil Pública na íntegra em arquivo PDF).

“Ainda que não haja um controlador direto no ambiente produtivo, é certo que a ré promove um ‘controle de qualidade’ sobre as peças produzidas. Este controle de qualidade pode ser encarado como espécie de poder diretivo, uma vez que peça não aprovada significa peça não paga. Percebe-se, pois, a total transferência do risco do empreendimento ao trabalhador”, afirma os autores da ação.

R$ 4 por peça
Para as oficinas intermediárias, a M. Officer pagava, em média, R$ 4, valor que era então repassado com descontos às oficinas subcontratadas, que, por sua vez, reduziam ainda mais o pagamento aos costureiros. Como eram pagos por produção, os empregados acabavam cumprindo jornadas exaustivas. A ação destaca que o costureiro subcontratado “trabalha até o limite de suas forças, em jornadas subumanas, como se máquinas fossem” e que “os trabalhadores, embora jovens, relataram sentir dores nas costas, coluna, olhos e juntas”.

Um dos trabalhadores permanecia sentado o dia inteiro em uma cadeira de madeira. Foto: Daniel Santini

Um dos trabalhadores resgatado permanecia sentado o dia inteiro em uma cadeira de madeira. Foto: Daniel Santini

Segundo a ação, em depoimento ao MPT a diretora Rosicler Gomes afirmou que alguns dos fornecedores contratados “chegam a quarteirizar a produção para cerca de quarenta subcontratados” e que a M. Officer acaba “priorizando os fornecedores que subcontratam, por representar custos mais baixos de produção”. Com isso, os procuradores concluem que a empresa “fechou seus olhos de forma proposital e deliberada” e ignorou “os evidentes riscos de seus produtos estarem sendo produzidos com mão de obra escrava, tudo com o fito precípuo de reduzir custos, aumentar os lucros, às custas da sonegação de direitos sociais sagrados”.

Sweating system
A procuradora  Christiane Vieira Nogueira, que faz parte da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete) do MPT e também assina a ação proposta agora, destaca que a preocupação do órgão desta vez é em demonstrar que a M. Officer é responsável por empregar trabalho escravo de maneira sistemática e não apenas em episódios pontuais.

“A discussão na ação gira em torno da questão da responsabilidade por toda a cadeia produtiva e, diferentemente da maioria dos casos já conduzidos pelo MPT, não trata de pagamento de verbas rescisórias ou da situação específica dos trabalhadores resgatados das oficinas, mas aborda o modelo de produção mesmo, então, especialmente tendo em conta as dimensões do estado de São Paulo, acreditamos que poderá configurar um novo paradigma para o setor”, afirma, destacando que no chamado “sistema de suor” (do termo “sweating system, em inglês), são comuns as jornadas exaustivas, condições degradantes e exploração de trabalhadores imigrantes.

“O caso da M. Officer expõe muito bem as entranhas dessa estrutura: como as grifes têm total controle sobre a produção, determinando o modo de fazer, os modelos, realizando controle de qualidade etc., mas como buscam se afastar da responsabilidade com os trabalhadores, ou seja, o que interessa é que as peças sejam produzidas, não importando como, nem por quem”, explica, ressaltando que os procuradores tentarão utilizar a nova legislação paulista em outras ações futuras. “A Lei Bezerra é recente e esse é um dos primeiros casos posteriores à sua regulamentação. O MPT procura utilizar todos os meios disponíveis para a erradicação do trabalho escravo e essa lei, no âmbito do estado de São Paulo, é mais um desses instrumentos. Então, é intenção da instituição sim incluir pedidos relativos à Lei nas nossas ações e exigir a sua aplicação pelos órgãos competentes”.

Segundo a procuradora Tatiana Leal Bivar Simonetti, ao pedir o banimento da M. Officer de São Paulo, o MPT pretende modificar o setor têxtil como um todo. “Sabemos que a empresa não é a única que se beneficia de trabalho escravo e isso tem que acabar”, afirma. Ela acredita que a exposição do sistema em que as roupas são produzidas, com uso sistemático de escravidão, provocará também um impacto no mercado consumidor. “Hoje as pessoas têm uma consciência social maior, buscam qualidade de vida e respeito ao meio ambiente e às pessoas. A gente escolhe uma marca por acreditar que as peças são produzidas por profissionais capacitados e bem remunerados. Explorar trabalhadores em completa vulnerabilidade social não condiz com uma grife”, defende.

Procurada pela Repórter Brasil, em nota, a  M. Officer emitiu o seguinte posicionamento sobre a ação e as acusações do MPT: “A M5 ainda não foi notificada da ação judicial ora noticiada, pelo que está impossibilitada de se manifestar a respeito do seu teor. Ainda assim, ratifica seu posicionamento no sentido de que cumpre integralmente todas as obrigações trabalhistas que incidem sobre o exercício de suas atividades empresariais, nos exatos termos e em respeito à legislação em vigor, bem como de que não possui qualquer responsabilidade sobre os fatos ora noticiados, consoante será oportunamente demonstrado perante o Poder Judiciário.”

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3 Comentários

  1. beatriz sarmento velloso

    Épreciso mesmo muita ação contra estes empresários que costumam escravizar pessoas humildes e necessitadas, em benefício de menor custos de seus produtos e consequentemente maior lu
    cro. Crime que devia ser inafian çável e até mesmo hediondo. Horrível e merecem penas até maiores.

  2. jonatas

    A empresa terceiriza, ou seja ela compra para revender!!

    Ela deve fiscalizar as empresas que vendem pra ela?

    Se for assim quando comprar carvão para vender no mercado tenho que ir no carvoeiro???

    Óbvio que a Marca não é culpada e isso não passa de sensacionalismo barato….

  3. marcos augusto lenhart

    É obvio que esta reportagem é fraudolenta, e não demonstra em nenhuma condição de trabalho escravo. as maquinas são profissionais, o piso é de porcelanato, e é obvio que uma cadeira de madeira pode servir provisoriamente como banco. Isso não condiz com trabalho escravo!!!
    O que a reportagem não anunciou, e quantas peças eles produziam por dia, o que facilmente poderia se calcular, quanto cada trabalhador recebia. Fazendo um calculo rapidinho. se ele produzisse facilmente 30 peças por dia a 4 reais, seriam 120,00 o dia X 22 dias o que significa uma receita de 2640 por trabalhador. bem é um salario muito bom para se trabalhar 48 horas semanais.
    e agora. o que vão fazer estes trabalhadores? vocês ja se perguntaram ou questionaram o que o MPT vai fazer com este pessoal? o Bolsa familia vai sustentar por 800,00? qual será o grau de escolaridade deste pessoal? será que eles conseguiriam um lugar melhor para trabalhar?
    será que a foto que mostraram não é de uma local (deposito) para impressionar os leitores?será que não é um baquete preparado pelos procuradores (advogados) sedentos por 30% da ação milionária que querem cobrar de uma empresa grande?
    É muito facil acusar os empresarios de exploraçao. E o nosso governo? quem vocês acham que mais explora em toda a cadeia financeira que circula neste pais?
    Por que os reportes não vão efetivamente procurar a real exploração que os empresários sofrem com este governo bandido e corrupto, exigindo mais e mais dinheiro para pagar a festa de seus governantes? porque? porque voces SÃO COVARDES e se aliam ao movimento assistencialista deste governo, tirando a vara de pesca dos pescadores para lhes vender a ideia de que “ganhar” é muito mais facil. Mas quem sustenta este país? é o governo? são os marcianos? ou são os empresários
    Pois então, quando tinha os meus 12 anos, comecei minha vide de trabalho com a minha mãe, fui escravisado?! ora, aprendi a trabalhar, e dar valor ao dinheiro e nuca me faltou nada, nem sequer perdi um braço, muito menos um dedo. Dor nas costas nunca matou ninguém, e quando dava a dor nas costas, eu me ajeitava melhor na cadeira, aí passava.
    Então, MPT, vão buscar algo de util para fazer, pois vocês estão querendo tirar da mão de trabalhadores sua dignidade de sustento. Neste País, é sim necessário trabalhar, pois não esqueças que temos que pagar os seus altos salários, senhores fiscais, além de todos os beneficios milionarios e estabilidade que voces tem o resto da vida e que é pago por nos civis!!!

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