Doadores que foram multados pelo Ibama por infrações ambientais financiaram com R$ 11,2 milhões campanhas de pelo menos 178 candidatos nestas eleições. Entre os financiados por desmatadores, estão o presidenciável Álvaro Dias (Podemos) e 15 candidatos ao governo – alguns deles lideram as intenções de votos em seus estados, como Antônio Anastasia (PSDB) e Fernando Pimentel (PT), em Minas Gerais, Ronaldo Caiado (DEM), em Goiás, e Ratinho Júnior (PSD), no Paraná.
O levantamento foi feito pelo Ruralômetro, ferramenta desenvolvida pela Repórter Brasil, e considerou os doadores oficiais que constavam no site do Tribunal Superior Eleitoral até o dia 1º de outubro. A relação foi cruzada com todas as pessoas físicas que constam na lista de embargados pelo Ibama por terem cometido infrações ambientais, como desmatar florestas, impedir a regeneração da vegetação, cortar árvores sem prévia licença ambiental, entre outros.
Dos candidatos ao Senado que estão entre os financiados por desmatadores, destacam-se Renan Calheiros (MDB-AL), Cristovam Buarque (PPS-DF), Luis Carlos Heinze (PP-RS) e Irajá Abreu (PSD-TO) – filho de Kátia Abreu, candidata à vice-presidente na chapa com Ciro Gomes (PDT). Entre os deputados federais candidatos à reeleição, está Luiz Nishimori (PR-PR), que ganhou projeção como relator do projeto de lei que facilita a liberação de agrotóxicos.
Os R$ 11,2 milhões doados até agora por desmatadores foram distribuídos para 31 dos 35 partidos políticos brasileiros. A legenda que lidera neste recebimento é o Solidariedade (SD), com R$ 2,7 milhões, seguido pelo PSD, com R$ 1,7 milhão. Em terceiro lugar está o PSL – partido do candidato líder nas pesquisas à Presidência da República, Jair Bolsonaro –, que já arrecadou R$ 1,6 milhão de infratores ambientais. Em quarto consta o PSDB, com R$ 1,4 milhão.
Dos candidatos à presidência, Álvaro Dias é o único na lista. O presidenciável recebeu R$ 50 mil de Gilson Mueller Berneck, fazendeiro que foi multado em 2008 por destruir florestas na Fazenda Santa Efigênia, em Juara, Mato Grosso.
Em seu programa de governo, Dias afirma que “o meio-ambiente não pode ser negligenciado e desenvolvimentos tecnológicos devem ser utilizados para a sua preservação.”
O senador informou, em nota, que “não conhece ou tem relação pessoal com o doador de campanha mencionado pela reportagem” e afirmou que “não há qualquer impedimento legal para a doação mencionada, uma vez que a mesma foi devidamente registrada junto ao TSE e cumpre a legislação eleitoral”.
No entanto, Dias esteve reunido com Berneck em 19 de outubro de 2011, de acordo com a Federação das Indústrias do Paraná, para discutirem o novo código florestal e as reformas tributária, trabalhista e fiscal. Questionado sobre o encontro, o candidato à presidência voltou a informar que “não conhece ou tem relação com o doador mencionado”.
Questionado pela reportagem, Berneck afirmou que adotou critérios pessoais para definir a quem doar. “Todas as doações eleitorais que fiz ocorreram dentro da lei e foram efetivadas dentro das minhas preferências e convicções particulares”, disse.
Disputa ao governo
Dos candidatos ao governo estadual que receberam doações de desmatadores com valor acima de R$ 50 mil, estão os mineiros Antonio Anastasia (R$ 105 mil)e Fernando Pimentel (R$ 100 mil), o brasiliense Rogério Rosso (R$ 789 mil), o mato-grossense Pedro Taques (R$ 125 mil), o goiano Ronaldo Caiado (R$ 50,5 mil) e o paranaense Ratinho Júnior (R$ 50 mil).
Procurado pela Repórter Brasil, Caiado afirmou que “todas as regras eleitorais estão sendo rigorosamente cumpridas”. Anastasia disse, por meio da sua assessoria, que não iria responder aos questionamentos da reportagem por julgar que eles deveriam ser feitos aos doadores.
Já Pedro Taques destacou que, como ex-procurador da República e defensor dos dispositivos constitucionais, não pode condenar um potencial doador sem que esteja concluído o devido processo legal resultante da autuação. Afirmou ainda que, no Ministério Público, no Senado e no governo de Mato Grosso, sempre atuou para combater o trabalho escravo e os crimes ambientais. “Não compactuamos, não compactuaremos com ilícitos e seguiremos agindo com independência e obediência às leis”, disse.
Procurados, Rosso e Ratinho Júnior e Fernando Pimentel não responderam.
Eucaliptos e agrotóxicos
Além de Renan Calheiros, outra liderança beneficiada por doações de desmatadores é o deputado federal Luis Carlos Heinze (PP-RS), que agora disputa uma vaga no Senado. Proprietário de uma fazenda multada pelo Ibama por ter cometido sete infrações ambientais, Heinze recebeu R$ 25 mil de Carlos Ernesto Augustin, também multado por desmatar e destruir florestas em sua propriedade no município de Alto Garças (MT).
Deputado federal em seu 5º mandato, Heinze teve papel de destaque na aprovação do novo Código Ambiental, que reduziu as áreas de reserva legal em 2012. Na campanha de 2014, arrecadou R$ 548 mil de empresas autuadas pelo Ibama, segundo dados cruzados pelo Ruralômetro. E, na atual legislatura, atuou para suspender demarcações de terras quilombolas e retirar a posse de terras indígenas da etnia Kaingang.
Em sua defesa, o candidato afirmou que doações de desmatadores na eleição passada não influenciou sua atuação como parlamentar. Disse ainda que todas as doações recebidas neste ano estão em conformidade com a legislação vigente e destacou que em uma “campanha tão curta como esta”, “não há como solicitar certidões negativas aos doadores”. Leia a íntegra das respostas.
O ex-presidente do Senado, Renan Calheiros, não foi encontrado pela reportagem.
Considerado o deputado federal campeão de desmatamento, Irajá Abreu (PSD-TO) doou à sua própria campanha o valor de R$ 14 mil. Atualmente na disputa por uma vaga ao Senado, o filho de Kátia Abreu foi multado em R$ 120 mil pelo Ibama por desmatar vegetação de preservação permanente em área equivalente a 75 campos de futebol.
Irajá Abreu não respondeu à solicitação de entrevista, assim como Cristovam Buarque.
Conhecido por ter sido o relator do Projeto de Lei 6299/2002, que amplia a liberação do uso de agrotóxicos no país, o deputado federal Luiz Nishimori (PR-PR) concorre à reeleição com um reforço no caixa de R$ 100 mil doados por empresários desmatadores do Grupo Horita – conglomerado que detém 150 mil hectares de terras no oeste da Bahia, em unidades destinadas à produção de soja, milho e algodão.
Nishimori não respondeu aos pedidos de entrevista da reportagem.
Desmatadores com autofinanciamento
No topo do ranking dos candidatos financiados por desmatadores, há dois iniciantes da corrida eleitoral: o empresário da indústria farmacêutica Fernando Marques (SD-DF) e o pecuarista e empresário Jayme Bagattoli (PSL-RO). São os que mais receberam dinheiro dos infratores e, ao mesmo tempo, os que mais doaram. Ambos disputam vagas no Senado.
Fernando Marques é o candidato mais rico destas eleições, com patrimônio de R$ 667 milhões, segundo autodeclaração ao TSE. Ele é o presidente da União Química, uma das maiores farmacêuticas do país, e diretor-presidente da Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais. Marques doou R$ 2 milhões para sua própria candidatura. Por conta disso, figura em 6º lugar no ranking do TSE de candidatos que mais desembolsaram recursos próprios. O empresário também doou R$ 2,4 milhões para outros candidatos.
A maior parte de sua fortuna vem da participação em capitais de empresas, mas também possui propriedades rurais e urbanas. Foi autuado pelo Ibama em 2009, por “impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas ou demais formas de vegetação nativa”, no município de Mineiros, em Goiás.
Jayme Bagattoli é empresário e pecuarista ligado ao Grupo Bagattoli, um conglomerado de fazendas, madeireiras, empresas de transporte e combustível, com sede em Vilhena, em Rondônia. Foi autuado pelo Ibama por irregularidades ambientais em região de intensos conflitos agrários entre fazendeiros, camponeses e indígenas.
Para se lançar no mundo da política, desembolsou, até o momento, a quantia de R$ 1,45 milhão. No ranking dos candidatos que mais investiram nas suas próprias campanhas, ocupa a 15ª posição.
Marques e Bagattoli não responderam aos pedidos de entrevista.
O número de candidatos que recebem esses recursos pode aumentar, já que podem receber doações até o dia da eleição e têm até 72 horas para declará-las.
Nota da redação: Essa matéria foi atualizada para detalhar as diferentes infrações ambientais que constam na lista de embargos do Ibama que serviu de fonte para o levantamento.
Esta reportagem foi realizada com o apoio da DGB Bildungswerk