Especial Biodiesel

Estado e mercado podem reinventar o papel das cooperativas no Programa de Biodiesel

Associações de agricultores que participam do Programa do Biodiesel avaliam que aprimoramento do relacionamento com governo e empresas pode gerar cenário mais positivo
Por Antonio Biondi
 03/10/2014

Nem tanto ao Estado, nem tanto ao mercado. Um mergulho na realidade atual das cooperativas que participam do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) demonstra que a situação das associações ainda pode melhorar – e muito. Para isso, tanto o Estado quanto o mercado podem aprimorar vários aspectos de sua atuação no programa e de seu relacionamento com as cooperativas, gerando um cenário mais positivo para todos.

A Repórter Brasil viajou por três regiões do país, visitando cooperativas nos estados de Goiás, Rio Grande do Sul, Piauí e Mato Grosso, a fim de conhecer melhor a realidade das cooperativas ligadas ao PNPB. A escolha das cooperativas partiu da lista das 105 associações apresentadas como habilitadas no programa em dezembro de 2013. Os estados foram escolhidos a partir do número de cooperativas habilitadas (casos do Rio Grande do Sul, com um total de 48 cooperativas habilitadas no momento inicial da pesquisa, e de Goiás, com surpreendentes 11 cooperativas), pela liderança na agricultura nacional (caso do Mato Grosso) e pelo papel emblemático desempenhado no PNPB – caso da Cooperativa Santa Clara, no Piauí.


Ao longo da pesquisa, a reportagem esteve na sede da Coomafa, Cooperativa Mista dos Agricultores Familiares de Amaralina (GO). O presidente da associação, Anasor Ferreira, explica que a cooperativa atua com base em dois assentamentos, organizados a partir da atuação da Contag e da Fetaeg. O Projeto de Assentamento Água Fria conta com 157 famílias e o Zebulândia com 40. A Coomafa tem no leite seu principal produto.

As terras que deram origem aos dois assentamentos eram da família Braguetto: a posse da fazenda Zebulândia foi conquistada em 1996, sendo que o assentamento manteve o nome original. Já as fazendas de Araras e Marupiara tiveram sua posse conquistada pelos movimentos em 2001, dando origem ao Água Fria.

A cooperativa produz cerca de 4 mil litros de leite por dia, além de cultivar em torno de mil hectares de gergelim, que vai para São Paulo, de onde é exportado para a China e outros países. Além disso, há também o gado de corte, vendido na própria região. A fazenda Cristo Rei, uma das principais da região, fica ao lado da sede da Coomafa, e está arrendada para uma empresa norte-americana, que plantou nesta safra 1.800 hectares de soja.

A Coomafa foi registrada em 2008, contando com somente 21 sócios no início. Anasor Ferreira afirma que a cooperativa ainda enfrenta muitas dificuldades, carecendo de maior incentivo por parte do governo. “Ainda temos muita dificuldade com o atravessador. Tudo isso foi motivo para criarmos a cooperativa.”

Joaquim Roberto Lino Teixeira é inspecionista rural da Emater de Itaberaí (GO) desde 1993. Além disso, foi um dos fundadores da Cooperativa Agropecuária dos Produtores Rurais de Itaberaí (Coapri), da qual foi seu primeiro presidente. Sob suas gestões, a Coapri chegou a se dedicar por alguns anos ao PNPB, mas atualmente trabalha, sobretudo, com a merenda escolar, por meio do PNAE, o Programa Nacional de Alimentação Escolar.

Instalação da Granol. Foto: Divulgação
Instalação da empresa Granol, Anápolis (GO). Foto: Divulgação

Ele acrescenta que hoje a cooperativa se dedica a um projeto novo da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que se baseia na compra antecipada da produção e doação para instituições locais. “O dinheiro vem direto para a conta da cooperativa, ao passo que o PNAE passa pela prefeitura”, explica.

Desafios do Nordeste ao Sul
Das cooperativas visitadas e contatadas, a da Fazenda Santa Clara, no Piauí, certamente é a que enfrenta uma situação mais delicada no que diz respeito à relação das empresas e governos com os agricultores familiares. Mas certamente as demais também apontam para aspectos a serem aprimorados ou corrigidos no PNPB.

A Cooperativa Agrícola Mista Ourense Ltda. (Camol) atua nos arredores de São José do Ouro (RS), região do Alto Uruguai, desde 1970. Sua criação coincide com um período de intensificação da produção das monoculturas de trigo e soja na região noroeste do Rio Grande do Sul. As duas culturas – uma “de inverno” e outra de “verão” – revezam nos campos das pequenas e médias propriedades que caracterizam a região. O milho costuma ocupar a terra nas entressafras.

É exatamente esse o perfil dos 4.100 associados da Camol. De acordo com Adilo Gelain, presidente da cooperativa desde 1999, 80% dos associados são pequenos proprietários, espalhados pelos municípios de São José do Ouro, Barracão, Cacique Doble, Machadinho, Tupanci do Sul e Santo Expedito do Sul. A cooperativa comercializa trigo, milho e soja, além do leite. Mantém uma fábrica de rações e uma unidade de resfriamento de leite. Porém, os sete armazéns antes dedicados ao recolhimento da soja estão hoje arrendados para uma empresa que atua em 41 municípios da região, a Olfar.

Só plantamos soja para o programa. Este ano foram 500 hectares, mas somente uma pessoa plantou a parcela toda dela

“Nós tivemos dificuldades aqui e arrendamos os armazéns para receber de aluguel uma porcentagem da produção recebida pela Olfar”, conta Adilo. Segundo ele, as dificuldades financeiras surgiram de um calote dado por uma antiga compradora da soja produzida pelos associados, a Agrenco – que nos últimos anos enfrenta um delicado e controverso processo de falência. O presidente da Camol acrescenta que, diante “dessa tendência de soja, fomos buscar recurso de banco e isso também nos gerou custo financeiro alto”. Com isso, prossegue, “enfrentamos dificuldades, e agora estamos tentando pagar os associados com o aluguel para a Olfar”.

A Olfar assumiu também a gestão dos produtores inscritos no PNPB. Adilo garante que, para os produtores, nada mudou. “De fato, não mudou nada. Só de direito. Só mudou o nome da empresa”, diz. A Olfar conta com o Selo Combustível Social. Para ele, o PNPB é “interessante” para os produtores. “Além da bonificação, é bem importante a assistência técnica”, diz. “Tem uns três, quatro laudos por ano, e isso tudo aí converge para uma assistência técnica efetiva para o associado da cooperativa”. Até março de 2013, a Camol encontrava-se em situação “suspensa” na lista das cooperativas habilitadas do PNPB.

A Cooperativa da Agricultura Familiar de Floriano Peixoto (Coperflor) também passa por dificuldades financeiras e deixou de atuar este ano. Em março de 2014, sua renovação encontrava-se em análise na lista do PNPB. O atual presidente, Sérgio Babicz, diz que a cooperativa está em busca de soluções, mas que não há previsão de retomada das atividades. Em relação ao biodiesel, ele informa que não foi realizado nenhum pré-contrato este ano. “A gente comercializava com a Oleoplan, mas não temos nada previsto para este ano”, informou. A Oleoplan também conta com o Selo Combustível Social.

Cooperativas falam da relação com o MDA

A Repórter Brasil buscou compreender a relação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) com as cooperativas visitadas e contatadas por telefone. José Pereira Vinhal, presidente da Coopafana em Santa Isabel, afirma que o papel do ministério junto aos agricultores é positivo, e que fortalecê-lo pode ser igualmente importante. “Eles já vieram aqui, já fui lá também. A relação é boa, tem dado tudo certo”. De acordo com Vinhal, os servidores do MDA têm ajudado a cooperativa a se estruturar.

Na região de Frederico Westphalen (RS), o MDA apoiou um importante programa de unidades técnicas demonstrativas de diversificação da produção de novas oleaginosas, agricultura orgânica, etc. A iniciativa, voltada também a gerar renda para as famílias, foi gestada no âmbito do programa Territórios da Cidadania do governo federal, e implementado em parceria com o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).

Marcelo Leal, integrante da coordenação nacional do MPA, explica que o projeto contava com quatro visitas, buscava estimular a utilização de fertilizantes orgânicos e biofertilizantes, atendendo a 40 famílias e utilizando aproximadamente R$ 231 mil. “O programa foi executado aqui na região durante um ano, de 2012 para 2013. Houve família que chegou a gerar R$ 5 mil no gergelim, em um hectare.”

Sem continuidade
O agrônomo lamenta, contudo, que depois o MDA não deu prosseguimento ao programa. “Foi muito bom, criou-se uma demanda, cerca de 200 famílias interessadas, mas agora não existe mais. Isso acabou sendo muito ruim, pois as pessoas continuam interessadas, e não houve continuidade.” Para Leal, seria importante o ministério retomar a iniciativa na região, e multiplicá-la em outros estados.

Dilson Goi, da Coopertã, tem convicção de que o PNPB ajuda os associados da cooperativa. Mas tem lá suas dúvidas da forma que governo e empresas participantes do programa se relacionam, de que forma se dá a remuneração e lucratividade das companhias no PNPB, etc. “Por exemplo, a bonificação de R$ 1,20 por saca de soja, que o pessoal já está achando que é pouco. O MDA devia vir aqui e dizer de que forma ele repassa para as empresas, quanto de recursos.”

Ele destaca que os agricultores também podem receber mais R$ 1,50 por saca de soja para deixar sua produção disponível em estoques ligados ao programa. “Nós estamos achando que está bom, mas de repente não está. A gente gostaria que o MDA abrisse esses dados para nós, mas a gente não consegue.” A informação, a assistência, o PNBP em seu todo poderia, portanto, chegar mais à ponta final do programa, conforme afirmado não somente pelo presidente da Coopertã, mas por todos os exemplos apresentados.

Grandes e pequenos juntos em Goiás
Já em Santa Isabel, Goiás, as famílias assentadas ligadas à Coopafana (Cooperativa Mista dos Agricultores Familiares do Assentamento Nova Aurora) estão na quinta safra de soja, segundo o presidente José Pereira Vinhal. Em entrevista realizada em seu lote, ele conta que no começo da inserção das famílias no PNPB “deu alguns problemas, porque o solo ainda não estava adaptado para a soja”.

A soja plantada ali vai para a Granol de Anápolis, desde o primeiro ano. Vinhal estima que sejam quinze famílias que participam do programa no assentamento, além de algumas de fora do assentamento, mas ligadas à cooperativa. “Só plantamos soja para o programa. Este ano foram 500 hectares, mas somente uma pessoa plantou a parcela toda dela”, explica. “Eu plantei 17 hectares, de um total de 25. O resto é onde eu mexo com o leite e as outras coisas.”

Em média, cada hectare plantado rende na faixa de 50 sacas de soja. “No primeiro ano deu pouca, mas também já teve ano que deu mais.” De acordo com Vinhal, na safra 2013/2014 a Granol está fornecendo tudo: sementes, assistência técnica, hora-máquina etc.

Ao longo do assentamento, que é cortado pela Ferrovia Norte-Sul, são vistas algumas placas que indicam utilização de sementes da Pioneer em determinadas áreas. Pergunto se os resultados foram bons, e se seguem utilizando a semente. “Ano passado foi a da Pioneer. Foi um ano ruim, mas foi um ano difícil, que deu problema para todo mundo, não só aqui”, avalia.

Vinhal conta que os parceiros da Granol tiveram alguns problemas com a semente da Pioneer, pois “a gente comprou e depois não tinha para entregar”. Ele segue: “Acabamos plantando atrasado, e os lotes de semente que usamos estavam em condições variadas [e não um lote homogêneo]”. Para ele, ficou a lição: “Escolhemos uma semente mais de ponta, arriscamos, e deu errado”. Em 2014, a cooperativa optou por usar sementes da Embrapa.

No geral, o presidente da cooperativa avalia que a relação com a Granol “dá certo, mas nem sempre funciona 100%”. Por exemplo, houve situações em que a empresa “queria que a cooperativa estivesse com toda a documentação em dia, e se a gente não estava, atrasava”. Por outro lado, “em outras vezes, estava tudo certo, mas o dinheiro não entrava”.

Das dificuldades para a organização da cooperativa, ou para a empresa cumprir com o que se esperava ali dela, a questão ia parar na lavoura – e no bolso do agricultor. “Atrasava pagamento que a gente tinha que fazer, o combate às pragas atrasava, o serviço de trator… E aí tudo isso é prejuízo.”

Em Bonópolis, o presidente da Coomafa, Anasor Ferreira, lamenta que a cooperativa “atualmente está quase parada”. Em dezembro de 2013, a cooperativa encontrava-se ativa na lista de entidades habilitadas pelo MDA no PNPB. No entanto, em março deste ano, a renovação da Coomafa foi colocada como em análise. Segundo ele, a associação enfrentou algumas dificuldades nos últimos anos, sendo que “a última tentativa foi com o biodiesel”. “Chegamos a plantar 220 hectares em 2012 e 2013”, conta ele.

A soja ali plantada era vendida para o grupo JBS. “O biodiesel deles mesmo era sebo de boi. Nossa produção era para eles cumprirem o percentual de agricultura familiar”, analisa o presidente da cooperativa. Ele conta que a produção nesses anos “deu umas 32 sacas por hectare, mas precisava de 38 para compensar”. Para o dirigente, a produtividade não chegou ao necessário em função do clima, sobretudo em decorrência das chuvas acima da média que atingiram a região.

Ferreira explica que, agora, o total disponibilizado para a soja não deve ultrapassar uma área de 100 hectares. “Tem produtor que quer. Mas as pessoas preferem o imediato, o leite, o gergelim. A soja você vai levar uns três anos para ter retorno, as pessoas não têm essa visão”. De acordo com Ferreira, quem sugeriu que a Coomafa ingressasse no PNPB foi a Cecaf (Central de Cooperativas da Agricultura Familiar). “É a nossa central. Ela faz a exposição do biodiesel nos assentamentos. Eles que nos sugeriram fazer o programa e negociaram com a JBS.”

No que diz respeito à relação com a JBS, Ferreira registra que “os assentados entraram principalmente só com a terra. O que a gente fez foi quase só olhar”. Assim, a empresa definia todo o restante, investia o que mais fosse necessário e determinava o que e como seria feito. Ao ouvir o dirigente explicando a relação, percebe-se que, em certas situações, acaba ficando difícil para o produtor dizer algo, fazer algo, colaborar de alguma forma com o seu saber. Mas, ao final, o risco fica para o agricultor, que cede sua terra: sua principal fonte de renda. E foi o que os associados da Coomafa vivenciaram, ao não atingir a produtividade necessária para obter o retorno que desejavam.

Mercado, Estado e agricultores familiares
Joaquim Teixeira, da Coapri, conta que a cooperativa de Itaberaí produziu soja para o PNPB em duas safras (2012/2013 e 2011/2012), vendendo a produção para a Granol de Anápolis (GO). A cooperativa foi criada em dezembro de 2010. Ele acredita que a Coapri possa agora experimentar um período de consolidação e fortalecimento, especialmente por conta de um programa com a UFG (Universidade Federal de Goiás) e a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento).

O MPA já possui um sistema todo estruturado; já há agricultores produzindo mamona, agora precisamos buscar chegar a 200 hectares

Teixeira, que também trabalha na Emater do município, avalia que “valeu a pena a inserção da cooperativa no programa, mas tem alguns gargalos”. Ele se recorda que, no primeiro ano, houve produtor que deixou de entregar para a Granol para vender para terceiros, pois o preço de mercado estava mais alto que o acertado via PNPB. “No outro ano, tivemos de entregar a mais para reparar a diferença.” Em dezembro de 2013, a renovação da Coapri na relação de cooperativas habilitadas no PNPB encontrava-se sob análise. Já na última atualização, de março deste ano, a cooperativa figurava como “suspensa”. Segundo ele, a Coapri não chegou a assinar o contrato de insumo com a Granol. “Cuidamos do plantio, dos insumos, da colheita. Eles iam direto ao campo, mas os agricultores que compraram mesmo a semente, que acabava assim variando de produtor para produtor”.

A Emater do município atende de 200 a 300 agricultores locais. “A relação é mais com os pequenos, da agricultura familiar mesmo”. Ele conta que hoje existem muitas empresas de planejamento de mercado que trabalham com uma parte dos produtores. Ou as lojas de produtos agrícolas. “Mas na verdade querem vender, e isso vai encarecendo a produção”. Por outro lado, ele se recorda que o ingresso da Coapri no PNPB se deu a partir da sugestão de uma empresa de assistência técnica. “Era uma terceirizada da Granol.”

Teixeira aponta para a importância de tanto os cooperados quanto as companhias parceiras alterarem alguns aspectos de sua atuação no PNPB. Para ele, “o compromisso do produtor com a empresa tinha que ser mais sério, para não ter problema na hora da entrega, por exemplo”. A partir de sua experiência na Emater de Itaberaí, ele avalia que o programa “precisava trabalhar melhor a questão da assistência técnica”. Uma padronização nesse sentido seria fundamental: “Cada empresa trabalhando de um jeito não fica muito bom não”.

Em dezembro de 2013, a presidenta Dilma Rousseff sancionou a lei que cria a Anater – Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural. A agência contará com mais de R$ 1 bilhão para desenvolver as atividades de sua alçada no campo brasileiro, em parceria com empresas e demais instituições do setor. Caso logre sucesso em sua atuação, a Anater poderá se tornar o diferencial necessário para que as cooperativas visitadas alcancem o patamar desejado – tanto pelos criadores do PNPB quanto pelos associados das cooperativas.

Futuro das cooperativas passa pelas novas tecnologias, atitudes e gerações

Além da relação com mercado e Estado e a diversificação da produção, as perspectivas das cooperativas no PNPB e na agricultura em geral certamente passa por outros aspectos fundamentais. Por exemplo: o investimento em novas tecnologias e atitudes, bem como nas novas gerações.

Frei Sérgio, da direção nacional do MPA, explica que existem duas cooperativas ligadas ao movimento no Rio Grande do Sul que trabalham com aproximadamente quatro mil famílias. As empresas que compram a produção das cooperativas ligadas ao MPA são a PBio (Petrobras Biocombustível), Delta (do MS) e Granol. Além disso, houve vendas para a Oleoplan e para a Brasil Ecodiesel.

Frei Sérgio. Foto: Divulgação/MPA
Frei Sérgio Görgen, da direção nacional do MPA. Foto: Divulgação/MPA

Em Santa Cruz do Sul, fica a sede da Cooperativa Mista dos Fumicultores do Brasil (Cooperfumos ), também ligada ao MPA. Miqueli Schiavon, da coordenação nacional do movimento, participa desde o início do projeto no município, em 2007. “Quando o PNPB começou, destinava-se a gerar oportunidades para o agricultor familiar e ampliar a independência do produtor”, avalia.

Ele conta que, entre os associados da Cooperfumos, a cana-de-açúcar se faz presente, “mas em outra lógica”. A mamona e o tungue também são cultivados. Houve muitos avanços desde 2007, mas falta avançar muito para realmente embalar. Miqueli entende que o projeto com a Brasil Ecodiesel realmente “destruiu a possibilidade da mamona a curto prazo na região. Algum agricultor ainda pode querer testar, mas agora certamente em uma área menor”. Segundo ele, alternativas como a batata-doce e a mandioca também são estudadas hoje.

Miqueli busca explicar como as coisas podem se encadear para consolidar um projeto positivo para todos os envolvidos: “O MPA já possui um sistema todo estruturado; já há agricultores produzindo mamona, agora precisamos buscar chegar a 200 hectares; a unidade de extração está encaminhada e comprada, falta chegar todo o equipamento; a Unisc apoia o projeto, na parte da especificidade do óleo; e a Embrapa contribui também em diversas frentes do projeto. Ao final, a Mercur poderá comprar o insumo necessário para as borrachas.”

A expectativa da Cooperfumos é que até setembro de 2014 a extração do óleo esteja a pleno vapor. Miqueli destaca que a Embrapa e a universidade são importantes também para a validação das tecnologias. Para ele, “essa iniciativa de desenvolver as tecnologias com as empresas não seria papel nosso. É papel do Estado”. A cooperativa precisou, contudo, enfrentar esse desafio no cenário possível, gastando até o que não tinha.

O futuro das cooperativas
Em diversas entrevistas realizadas durante a pesquisa, um aspecto positivo salta à vista. O futuro dos projetos hoje não conta somente com as novas propostas das cooperativas e das demais instituições. Tampouco se resume ao apoio dessas ou à perseverança daquelas. No novo cenário de fortalecimento da educação técnica nas cidades médias e pequenas, e de descentralização das instituições de ensino superior, a presença das novas gerações nos projetos, embora não se configure ainda a maioria nas iniciativas, é certamente um traço marcante em cada uma delas. E o que vai passando de geração a geração, de pais e mães para filhos e filhas, parece apontar para possibilidades futuras positivas no campo brasileiro.

Em Santa Isabel, a Coopafana teve o apoio da Petrobras para desenvolver o projeto Nascentes do Cerrado. Os resultados são visíveis no Nova Aurora: as nascentes foram cercadas e protegidas e o córrego que cruza o assentamento está com matas ciliares sendo recuperadas e preservadas.

A filha de José Vinhal, presidente da cooperativa, estagiou no projeto Pé do Cerrado, em Ceres (GO), também apoiado pela Petrobras. “A minha filha está formando para técnica em agropecuária e o meu filho está fazendo zootecnia. Os dois estudam no Instituto Federal Goiano, no Campus Ceres”. A sobrinha dele, por sua vez, se formou em agronomia. Ela é filha do presidente anterior da Coopafana, Antonio Borges, o “Toninho”. Em tempo, cabe o registro de que agora “Toninho” é o secretário municipal de Agricultura de Santa Isabel.

*Colaborou Cristina Charão

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** Esta é a nona reportagem da série especial sobre o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), que faz parte das iniciativas da Repórter Brasil para promover o debate sobre os resultados e perspectivas após uma década de investimentos públicos no projeto. Em 2 de junho de 2014, o Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis realizou o seminário “PNPB, 10 anos: inclusão social ou inclusão produtiva?”.  

Clique aqui para assistir no canal da Repórter Brasil no youtube à gravação do encontro na íntegra, com mais de três horas de duração.

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