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2015 é um ano para se olhar para o Paraguai

Estado fraco e dependência econômica dificultam a vida do trabalhador paraguaio. Imigração cresce para o Brasil, com crise em Argentina e Espanha. Ano promete ser agitado com eleições municipais.

É injusto por tudo o que significa o México de Emiliano Zapata, Frida Kahlo e Juan Rulfo, mas o termo “mexicanização” virou sinônimo de coisa ruim. É usado para falar do risco de determinado país cair nas garras do narcotráfico, ou ter um governo autoritário disfarçado de democrático, como nas sete décadas em que o PRI esteve no poder.

Cartão Postal paraguaio, 1916, disponível para consulta no Portal Guaraní

Cartão Postal paraguaio, 1916, disponível para consulta no Portal Guaraní

O termo encontrou sentido até na economia. Mexicanizar nessa área significa apostar nas maquilas, como são conhecidas as linhas de montagem industriais voltadas à exportação e que, via de regra, superexploram o trabalhador. Enfim, quando alguém diz que um país está se mexicanizando, costuma não ser boa coisa.

Quando estive em Assunção, em dezembro, para investigar a crescente migração de jovens paraguaios rumo ao Brasil, foi justamente isso que ouvi de interlocutores sobre a situação do Paraguai. As agruras que atingem a população local estão cada vez mais parecidas às enfrentadas pelos mexicanos – escalada da violência, tráfico de drogas e corrupção política.

Isso pode parecer estranho neste momento em que o PIB paraguaio cresce a taxa muitas vezes maior do que a brasileira, puxado pela lavoura da soja. Mas as coisas ficam mais claras para quem, como nós da Repórter Brasil, acompanha esse setor do agronegócio, marcado pela concentração de renda e pequena geração de emprego.

A realidade é que uma pequena diáspora paraguaia rumo ao Brasil foi iniciada neste novo milênio. O Ministério da Justiça brasileiro relata a existência de 17 mil paraguaios na região metropolitana de São Paulo. Mas o Ministério das Relações Exteriores do Paraguai, que pude visitar em Assunção, estima-os entre 45 mil e 60 mil. No país, poderiam ser 80 mil.

Trata-se de uma migração que ganhou força mais recentemente, diferente da dos bolivianos, que já somam 350 mil em São Paulo. Dois entre cada três paraguaios chegaram à região metropolitana após 2000, e a metade após 2005, conforme pesquisa do Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios, ligado à Igreja Católica.

São trabalhadores que desembarcam sem qualquer conhecimento das autoridades, facilitando a ocorrência de casos de superexploração laboral – e até trabalho escravo. A maioria é de homens jovens que vêm atuar na construção civil e na indústria da confecção, inclusive nas cadeias produtivas de famosas marcas de fast fashion.

Em que pese à desaceleração da economia brasileira, há razões para se crer que esse fluxo migratório deva se manter ou até se ampliar. Cito dois fatores a seguir.

O primeiro, conjuntural, diz respeito à situação econômica dos dois destinos historicamente escolhidos pelos migrantes paraguaios, a Argentina e a Espanha. Estima-se que vivam hoje até um milhão de paraguaios em cidades argentinas, principalmente na Grande Buenos Aires, e até 180 mil em território espanhol.

Entretanto, a longa crise econômica que atinge esses dois países não só desestimulou a chegada de novos migrantes, como também criou um movimento de retorno. O diplomata Hugo Morel, diretor de um setor da chancelaria paraguaia que dá suporte aos imigrantes no exterior, contou-me que nos últimos doze meses ao menos duas mil pessoas retornaram ao país com algum apoio do governo, após anos vivendo no exterior.

Hugo Morel, da chancelaria paraguaia

Hugo Morel, da chancelaria paraguaia

Ao mesmo tempo, o Brasil tornou-se um novo eldorado. Ou ao menos ganhou essa fama. Com o crescimento econômico da última década, sobretudo no governo Lula, e a mídia obtida com a Copa do Mundo e as Olimpíadas, o país passou a ser visto como alternativa real para os trabalhadores paraguaios. Muitos decidiram vir.

O segundo fator para a manutenção do fluxo migratório é mais de fundo. A vitória do empresário colorado Horacio Cartes na eleição presidencial de 2013 significa que o Paraguai dobrou a aposta no atual modelo: um verdadeiro Estado mínimo e uma economia movida a agronegócio e comércio de triangulação.

Após algum protagonismo no breve interstício que foi o governo Fernando Lugo (2008-2012), o Estado paraguaio segue como um dos menos capazes da América Latina. Não se pode fazer muito com uma carga tributária de apenas 12% do PIB, um índice que deve dar inveja aos neoliberais de qualquer país do mundo.

Na economia, a mesma coisa. O comércio de triangulação Ásia-Paraguai-Brasil sem dúvida enriqueceu localidades na fronteira, como Cidade do Leste (divisa com Foz do Iguaçu, no Paraná) e Pedro Juan Caballero (com Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul). Mas quantos paraguaios desfrutam dos benefícios gerados ali?

É uma situação perversa: olhando-se o país como um todo, vê-se um Estado impotente e uma sociedade relativamente pobre, cujo PIB per capita só supera o da Bolívia e o da Guiana na América do Sul, mas com elevadíssima concentração de renda, semelhante a do Brasil. No final, cerca de 15% dos paraguaios tiveram de buscar uma vida melhor no exterior.

O modelo paraguaio também guarda uma profunda conexão funcional com o Brasil, para além das trocas comerciais. Trata-se da transformação do seu território em um espaço avançado para as mais diversas formas de ilicitudes, como o tráfico de drogas e armas, o contrabando e a lavagem de dinheiro, em benefício de criminosos brasileiros.

Quem me chamou atenção para esse aspecto foi o economista Luis Rojas Villalba, um colega que coordena um dos mais tradicionais centros de pesquisas locais, o Base Investigaciones Sociales. Para Rojas, o Paraguai assume para si um papel em relação ao Brasil semelhante àquele desempenhado pelo México em relação aos Estados Unidos. Se ele estiver correto, é a mexicanização em seu pior sentido.

O economista Luis Rojas Villalba, da Base Investigaciones Sociales

O economista Luis Rojas Villalba, da Base Investigaciones Sociales

Parece realmente difícil alimentar algum otimismo a partir do atual cenário paraguaio. Mas, como muitos dizem por lá, sí, se puede. É o mesmo slogan que pautou os levantes de trabalhadores mexicanos em fazendas do sul dos Estados Unidos nos anos setenta, e que acabou traduzido e ressignificado por Barack Obama décadas depois.

Nos rincões paraguaios, os movimentos campesino e indígena fincam bandeiras de luta, ainda que muitos grupos precisem superar os desafios da desarticulação e da compreensível aversão à política institucional. Nessa arena, a Frente Guasú se destaca, uma confederação de partidos progressistas e minoritária no parlamento. Possui só um deputado e cinco senadores, entre eles Lugo.

Quando eu estava em Assunção, no dia 10 de dezembro, uma marcha seria realizada por ativistas de dezenas de organizações sociais e políticas, em protesto contra novas medidas privatizantes do governo Cartes.

Fátima Rallo, do Conselho de Organizações Populares e Sociais do Paraguai, e Gladys Cabrera, da Associação Paraguaia de Apoio aos Migrantes, receberam-me para um conversa um dia antes da ação. Falavam ao celular. Estavam preocupadas com os obstáculos criados pelo governo para impedir a chegada de caravanas de militantes vindos do interior.

Fátima Rallo, do Conselho de Organizações Populares e Sociais do Paraguai, e Gladys Cabrera, da Associação Paraguaia de Apoio aos Migrantes

Fátima Rallo, do Conselho de Organizações Populares e Sociais do Paraguai, e Gladys Cabrera, da Associação Paraguaia de Apoio aos Migrantes

Longe de ter sido a maior marcha que eu já vi. Mas seus organizadores celebraram-na como um passo importante para unificar as forças sociais paraguaias. Antigos adversários estavam lá, mais próximos do que nunca.

Após a pausa de final de ano, o embate deve ser retomado no parlamento e nas ruas. Em março, as chapas para as eleições municipais de novembro começam oficialmente a serem montadas. Sí, se puede. Que o bravo espírito rebelde dos zapatistas e dos estudantes mexicanos inspire os paraguaios. Que isso ajude a ressignificar a ideia de mexicanização. O Paraguai e o México precisam.

 

 

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6 Comentários

  1. Maserafini

    A Frente Guasu tem sim um deputado, que inclusive é membro do Parlasul, o Ricardo Canese.

  2. PARAGUAY

    ¿De dónde sacan que Brasil es una oportunidad? ¡Brasil está estancado! Muchos de sus indicadores sociales brasileños son mucho peores que los del Paraguay. Si bien el Paraguay no huye de los problemas sociales, por favor, no quieran pintarlo peor de lo que es. El dinamismo en muchos sectores de la economía paraguaya se siente, incluso, muchos migrantes de Brasil vienen a trabajar al Paraguay. Y el tema del PIB per cápita no debe ser el parámetro final de comparación de riqueza. Artículo muy manipulado. Creo que una vez más los brasileros no pueden ver el progreso que está experimentando el Paraguay.

    • Economista

      Muito bom seu comentário Sr. Paraguay. A melhor justiça social que se faz e dinheiro no bolso das pessoas. É muita pretensão achar que o governo e funcionários públicos pode conduzir e pagear a vida das pessoas. Conheço parte do Paraguai que está adiante de CDE e lá não tem somente sojeiros ou maquiladores. O povo paraguaio é, sobretudo, patriota. Quem nunca foi ao Paraguai vá e veja a bandeira nacional estendida com orgulho em todo lugar. No Brasil, nos achamos que patriotismo e ver o time dos corruptos da CBF jogar futebol, sendo que a verdadeira seleção brasileira está nas ruas e nas fábricas, sendo estruprada em impostos, mordomias de políticos com gordos salários. Por isso, as pessoas escondem a bandeira brasileira, porque tem vergonha disso tudo que está acontecendo no Brasil.

  3. akkkkk

    E agora no paraguay que o dolar 3.05 como fica

  4. Economista

    Reconheço que existem problemas diversos nos países da América Latina, tais como na economia, política e no aspecto social. Mas, a experiência desastrada e desastrosa da esquerda (sem identidade) no Brasil é a prova que o modelo paraguaio de Maquila não e tão ruim assim.