Financiadores de empresas de diversos setores, os bancos e as instituições financeiras ainda têm muito a evoluir para contribuir para a redução do trabalho escravo no Brasil e no mundo. Um exemplo dos desafios pode ser visto no Índice de Sustentabilidade Empresarial, um índice da B3 (antigamente conhecida como Bolsa de Valores de São Paulo) que reúne empresas de capital aberto com práticas reconhecidas de sustentabilidade.
A mais recente carteira do ISE B3 foi anunciada em 29 de novembro de 2018 e vigora no período de 07 de janeiro de 2019 a 03 de janeiro de 2020. A carteira do índice reúne 34 ações, de 29 companhias, sendo que quatro são instituições financeiras: Banco do Brasil, Bradesco, Itaú e Santander. A mineradora brasileira Vale foi excluída do atual índice em fevereiro, após o desastre ambiental em Brumadinho, em Minas Gerais.
A base de avaliação do indicador é autodeclaratória, ou seja, as empresas respondem voluntariamente a um questionário dado por especialistas. Nos questionários, os quatro bancos disseram que consideram a questão do trabalho forçado em suas decisões, mas esse percentual cai para 80% nas operações de aquisições e fusões e para 20% na avaliação de investimentos.
“Isso aponta uma fragilidade, o discurso ainda não chegou à prática”, afirmou Aron Belinky, pesquisador e consultor que participa do desenvolvimento e aplicação de instrumentos como o ISE B3, o Guia Exame de Sustentabilidade e a norma ISO 26000. Entre 27 de março a 29 de março, serão realizados workshops que fazem parte do processo de revisão periódica do questionário ISE B3 que é enviado às empresas que desejam ser inseridas nele.
Esse processo visa aprimorar e legitimar junto às empresas e sociedade os critérios e indicadores utilizados na metodologia do Índice de Sustentabilidade Empresarial. Durante os workshops, serão apresentadas e discutidas propostas para ajustar mudanças do questionário. Essas propostas também estarão disponíveis para consulta pública no site do ISE B3.
“Isso abre a oportunidade de que todos participem para melhorar esses questionários e é importante afirmar que eles estão abertos no site para a consulta de todos, o que permite ver o que as empresas declaram em suas políticas de direitos humanos. Essa interação permite que se levante a barra de exigências”, observou Belinky.
A distância entre discurso e prática também foi avaliada por Rafael de Araújo Gomes, procurador do Ministério Público do Trabalho e coordenador do Grupo de Trabalho de Instrumentos Econômicos e de Governança do Ministério Público do Trabalho. Ele afirmou que as negociações entre o Ministério Público e os bancos para suspensão de financiamentos em caso de empresas que usem mão de obra forçada apontam as dificuldades que ainda existem para avançar no tema.
“Permanecemos um ano em discussão, as contrapropostas apontavam que o foco dos bancos era suspender crédito em operações de crédito rural e do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], dinheiro subsidiado. Eles consideram a questão do trabalho escravo no financiamento, mas isso ainda não representa suspensão automática de crédito”, disse Araújo Gomes. Nos contratos de financiamento, cláusulas que suspendem o crédito em caso de envolvimento com trabalho escravo ainda são minoria.
O procurador afirmou que as ações civis públicas ajuizadas têm feito com que o tema seja mais discutido no Judiciário e que aí se percebem que são poucas as instituições que inserem cláusulas que interferem na concessão de crédito em caso de apuração de problemas sociais. “O envolvimento da alta direção nesses assuntos é essencial e ainda falta.”
Araújo Gomes foi um dos especialistas presentes no segundo painel do seminário “O papel do setor financeiro no combate ao trabalho escravo e o tráfico de seres humanos”, primeiro do gênero realizado no país, com organização do Ministério Público do Trabalho e Repórter Brasil e apoio da Universidade das Nações Unidas e da Liechtenstein Initiative – Comissão Global do Setor Financeiro para a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. O evento foi realizado na sexta-feira, dia 15 de março, em São Paulo.
Para Luís Fabiano de Assis, procurador do Ministério Público do Trabalho e coordenador da iniciativa Smart Lab de Trabalho Decente e Human Rights and International Justice Research Fellow da Universidade de Stanford, o maior envolvimento do setor financeiro e de empresas de outros setores é primordial, além da presença de mais dados sobre o assunto. Ele foi o mediador desse segundo painel.
“A circulação de dados contribui para o empoderamento e que métricas sejam disseminadas”, destacou.
Para Anita Ramasastry, diretora do programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Internacional Sustentável da Faculdade de Direito da Universidade de Washington, outro desafio das empresas é pensar em como estruturar programas para os resgatados do trabalho forçado, de forma que esses trabalhadores possam ter condições de sobreviver sob a nova realidade e sustentar a si e a seus familiares.
Os bancos podem ter papel importante para contribuir nesse momento. “Eles têm informações financeiras e fornecem crédito, podem ajudar a estruturar soluções para que esses trabalhadores resgatados tenham condições para se sustentarem depois de terem sido resgatados”, destacou Anita, que é também membro do grupo de trabalho das Nações Unidas sobre direitos humanos e corporações transnacionais e comissária da Liechtenstein Initiative para o Setor Financeiro. Criar essas condições é essencial, uma vez que hoje estima-se que 40 milhões de pessoas pelo mundo sejam trabalhadores escravos, o que exige medidas com escala para apoiar quem for resgatado.
Anita destaca que, além do papel de impedir a proliferação do trabalho escravo, os bancos ainda podem atuar na base do problema, ajudando com seus dados a identificar o que tem contribuído para que empresas contratem mão de obra sob esses termos.
Abaixo, estão outras discussões dos painéis do evento:
O cumprimento da meta da Agenda 2030 da ONU exigirá maior mapeamento das cadeias produtivas, mais ação das empresas e governos do que aquilo que vem sendo implementado até aqui
Há uma tendência no Judiciário no país e no mundo de discutir a contabilização social e ambiental e discutir a participação das cadeias de valor