Pandemia cria cenário de incerteza para trabalhadores da laranja

Negociações na indústria do suco estão atrasadas e sindicatos temem perdas de direitos e congelamento de salários
Por Daniela Penha
 15/06/2020

A pandemia trouxe instabilidade e incerteza para os trabalhadores do setor da laranja. As negociações na indústria estão atrasadas e os sindicatos temem perdas de direitos, além do congelamento dos salários.

Entre os trabalhadores do campo, a preocupação é de que a situação dificulte as negociações, que começam neste mês.

A colheita da laranja nas principais áreas produtoras de São Paulo teve início em junho. A previsão é de uma safra menor que a do ano passado, com queda no número de trabalhadores contratados e mudança no modelo de trabalho. Por outro lado, espera-se um aumento no consumo do suco no exterior.

Marcos Fava Neves, pesquisador do agronegócio e professor da Faculdade de Economia e Administração da USP de Ribeirão Preto, diz que o setor da laranja não deverá ser afetado pela crise econômica trazida pela Covid-19. Ele explica que o consumo do suco no mundo crescendo, com as pessoas isoladas em casa e buscando maior imunidade. “O Brasil deve conseguir exportar mais, o câmbio está bom. Acredito que haverá mais renda entrando para a citricultura brasileira”, disse à Repórter Brasil.

Nas negociações com a indústria, porém, as dificuldades não correspondem à boa expectativa de exportação. “As empresas alegam que, pelas questões de saúde, com a redução das grades de trabalho, os custos de produção aumentaram. Mas como fica o trabalhador?”, afirma Enilson Roberto da Silva, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação de Barretos.

Com data-base em maio, os sindicatos de trabalhadores afirmam que a primeira conversa com a indústria do suco ocorreu apenas na primeira semana de junho. Informaram, ainda, que a única pauta tratada pelas empresas foi a inserção da medida provisória 936/2020 ao acordo coletivo.

A MP, publicada em 1º de abril e prorrogada por mais 60 dias em 28 de maio com a justificativa de evitar demissões em massa, permite que empresas façam acordos coletivos diretamente com os trabalhadores, sem a participação dos sindicatos, para a diminuição de jornada e salários e ainda a suspensão dos contratos por prazo indeterminado.

“É absurdo e não compreensível em tempos normais, mas aceitável na atual situação. É um momento inusitado”, diz o professor Jair Cardoso, especialista em direito do trabalho que leciona na Universidade de São Paulo. Ele frisa: “O que não pode é colocar isso no acordo como se fosse definitivo. É uma medida provisória, com vigência temporária. O empregador precisa ter condições de sobrevivência, mas não pode ser escravizando o trabalhador”. 

Dificuldade de negociação

Por enquanto, não houve acordo em relação a aumento dos salários e manutenção dos benefícios para trabalhadores com o Sicongel (Sindicato das Indústrias de Alimentos Congelados, Supercongelados, Sorvetes, Concentrados e Liofilizados no Estado de São Paulo), que representa as gigantes do setor, LDC e Citrosuco, além de outras empresas menores. Questionada sobre as negociações e outras questões do setor, o Sicongel não enviou respostas à Repórter Brasil.

“A MP já é ruim para o trabalhador. Nós precisamos diminuir os impactos dela, não piorar a situação. Nós temos pressa. O trabalhador está desassistido”, afirma Nelson Joaquim da Silva, presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Alimentação de Matão.

A Cutrale, outra gigante da laranja, tem junho como data-base para as negociações. Os sindicatos afirmam, entretanto, que já foi sinalizado pela empresa a prorrogação do acordo coletivo anterior por mais 90 dias – possibilidade prevista na MP 927/2020, que também prevê a flexibilização das relações trabalhistas.

Além do Sicongel, a Repórter Brasil contactou as empresas Cutrale, Citrosuco e LDC. Cutrale e Citrosuco não se manifestaram sobre os questionamentos, que, além das negociações, também focavam questões de saúde e segurança do trabalhador e medidas realizadas para evitar a infecção pela Covid-19.

A LDC enviou uma nota, porém não se manifestou sobre as negociações, informando que “essas tratativas são conduzidas via sindicato patronal” e que “cumpre todas as leis e regulamentos em vigor, bem como as regras definidas na negociação com os sindicatos e aprovadas em assembleia dos trabalhadores”. Leia abaixo a íntegra da nota da LDC.

Preocupação no campo

Os sindicatos dos trabalhadores rurais temem que a mesma postura seja adotada pelas empresas em relação aos funcionários do campo. As negociações começam neste mês e os representantes dos sindicatos afirmam que não há qualquer previsão de como elas devem suceder. “Corre o risco de ficar na estaca zero. Se tiver reajuste salarial, pode não chegarna inflação”, prevê Aparecido Donizeti, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Agudos.

 “As negociações acontecerão, mas o cenário não é nada agradável, embora essas empresas não tenham tido nenhum problema”, opina Jotalune Dias dos Santos, presidente da Feraesp (Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo).

Marcos Fava Neves explica que, neste ano, a expectativa é de que a safra da laranja seja menor, devido à alta safra do ano passado, o que deverá impactar nas contratações e, consequentemente, nas condições de trabalho. “Como você paga por caixa colhida, o valor a ser pago é menor”, explica.

Mudança no trabalho

A safra está no início, mas representantes do setor já percebem mudanças na forma de trabalho. Por enquanto, algumas empresas estão optando por não trazer trabalhadores migrantes do nordeste para a colheita do sudeste, conforme informaram representantes do setor. “Deu mais emprego para a região”, avalia Paulo de Rizzo, assessor jurídico do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Matão.

“Se trouxerem, as empresas serão responsáveis por esses trabalhadores e terão que cuidar muito bem da saúde e segurança”, ressalta o advogado Tiago Sacco, que atua junto aos sindicatos de trabalhadores.

Em sua nota, a LDC informou que está em fase de contratação dos trabalhadores, inclusive os nordestinos. E que a campanha de contratação “está sendo realizada com todos os cuidados necessários para mitigar o risco de contaminação pela Covid-19” (Leia a íntegra aqui).

Os alojamentos onde os migrantes são acolhidos durante a safra seriam uma das preocupações. Em fevereiro de 2020, a Repórter Brasil acompanhou a Public Eye, uma ONG suíça, em uma investigação sobre o mercado produtor da laranja. Em alojamentos da empresa LDC, trabalhadores dividiam quartos pouco arejados e reclamavam que não contavam, sequer, com ventiladores, enquanto os termômetros marcavam mais de 30ºC.

Os representantes dos sindicatos relatam que, por enquanto, as empresas têm seguido medidas de segurança como medir a temperatura dos funcionários antes de entrarem na fazenda, ocupar apenas um banco no ônibus, distribuir máscaras e álcool gel. A preocupação é saber como será a conduta no pico da safra, quando o número de trabalhadores é maior.  

Cooperativa relata queda

Nessa mesma época do ano passado, a Coopersanta, cooperativa agrícola criada por trabalhadores rurais em Santa Maria (PR), já tinha negociado a venda de 100% da sua produção de suco de laranja. Sidnei da Silva, presidente da instituição, diz que, por enquanto, tem entre 25 e 30% negociados para a exportação. “O reflexo da pandemia é grande. Os compradores estão indecisos. Não sabem como proceder”.     

Ele avalia, porém, que a demora seja resultado da instabilidade do mercado, que gera dúvidas nos importadores. “O consumo do suco está maior. A gente acredita que vai conseguir negociar tudo”.  Cerca de 80% dos cooperados – cerca de 60 – da Coopersanta são pequenos produtores.

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