Reforma trabalhista dificulta combate ao trabalho escravo

Especialistas que atuam na erradicação do crime dizem que mudanças na legislação devem banalizar a prática e dificultar sua prevenção
Por Ana Magalhães
 11/07/2017

A reforma trabalhista, prevista para ser votada nesta terça-feira (11) no Senado Federal, banaliza o trabalho escravo e dificulta o seu combate, de acordo com especialistas que atuam na erradicação do crime no país.

Ainda que a reforma não altere a forma como o trabalho escravo é caracterizado pela legislação, o texto traz várias mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que afetam o combate ao crime. Entre elas, estão a ampliação da terceirização, a contratação de autônomos de forma irrestrita, e a possibilidade de aumentar a jornada de trabalho e de reduzir as horas de descanso.

Foto: Sérgio Carvalho/MTE

“As mudanças criam condições legais e permitem que a legislação banalize aquelas condições que identificamos como trabalho análogo ao escravo”, afirma o auditor fiscal do trabalho Luís Alexandre de Faria.

À frente da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho (Conaete), o procurador Maurício Ferreira Brito chama a atenção para os direitos que poderão ser negociados entre patrões e empregados, o chamado “negociado sobre o legislado”. Segundo ele, “a depender do que se negocie, você pode legalizar práticas do trabalho escravo”.

De acordo com a legislação brasileira, quatro elementos podem caracterizar o trabalho escravo: condições degradantes de trabalho, jornadas exaustivas, servidão por dívida e trabalho forçado.

Veja os pontos da reforma trabalhista que devem dificultar o combate ao crime:

Terceirização

A ampliação da terceirização para as principais atividades das empresas, aprovada em março pelo Congresso Nacional e detalhada pela reforma trabalhista, é apontada pelos especialistas como a principal mudança que deve dificultar o combate ao trabalho escravo.

“A nossa experiência de combate ao trabalho escravo mostra que todos os resgatados são contratados por intermediários que já são autônomos ou terceirizados, e quem contrata busca se esquivar da responsabilidade”, afirma Brito.

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A reforma deve aumentar a cadeia de empresas terceirizadas, distanciando o trabalhador de quem efetivamente controla a produção. Com as novas regras, segundo Faria, aumentará a prática de empresas terceirizadas que contratam outras empresas, a chamada “quarteirização”. “Será mais difícil que a gente identifique quem é o real empregador”, afirma.

Foto: Sérgio Carvalho/MTE

Na indústria do vestuário, por exemplo, o trabalhador encontrado em condições análogas à escravidão normalmente está em uma oficina de costura subcontratada por uma empresa de confecção que já é terceirizada de uma grande marca. “A explicação que as grandes empresas dão sempre é ‘eu não sabia de nada’, porque se referia a uma empresa terceirizada. Com as mudanças trabalhistas, isso vai piorar”, afirma Faria.

Autônomos

A ampliação das formas de contratação de profissionais autônomos é considerada, pelos especialistas ouvidos pela Repórter Brasil, como uma “ampliação da terceirização”. Ela permite que autônomos sejam contratados de forma contínua e exclusiva. Assim, o empregador pode privar o trabalhador dos seus direitos básicos.

Jornada de trabalho

A reforma trabalhista permite que negociações coletivas ampliem a jornada de trabalho, que pode chegar a 12 horas diárias, e reduzam o intervalo de descanso. Esses acordos teriam predominância sobre alguns pontos da legislação trabalhista.

A jornada exaustiva, que vai além de horas extras e que coloca em risco a integridade física do trabalhador, é um dos pontos que podem caracterizar uma situação de trabalho escravo. Ainda que nem toda jornada de 12 horas possa configurar o crime, esse aumento pode banalizar a sua ocorrência. “Nenhuma jornada superior a oito horas pode ser habitual [salvo exceções negociadas em acordos coletivos]. A reforma cria um argumento de resistência e de disseminação da fraude pelos escravistas,” diz o juiz do trabalho da 15ª região Marcus Barberino.

 

Foto: Lunaé Parracho / Repórter Brasil

Já Faria destaca que a presença de sindicatos nessas negociações não garante dignidade aos trabalhadores, pois existem organizações sindicais que funcionam como “aliciadores de mão de obra”. Ele exemplifica com o caso da Cofco, multinacional chinesa autuada por explorar trabalho escravo em abril deste ano no Mato Grosso. No caso, a negociação coletiva com a presença do sindicato sequer coibiu condições que caracterizam o trabalho escravo. Para Faria, com a reforma, casos como esse poderiam ser ainda mais comuns.

Ambientes insalubres

A reforma trabalhista estabelece que um acordo coletivo pode alterar o “enquadramento do grau de insalubridade” de um ambiente de trabalho e prorrogar jornadas “em ambientes insalubres”. Atualmente, essas mudanças necessitam da licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho.

Faria lembra que há insalubridade em todos os casos de trabalho escravo encontrados nas indústrias de vestuário e na construção civil. Esses setores, onde são encontrados a maior parte dos casos de trabalho escravo urbano, devem se tornar ainda mais hostis com a reforma. “Combinado com a jornada exaustiva, essas mudanças podem ampliar as situações análogas ao trabalho escravo”, diz o auditor fiscal.

Esta reportagem foi realizada com o apoio da DGB Bildungswerk

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