Carrefour e Assaí vendem tomate de produtores autuados

Controles não evitam relação comercial com produtores flagrados por fiscais com problemas trabalhistas graves. Carrefour e Assaí reconhecem compras pontuais
Por Pedro Biondi
 01/04/2020

Apesar dos avanços em suas políticas de rastreabilidade, grandes redes de supermercados ainda falham em barrar alimentos produzidos sob más condições de trabalho. Uma nova investigação da Repórter Brasil sobre o tomate, alimento básico da dieta do brasileiro, comprova que caixas de produtores autuados pela fiscalização abasteceram gôndolas de Carrefour e Assaí (uma marca do GPA, antigo Grupo Pão de Açúcar, hoje controlado pelo grupo francês Casino).

Ao longo de três meses, nossa reportagem investigou o destino dos frutos de cinco produtores localizados no Vale do Ribeira (SP), principal polo nacional de cultivo de variedades de mesa. Através de uma força-tarefa, fiscais do governo federal haviam autuado os cinco no início do ano passado por manter trabalhadores sem carteira e controle de jornada, com pagamentos atrasados, higiene inadequada, falta de água potável e sob risco de contaminação por agrotóxicos. O caso envolveu 247 trabalhadores no total.

Problemas trabalhistas envolvem colaboradores sem acesso à água potável e submetidos a riscos de contaminação por agrotóxicos (Foto: Arquivo pessoal/Repórter Brasil)

Quatro produtores – Osnivaldo Carriel Cordeiro, Rafael Hiroyoshi Kossugue, Izael da Silva Rosa e Dario de Almeida Barros – firmaram termos de ajuste de conduta (TACs) individuais com o Ministério Público do Trabalho (MPT), comprometendo-se a se adequar às leis e normas trabalhistas. As sanções incluíam o pagamento de danos morais.

O quinto produtor, Isaías dos Santos Pimentel, recebeu 29 autos de infração, negou-se a assinar o TAC e levou seu caso à Justiça. No decorrer do processo, acabou aceitando um acordo judicial que inclui o pagamento de R$ 25 mil em danos morais coletivos – o procurador do caso reivindicava um montante de R$ 500 mil, mais R$ 10 mil a cada um dos 45 trabalhadores, porém o juiz estabeleceu um valor mais baixo.

“O que eles pediram, a gente providenciou”, afirmou Pimentel à Repórter Brasil, sobre as adequações. Ele conta ter 70 colaboradores terminando de colher a nova safra, como na anterior. Já Rafael Hiroyoshi Kossugue, por sua vez, comenta que, em função do termo de ajustamento assinado, recorreu a uma empresa para cuidar das questões trabalhistas. “Estou procurando fazer tudo direitinho”, diz.

Por conta de uma outra autuação registrada na cidade de Patrocínio (MG), o produtor Osnivaldo foi incluído na lista suja do trabalho escravo. Em 2018, 16 trabalhadores foram resgatados de uma área de tomate que ele havia arrendado. A mesma operação resgatou outros 36 trabalhadores na mesma atividade em área arrendada na mesma propriedade por Valdir da Silva Rezende.

Ambos integram empresas de certa expressão no setor de hortifrúti em São Paulo. O primeiro é dono da Agro Niva, e o segundo é um dos dois sócios-administradores da Agrociro Transporte e Logística, condição que também exerceu na Agrociro Distribuidora. Foi de Osnivaldo que Carrefour e GPA confirmaram ter comprado mercadoria de forma indireta. O Carrefour, também da Agrociro. As redes declaram ter adotado medidas ao tomar conhecimento do problema (detalhes mais abaixo).

Contatada pela Repórter Brasil, a Agrociro registrou que não compra dos produtores autuados e que Rezende não faz mais parte do seu quadro societário. No sistema da Receita Federal, ele não consta mais como sócio-administrador da distribuidora do grupo, mas da transportadora, sim. A reportagem procurou os outros produtores autuados, mas não obteve retorno.

Supermercados anunciam providências 

O Grupo Carrefour Brasil declarou, após ser questionado sobre a relação comercial com produtores autuados, repudiar qualquer prática que viole os direitos humanos ou a legislação trabalhista, e afirmou ter realizado rigorosa apuração em toda sua cadeia de fornecimento ao tomar conhecimento dos fatos apurados. 

“A rede já exigiu que o fornecedor tomasse todas as providências para bloquear qualquer nova compra deste produtor [Osnivaldo Carriel Cordeiro], o que já ocorreu desde o conhecimento do caso, respeitando seu Código de Ética e Social para Fornecedores e as cláusulas comerciais que obrigam o cumprimento integral da legislação trabalhista”, registra a nota da empresa.

O Carrefour acrescenta que a companhia é membro fundador e curador do Instituto Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (InPacto) “e possui rigoroso controle da sua cadeia de fornecimento, buscando eliminar o risco de qualquer tipo de violação”. A companhia não atualizou seu posicionamento após ter constatado relação comercial com um segundo produtor (a Agrociro). 

Segundo o GPA, assim que o Assaí identificou que um de seus fornecedores de tomates fez uma compra, em janeiro, do produtor autuado Osnivaldo Cordeiro, a empresa notificou e pediu formalmente esclarecimentos ao intermediário– “que suspendeu imediatamente as compras desse produtor”, informa a companhia.

“Adicionalmente, o Assaí está implementando um processo de rastreabilidade de compras de seus fornecedores para verificação de critérios sociais (condições de trabalho), a ser finalizado ainda este ano. Além disso, o Assaí tem em seus contratos a Carta de Ética aos Fornecedores que estabelece as regras e normas mínimas que devem ser respeitadas nas relações comerciais de suprimento, incluindo respeito às legislações trabalhistas”, informou a empresa.

Outras redes de varejo foram procuradas pela Repórter Brasil. O Grupo Big (ex-Walmart), Tenda e Dia disseram não manter comércio com os produtores autuados ou presentes na lista suja. A mesma posição foi data por líderes do fast-food McDonald’s, Subway e Burger King. Já o Bob’s alegou sigilo comercial e se limitou a manifestar confiança em sua política de responsabilidade.

Em função do caso de trabalho escravo em Minas Gerais, contatamos as principais redes varejistas do Estado. Super Nosso e Bahamas responderam não ter comprado dos produtores listados, mas o segundo não esclareceu se pode ter recebido indiretamente deles. Supermercados BH, Mart Minas, DMA (à qual pertence o EPA) e Verdemar não se pronunciaram.

Pouca transparência em distribuidoras

Um importante elo da cadeia do tomate são as distribuidoras, que revendem o produto para supermercados, feiras, varejões e restaurantes. Nesse elo da cadeia, apenas parte das empresas se manifestou após contato da Repórter Brasil.

A Comercial Agrícola Kazuo, atacadista que se define como uma das líderes da comercialização de tomates, confirmou ter comprado mercadoria do produtor Rafael Hiroyoshi Kossugue. A empresa Canelas respondeu não ter os produtores autuados em sua cadeia. A Hortifruti Natural da Terra foi a única a abrir sua lista de fornecedores, entre os quais não constava nenhum deles.

Já as empresas Batista, Doni, Iguape, Itimirim e WTS, apontadas entre as maiores intermediárias da passagem do tomate de mesa pela Ceagesp, a central de distribuição de alimentos de São Paulo – e prováveis abastecedoras das grandes redes de supermercados, além de mercados menores, feiras, varejões e restaurantes –, não se manifestaram. Idem com a Hortmix, que opera em armazém próprio.


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