A recente reviravolta no cenário eleitoral reacendeu o debate sobre a características peculiares da candidata Marina Silva, sobretudo, tendo em vista o seu potencial de conquistar votos. Mas, quais seriam essas características peculiares no comparativo aos outros dois candidatos?
Marina não se coloca como candidata por um dos dois partidos que rivalizam as competições majoritárias presidenciais nas últimas décadas. Não é do PSDB e se desligou do PT em um processo de crítica fortemente direcionado à linha que domina este partido desde meados do segundo mandato do governo Lula até hoje.
Além disso, Marina Silva coloca-se como uma candidata com propostas políticas com ênfases específicas relativas às questões ambientais, em uma perspectiva colocada como o “desenvolvimento sustentável”. Outra especificidade levantada pelos seus opositores é o fato de ser evangélica, da Assembleia de Deus. Mas ao contrário do que seus adversários tentam sustentar, a relevância política deste fato está apenas na possibilidade de que esta característica lhe confira uma parcela significativa de votos do público evangélico.
A discussão que gostaria de levantar não é esta que considero uma retórica ilusionista cujo objetivo é retirar a atenção das questões que podem de fato provocar questionamentos às propostas políticas dos três candidatos. Quero discutir aqui sobre o que esperar de Marina do ponto de vista de sua trajetória de militante ambientalista |
Evidentemente a posição particular de um candidato, concernente à religião, não tem implicação automática nas suas decisões enquanto representante eleito. Se a posição de liderança política correspondesse exatamente à posição religiosa ou moral pessoal, certamente a Presidenta Dilma teria se colocado de forma mais enfática junto às bandeiras dos grupos LGBT e não teria se alinhado aos setores evangélicos em disputas importantes como aquela que resultou no recolhimento do material educativo que incluía a homossexualidade como algo comum e legítimo em seu conteúdo.
A discussão que gostaria de levantar não é esta que considero uma retórica ilusionista cujo objetivo é retirar a atenção das questões que podem de fato provocar questionamentos às propostas políticas dos três candidatos. Quero discutir aqui sobre o que esperar de Marina do ponto de vista de sua trajetória de militante ambientalista e de suas recentes posições.
Proponho quatro questões para reflexão:
1 – Sobre quais aspectos precisamos questionar Marina?
Sobre a valorização da participação: Marina Silva sempre se colocou comprometida com a participação da sociedade civil. Durante a sua gestão foram realizadas as primeiras Conferências de Meio Ambiente e diversos novos espaços de participação foram criados. Sua proximidade com as mais diversas correntes do ambientalismo e a trajetória ligada aos movimentos socioambientais e aos povos da Amazônia coloca a candidata em uma relação bastante forte com a sociedade civil. Além disso, parte importante da Rede Sustentabilidade vem de organizações ambientalistas importantes e tradicionalmente empenhadas na participação política.
As possibilidades e os limites: Para fazer uma efetiva diferença na questão da participação, ela teria que enfrentar questões difíceis como a introdução de mecanismos de participação no licenciamento ambiental, a adequação dos formatos de processos participativos para grupos culturalmente diferenciados e a introdução de outros fundamentos de legitimação da decisão que não aqueles estritamente técnicos. Teria também o desafio de cumprir da Convenção 169 da OIT a qual o Brasil é signatário, que determina a consulta prévia às comunidades impactadas por grandes empreendimentos. Outros dois grandes aspectos se colocam como ainda mais desafiadores para qualquer dos candidatos: a abertura para um debate mais amplo e participativo sobre o modelo econômico e sobre as políticas de ciência e tecnologia – ambos estão sob o domínio absoluto de ruralistas e empresários.
2 – Como tornar a política ambiental participativa e com efetividade?
Sobre o modelo de desenvolvimento: Durante sua passagem pelo MMA Marina manteve uma posição bastante crítica às diversas iniciativas ligadas ao modelo de desenvolvimento econômico do governo. Amargou grandes derrotas como a liberação dos transgênicos, as hidrelétricas na Amazônia, o avanço do agronegócio. Hoje, a candidata mantém um discurso crítico às atividades impactantes, mas, buscou flexibilizar suas posições, sugerindo que há a possibilidade de compatibilizar crescimento econômico com uma ideia de sustentabilidade (sem deixar claro o significado desta).
As possibilidades e os limites: Se tomarmos o engajamento histórico de Marina e o fato de ela ter saído do governo Lula por inconformidades com a atual política econômica que se reflete nas alianças, sobretudo, com a bancada ruralista, é de se esperar que ela de fato estabeleça um freio no modelo de desenvolvimento baseado no extrativismo e na criação de grandes projetos, como grandes hidrelétricas, complexos de mineração, portos etc. Por outro lado, como sua proposta permanece inserida na lógica do sistema capitalista é provável que haja apenas um arrefecimento nessas iniciativas, num sentido mais próximo ao do primeiro governo de Lula, porém sem conseguir enfrentar radicalmente questões relativas às desigualdades socioambientais.
3 – Qual o sentido da “sustentabilidade” e o que exatamente será mudado no modelo econômico atual?
Sobre a política ambiental: Para quem não está muito ligado ao ambientalismo é preciso avisar que existem diversas concepções sobre o “meio ambiente”. As políticas ambientais podem ter um caráter mais conservacionista que enfatiza a proteção do meio ambiente e o toma como um valor em si mesmo; ou podem ter um caráter mais social e político, como enfatiza a perspectiva da “justiça ambiental”**, que aborda a relação do ambiente com os seres vivos, denunciando que esta relação é determinada pelas desigualdades sociais, econômicas e culturais; ou seja, impactos ambientais são desigualmente distribuídos na sociedade.
As possibilidades e os limites: Marina é uma socioambientalista historicamente comprometida com os povos da Amazônia e as lutas de Chico Mendes que construíram uma base para o ambientalismo brasileiro, relacionando-o as camadas mais pobres, aos indígenas e diversos grupos sociais subalternalizados. Mas, enquanto candidata ela precisa explicitar sua posição em relação à regularização fundiária dos povos indígenas, quilombolas, pescadores etc. Entretanto, sem o avanço nos aspectos que mencionei acima, será muito difícil acreditar que ela possa sustentar uma posição socioambiental semelhante a que sustentava antes. Neste caso corre-se o risco de que a tarefa da “sustentabilidade” recaia justamente sobre as populações que mais sofrem com os efeitos do desenvolvimento econômico através do modelo de grandes projetos como os que estão em curso. É isto que estamos observando hoje quando diversos grupos sociais que têm suas vidas afetadas dramaticamente pela criação tanto de hidrelétricas, minerodutos, portos etc., quanto de unidades de conservação e outras políticas de compensação ambiental**.
4 – Qual política ambiental? Qual o compromisso efetivo com a eliminação das desigualdades ambientais?
Sobre participação, economia e meio Ambiente: Engana-se quem acha que as questões ambientais não se relacionam profundamente com a política econômica, com a democracia e com as desigualdades sociais e culturais das nossas sociedades. Ao enfrentar o desafio de incluir a agenda ambiental no centro das discussões políticas mais urgentes percebe-se que as mudanças nesse sentido estão imbricadas com todo o desenho de mundo que elaboramos, em suas dimensões econômicas, sociais e culturais. Por isso, talvez esta seja a agenda com o maior potencial de provocar mudanças estruturais nas nossas sociedades. Mas, evocar as palavras não implica no comprometimento efetivo com seus sentidos. A presença de Marina Silva como uma concorrente de peso nessas eleições é importante por colocar em evidência este tema e por obrigar os outros candidatos a responder a essas questões. Mas, ela própria terá um grande desafio de sustentar suas posições e responder com maior clareza qual o seu projeto de política ambiental em um contexto de economia capitalista.
* Cristiana Losekann é professora de Ciência Política da Universidade Federal do Espírito Santo e pesquisou os anos em que Marina Silva foi ministra do Meio Ambiente, como parte de sua tese de doutorado sobre o ambientalismo no governo Lula.
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** Para saber mais sobre a perspectiva da “justiça ambiental” e para uma crítica às políticas de compensação ambiental, a autora recomenda as respectivas leituras: ACSELRAD, Henri. Ambientalização das lutas sociais – o caso do movimento por justiça ambiental. Estud. av., São Paulo, v. 24, n. 68, 2010 e ACSELRAD, Henri. Descaminhos do ‘ambientalismo consensualista’. Observatorio Social de América Latina, v. XIII, p. 39-49, 2012
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