Pelo menos cinco deputados federais que foram rejeitados pelas urnas nas eleições ganharam cargos no segundo escalão do governo de Jair Bolsonaro. Além da derrota eleitoral, eles têm em comum o fato de fazerem parte da bancada ruralista – a chamada Frente Parlamentar da Agropecuária – e de terem atuação legislativa desfavorável ao meio ambiente e aos povos do campo.
Esses políticos beneficiados com cargos no novo governo têm a “febre ruralista”, segundo o Ruralômetro, ferramenta desenvolvida pela Repórter Brasil que monitorou a atuação legislativa dos deputados federais eleitos em 2014 sobre temas socioambientais. Isso significa que eles propuseram projetos de lei ou votaram medidas que são prejudiciais ao meio ambiente e a indígenas, quilombolas e trabalhadores rurais.
Dois deles – Valdir Colatto (MDB-SC) e Marcos Montes (PSD-MG) – assumirão postos de comando no Ministério da Agricultura, que no novo governo cuidará também de políticas voltadas à preservação ambiental e da demarcação de terras indígenas e quilombolas.
“O problema ambiental não é no campo, é na cidade, que não tem tratamento de esgoto e não controla o lixo”, disse Colatto, que na quinta-feira (17) aceitou convite da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, para assumir o comando do Serviço Florestal Brasileiro. “O agricultor, para produzir comida, precisa de espaço. Tem que tirar a árvore como se tira a árvore quando se constrói a cidade. E o pessoal fica achando que o agricultor é o desmatador”, afirmou em entrevista à Repórter Brasil por telefone. Leia aqui a íntegra.
Colatto tem a quarta febre mais alta do Ruralômetro – 41,5º C –, porque deu nove votos desfavoráveis a questões socioambientais, além de ser autor de sete projetos relevantes que impactam negativamente o setor. O Ruralômetro considerou 14 votações realizadas entre 2014 e 2018 que apresentaram algum tipo de impacto ao meio ambiente e aos povos do campo. A avaliação do mérito dessas votações foi feita por entidades como Instituto Socioambiental, Greenpeace, Comissão Pastoral da Terra, Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura e Conselho Indigenista Missionário, entre outras. Colatto também presidiu a bancada ruralista por duas vezes.
Entre as funções do Serviço Florestal Brasileiro, sob o comando de Colatto, está a “ampliação da cobertura florestal”, segundo o site oficial do órgão. No entanto, durante o seu mandato como deputado federal, ele votou pela redução da Floresta Nacional e do Parque Nacional de Jamanxim, no Pará, medidas que poderiam ampliar o desmatamento na Amazônia.
À época, a modelo Gisele Bündchen pediu, no Twitter, para que o então presidente Michel Temer vetasse as medidas aprovadas pelo Congresso. Temer acatou parcialmente o pedido de Bündchen e vetou alguns dos artigos das MPs.
“Jamanxim é uma área onde, na verdade, já existe a exploração de minérios, que está em uma área já desmatada. Mais dias menos dia essa questão terá que ser resolvida. E não altera a questão ambiental, mas altera interesses na exploração de minério”, afirmou o parlamentar.
Entre os projetos de lei de autoria de Colatto, está o que regulamenta a caça de animais silvestres dentro de unidades de conservação.
“Nós temos problemas com javalis, temos jacarés matando gente na Amazônia, temos mais de 50 casos de pessoas atacadas por jacarés e não há nenhum controle disso”, afirmou o parlamentar, destacando que o projeto não libera a caça, mas pretende “discutir a política da fauna”.
Abandono do ninho tucano
Outro derrotado que foi premiado com um cargo no governo Bolsonaro é Marcos Montes (PSD-MG), escolhido para ser o secretário-executivo do Ministério da Agricultura. Montes foi candidato à vice-governador de Minas Gerais na chapa encabeçada pelo senador Antônio Anastasia (PSDB), e, antes mesmo do primeiro turno, desembarcou do apoio à candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB) à presidência e se alinhou a Bolsonaro. A chapa tucana perdeu a eleição para o neófito Romeu Zema (Novo).
A atuação legislativa de Montes fez dele o deputado mineiro com pior avaliação no Ruralômetro, com febre de 40,6°C. Das dez votações de Montes analisadas pela ferramenta, em nove ele se posicionou de maneira contrária aos interesses dos povos do campo e do meio ambiente. Além disso, ele foi autor de dois projetos de lei considerados desfavoráveis por entidades do setor: um que altera o processo de demarcação de terras indígenas e outro que solicitava uma CPI para investigar a atuação da Funai e do Incra.
Procurado, Montes não respondeu ao contato da Repórter Brasil.
Outro político mineiro derrotado nas urnas e que está cotado para assumir um cargo no governo Bolsonaro é Leonardo Quintão (PMDB). O filho do pastor e ex-prefeito de Ipatinga, Sebastião Quintão, foi derrotado na disputa para deputado federal e foi convidado pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni para ser o responsável da relação do governo com o Senado, em um novo cargo criado no governo Bolsonaro.
Quintão, que já disputou o segundo turno para prefeito em Belo Horizonte, foi o relator do Código da Mineração no Congresso. À época, a escolha dele foi questionada pelo deputado federal Chico Alencar (PSOL), pois na eleição de 2014 Quintão recebeu R$ 1,8 milhão de empresas de mineração para sua campanha. O valor correspondeu a quase 40% do total arrecadado. Das oito votações nominais com impacto socioambiental que participou na atual legislatura – que se encerra no final deste mês –, em sete Quintão votou contra os interesses dos povos do campo e do meio ambiente, como mostra o Ruralômetro.
Quintão não atendeu os telefonemas da reportagem.
O deputado federal Rogério Marinho (PSDB-RN), que ganhou relevância em 2016 por ser relator da reforma trabalhista, também não conseguiu se reeleger nas urnas e foi nomeado secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia. Marinho faz parte da bancada ruralista e, das doze votações compiladas pelo Ruralômetro, em sete delas votou de maneira desfavorável ao meio ambiente e aos povos do campo. Entre as votações, ele foi favorável à redução da área protegida da Floresta Nacional de Jamanxim, no coração da Amazônia.
Procurado pela reportagem, o deputado Marinho informou, por meio de sua assessoria, que não vai responder as perguntas feitas pela Repórter Brasil.
Também membro da bancada ruralista, Manato (PSL-ES) foi convidado pelo novo governo a assumir o cargo de Secretário Especial da Casa Civil. Do mesmo partido de Bolsonaro, Manato tentou se eleger como governador do Espírito Santo, mas foi derrotado nas urnas. Ele também tem a febre ruralista, segundo o Ruralômetro, por ter votado de maneira desfavorável à agenda socioambiental em 8 medidas entre 2014 e 2018.
A assessoria do deputado informou, por meio de nota, que o parlamentar é “atuante na defesa do homem do campo. Seu trabalho, através de emendas, sempre foi muito focado nesta área”, diz o comunicado. “É por causa de investimentos assim que o Espírito Santo aparece com um dos estados brasileiros onde há o maior desenvolvimento da agricultura familiar”, afirma.